Capelão viveu na sacristia para não deixar doentes com Covid-19 sozinhos
Foram muitas as vezes que o padre Carlos Matos acompanhou sozinho vítimas da Covid-19 até à sepultura, procurando dar “uma certa dignidade” àquele “momento de despedida” e fazendo a ponte com a família que não podia estar presente no funeral.
Tudo isto aconteceu no início da pandemia em Portugal, em março de 2020, quando a ministra da Saúde, Marta Temido, anunciou a primeira morte no país, no dia 16, e quatro dias depois o Governo proibia as celebrações religiosas, como funerais, e outros eventos que implicassem a concentração de pessoas.
Há 13 anos capelão no Hospital São José, Carlos Matos recordou à Lusa esses tempos “terríveis”, de “ambiente de guerra”, em que famílias se despediam dos seus familiares à entrada do hospital e nunca mais os voltavam a ver.
“Por aquela morgue [do hospital] passou muita gente com família que não se pôde despedir do doente, nem o doente dela, foi terrível”, disse, lembrando que “as pessoas morriam, punham-se em dois sacos, com uma fita no pé e seguiam para a morgue e depois sepultura, sem despedida. Nesta matéria fomos todos iguais”.
Para atenuar esta dor, os capelães fizeram a ponte entre os doentes e a família. “Os familiares puderam ver que eles não morreram sem ouvir o recado que lhe mandaram e ouviram o recado que o doente lhes deixou”.
Com o número de mortes a aumentar diariamente no início de 2021, os hospitais tiveram de reforçar as suas morgues e instalar contentores frigoríficos. “As pessoas morriam num autêntico anonimato tendo familiares”, porque não havia reconhecimento por parte da família.
“Ainda hoje acompanho muitos familiares que não estão a fazer o seu luto porque não tiveram o momento da despedida”, disse Carlos Matos.
Na altura, colocou-se a questão de os capelães ficarem em confinamento, mas recusaram.
“Decidimos que queríamos estar ao serviço dos doentes e dos familiares”, respeitando sempre as regras, disse o padre Carlos, um dos seis capelães do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, onde até domingo tinham morrido 887 pessoas vítimas da covid-19 e cerca de 5.200 estiveram internadas.
Para isso, optou por viver durante dois meses (fevereiro e março de 2021) na sacristia da capela do Hospital de São José para ficar junto dos doentes e também por receio de poder levar a Covid-19 para o seminário onde vive.
Durante esse tempo, contou, “tomei banho de caneca como antigamente porque não havia chuveiro na sacristia”.
Quando a pandemia terminar, disse, “há todo um trabalho que é preciso fazer, não só em termos de sequelas de quem sobreviveu, mas também em termos de acompanhamento dos familiares porque foi terrível”.
O capelão realçou a união e dedicação de todos os profissionais aos doentes: “A partir de uma certa altura chegamos à conclusão de que estávamos todos para o mesmo. Não sabíamos o que iria acontecer, podia ser um de nós”.
“Foi um trabalho que atingiu muita gente. Foi terrível, agora espero que tudo isto nos ajude a olhar para a vida de um modo mais simples e mais gratificante”, salientou o padre Carlos, que criou o canal “A praia do capelão” no ‘Youtube’, para poder estar mais perto das pessoas.
LUSA/HN
Outros artigos com interesse: