
Debate: Os desafios da longevidade
O mercado dos 55+ está a crescer e a obrigar as marcas do sector da Saúde a moldarem as suas estratégias e comunicação, contribuindo para o envelhecimento com qualidade de vida.
Portugal é o 4.º país mais envelhecido do mundo e o mais envelhecido da União Europeia. Actualmente, a população portuguesa com mais de 55 anos atinge aproximadamente 4,1 milhões de pessoas, ou seja, cerca de 38% da população, segundo os dados do II Barómetro do Consumidor Sénior em Portugal. O target 55+ está a tornar-se o eixo central da demografia em Portugal e um dos mais relevantes para a economia nacional. Para as marcas do sector da Saúde, esta tendência representa novos desafios, quer ao nível da Investigação & Desenvolvimento de produtos, quer também do Marketing e Comunicação.
Para as marcas da indústria farmacêutica, por exemplo, este é o público natural e tradicional da sua aposta em inovação. «Basta pensarmos na hipertensão, na dislipidemia (como o colesterol) e outras situações para as quais criámos terapêuticas. E essas terapêuticas são para esses doentes, não são para os jovens. O nosso forte do negócio está nos 55+», salientam os responsáveis presentes no mais recente pequeno-almoço debate da Saúde promovido pela Marketeer. É na forma como comunicam, ressalvam, que têm sido introduzidas algumas nuances. «Os seniores já não querem ver os antigos anúncios a fraldas, muletas ou aparelhos auditivos», mas ao mesmo tempo não querem que as marcas comuniquem com eles tal como falam para os jovens. «Devemos retratá-los tal como são: pessoas activas, que gostam de desporto e de aproveitar a vida.»
Esta é uma tendência que abrange todos os players do ecossistema da Saúde à volta da mesa, dos hospitais às seguradoras, passando pelos laboratórios e farmácias. Em todos, o foco está, actualmente, em vender saúde e prevenção ao invés da doença, porque «essa é garantida». «Estamos a tentar, de forma vincada, vender prevenção e saúde, com tudo aquilo que os 55+ hoje procuram. Já não querem ir ao hospital falar com o médico para fazer um check-up, mas ter uma app onde podem ver os check-ups que existem, consultar as diferentes especialidades. É nisso que temos de apostar para que as pessoas tenham quem as ajude a prevenir a sua própria saúde», explanam os responsáveis.
Porém, se a esperança média de vida aumentou nos últimos anos em Portugal e já ultrapassa os 81 anos, ainda existe um gap considerável em relação à esperança média de vida com saúde (63,5 anos). Os responsáveis acreditam que a «tendência será para diminuir» esse gap, também porque esta geração 55+ tem um nível cultural completamente diferente da geração anterior e tem mais «apetência e sensibilidade para envelhecer com qualidade de vida. E esse é um dos factores determinantes para a mudança de comportamentos a que se está a assistir. Os 55+ começam a preocupar-se seriamente em como vão envelhecer».
Essa mudança reflecte-se, por exemplo, no boom do mercado de suplementos alimentares nos últimos anos em Portugal, mas também na maior procura por nutrição, por medicinas alternativas (como aromaterapia ou fitoterapia) ou por medicina genética, numa óptica de prevenção. «Esta é a grande diferença. Se antigamente as pessoas iam aos prestadores para se curarem, neste momento também vão numa lógica de prevenção de doença e não apenas do diagnóstico», frisam os participantes no debate.
A tendência, do ponto de vista da comunicação, é para normalizar situações relacionadas com a saúde e o bem-estar em todas as fases da vida, como o envelhecimento, a incontinência ou a menopausa. Nesse âmbito, as marcas têm tido um papel fundamental ao contribuírem para quebrar alguns tabus. «É, acima de tudo, olhar para a saúde de uma forma integrada: a prevenção, a gestão da doença crónica, a nutrição, o exercício físico, a saúde mental… Cada vez mais, esta geração olha para tudo isto de forma integrada, numa lógica de ganhar sempre mais longevidade com qualidade de vida», sublinham.
Dina Heliodoro (Kenvue), Inês Luzio (Tecnimede), João Estêvão (CUF), Maria do Carmo Silveira (Médis), Marta Cunha (Germano de Sousa), Pedro Silva (ANF), Rui Rijo Ferreira (Jaba Recordati), Sérgio Dias (Haleon) e Victor Almeida (Lusíadas Saúde) foram os participantes no debate da Marketeer, que decorreu no Vila Galé Ópera, em Lisboa.
A SAÚDE AINDA É SEXY?
Outro dos temas levados a discussão durante o debate foi o incontornável problema estrutural da falta de recursos humanos, que continua a penalizar os players deste sector, com impacto directo nas suas operações. Os principais grupos hospitalares privados, por exemplo, deram seguimento, ao longo deste ano, aos seus planos de expansão em todo o território nacional, mas enfrentaram invariavelmente problemas relacionados com a falta de recursos humanos, sejam médicos, enfermeiros, auxiliares ou recepcionistas. «Tem sido um ano muito esforçado, em que nada acontece com naturalidade. Apenas temos conseguido abrir novas unidades porque nos esforçamos verdadeiramente para isso», explanam os responsáveis ouvidos pela Marketeer.
A competição por recursos é realmente um desafio para o futuro e um dos factores críticos para o crescimento/estabilidade do sector da Saúde. Como tal, deve ser discutido com a relevância que merece. «As Ordens profissionais têm aqui um papel muito relevante. Falta, de facto, formar mais profissionais, ter uma agilidade diferente para haver mais celeridade na aprovação das certificações», defendem.
Os responsáveis ressalvam que o problema não está tanto na falta de médicos, uma vez que o número de profissionais que temos em Portugal nas diferentes especialidades é semelhante – ou até mesmo acima – ao que existe noutros países com uma dimensão equivalente. No entanto, faltam médicos de especialidades específicas, como dermatologistas ou alergologistas, sendo este um problema que não é de agora. Assim como há uma escassez de profissionais em várias áreas, desde recepcionistas a auxiliares de acção médica.
Nos laboratórios, sente-se as mesmas dificuldades, inclusive ao nível da formação. «Os cursos diminuíram. Há 10 anos, havia se calhar sete cursos para técnicos de análises clínicas e agora há quatro ou cinco. Cada vez que sai uma nova fornada [das faculdades], andamos a competir uns com os outros, e os ordenados são baixíssimos», constatam os participantes no debate. Para agravar, se noutros países os biólogos podem realizar colheitas para análises clínicas, em Portugal isso não é permitido. «Há questões críticas que é preciso rever, como os licenciamentos da ERS – Entidade Reguladora da Saúde, que dificultam processos. Se calhar tínhamos muito mais capacidade se os biólogos pudessem realizar colheitas», sugerem.
Certo é que há cada vez menos profissionais em determinadas áreas ligadas à Saúde e menos oferta formativa. Porquê? «Muitas das áreas de formação vão ser cada vez menos sexy para os jovens. Porque se abrirmos os telejornais, vemos notícias sobre a greve dos enfermeiros, a greve dos técnicos, toda a gente a queixar-se das condições salariais na área da Saúde… Se hoje tivéssemos 15 ou 16 anos, será que era para ali que queríamos ir, ou para a área de informática, por exemplo, onde sabemos que os salários são mais altos?», questionam. Além disso, desde a pandemia de Covid-19, há uma maior preocupação com o bem-estar e com o equilíbrio entre a vida pessoal e laboral, com as gerações mais jovens a valorizarem aspectos como a flexibilidade de horários ou possibilidade de teletrabalho, que podem encontrar mais facilmente noutras áreas.
Neste aspecto, ressalvam, as farmácias são uma «feliz excepção ». Em média, existem quatro farmacêuticos por farmácia, o que é «assinalável, mesmo relativamente àquilo que é a realidade internacional». Ainda assim, o desafio da retenção de talento é uma «preocupação», porque a saúde «deixou de ser uma área sexy» e os jovens estão a ir para outras áreas, como as engenharias. E isso vê-se pelo aumento das médias de entrada nos cursos.
APOSTA NA LITERACIA
Acompanhando a tendência da maior preocupação pela prevenção e o autocuidado, os players do ecossistema da Saúde têm procurado também investir cada vez mais em acções de literacia, seja através das plataformas digitais, de podcasts e de outras iniciativas que visam prestar informação segura e fiável aos consumidores. Muitas destas acções são realizadas em conjunto com parceiros ou especialistas e congregaram vários players da indústria. É o exemplo do projecto MovSaúde, na área do combate ao cancro colorretal, que agrega seguradoras, farmacêuticas, laboratórios, Ordens, entre outros. «É um movimento que congrega esforços de todos os sectores, alguns deles concorrentes. É um exemplo.»
Mesmo fora do meio digital e das redes sociais, as farmácias são hoje espaços cada vez mais voltados para a prevenção. Hoje, entram nas farmácias nacionais cerca de 500 mil pessoas por dia, com maior predominância do sexo feminino e das faixas etárias acima dos 40 anos. Essa proximidade configura «uma grande oportunidade e as farmácias fazem esse esforço diariamente na prevenção. Mas o problema, muitas vezes, está na receptividade que as pessoas têm em relação ao tema», frisam os participantes no debate. Em farmácias de bairro, muitas vezes, o farmacêutico é como se fosse o médico de família – ou, neste caso, o «farmacêutico de família».
Apesar de estarem a ser dados passos importantes na prevenção e na literacia, os responsáveis ouvidos pela Marketeer apontam a algumas barreiras legislativas nas áreas da comunicação, marketing e publicidade, que têm sido um entrave a fazer ainda mais. Por exemplo, hoje, se uma empresa farmacêutica quer ter um spot na rádio, tem de incluir obrigatoriamente a frase legal, que é dita de uma forma «quase irracional, em que ninguém percebe nada» e que não beneficia o consumidor – antes pelo contrário.
Também o acesso aos profissionais de saúde está hoje muito mais limitado. Tudo é registado, desde a oferta de um brinde ao congresso a que se convida algum especialista. Os próprios departamentos de compliance das empresas do sector estão muito atentos a todas estas questões. «Mas essas regras estão superapertadas, porque antigamente não havia regras», ressalvam os responsáveis, considerando que «passámos do oito para o oitenta».
UM ANO DE CONSOLIDAÇÃO
Chegados à fase final do ano, é ainda tempo de fazer um balanço de 2025 no mercado da Saúde em Portugal. Para as seguradoras representadas no debate, este foi, acima de tudo, um ano de consolidação da estratégia de crescimento, com alguns grupos a expandir serviços (inclusive fora do seu core business), a crescer fisicamente e a posicionar-se como verdadeiros sistemas de saúde e bem-estar.
Também no caso dos hospitais privados, este foi um ano marcado pela consolidação da tendência de crescimento, embora com «menos entusiasmo do que nos anos anteriores». «O progresso do ano está a ser positivo. Contido, mas positivo. Não haverá crescimentos a dois dígitos, em princípio», vaticinam os responsáveis inquiridos pela Marketeer.
Para as empresas farmacêuticas mais ligadas à área da prescrição de medicamentos, o mercado apresenta um crescimento «bastante bom», na ordem dos 12%. Uma evolução que é positiva, quer no mercado ambulatório, quer no hospitalar.
Já na parte de consumer healthcare, o mercado está praticamente estável em volume de vendas. Nota-se um aumento em valor, mas muito pela via do preço e da inovação. «Temos tido alguns desafios, porque o último Inverno foi muito tímido. O Verão começou bem, mas acabou demasiado cedo, e agora estamos expectáveis para ver como vai acabar o ano e quando é que vai começar o Inverno», explanam.
Texto de Daniel Almeida
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Saúde”, publicado na edição de Novembro (n.º 352) da Marketeer.




