
Presidente da ACEGE sobre a greve geral: “Que haja diálogo, que haja abertura de espírito”
A presidente da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE), Patrícia de Melo e Liz, apela ao diálogo para que se possa evitar a greve geral marcada para 11 de dezembro em oposição às propostas de alteração à lei laboral.
Em entrevista à Renascença e à Agência Ecclesia, Patrícia de Melo e Liz diz que o Governo tem sido dialogante e apela “ao sentido de dever de parte a parte”.
A presidente da ACEGE não considera a proposta de alteração à lei laboral “totalmente desequilibrada”, embora reconheça que ela “carece de alguns ajustes”. A dirigente defende que as mudanças na legislação devem promover a geração de riqueza “para que ela seja devidamente distribuída”.
Noutro plano, Patrícia de Melo e Liz alerta para a necessidade de uma melhoria substancial dos salários em Portugal, porque “a produtividade das empresas não se faz com uma exploração dos colaboradores”.
Para a presidente da ACEGE, as empresas também existem “para dar condições de vida equilibrada aos seus trabalhadores”, pelo que “o lucro pelo lucro não faz sentido”.
“Até pela competitividade que queremos gerar, as empresas têm de melhorar os salários”, enfatiza.
Patrícia de Melo e Liz sublinha também a necessidade de “os trabalhadores corresponderem com reciprocidade”, diz que as “empresas são um grande veículo para fazer prosperar o ser humano” e assegura que melhores salários em Portugal ajudarão à criação de “um ciclo virtuoso”.
A presidente da ACEGE apela para que não se veja na mensagem dos dois últimos Papas “uma mensagem contra os empresários”. Patrícia de Melo e Liz afirma que as referências à “economia que mata” visam a sensibilização dos empresários para a melhor distribuição da riqueza” e assegura que a ACEGE, através do seu programa das empresas familiarmente responsáveis, tem sensibilizado para a defesa do “equilíbrio”, entre trabalho e família.
“Este Governo, em muitos momentos, tem provado ser dialogante”
Participou no primeiro encontro ACEGE de Londres. O que nos pode dizer sobre a iniciativa?
Esta iniciativa tem a ver com os muitos portugueses que trabalham em Londres e que têm ligação à ACEGE, aos seus grupos de reflexão. Falámos um pouco daquilo que é o espírito de trabalho também aqui em Londres, da aceleração dos dias, daquilo que é a luta pela competitividade que aqui se vive e, depois, obviamente, ligamos isso à parte também mais espiritual, mais de reflexão pessoal e da vida familiar de cada um.
Foi um encontro muito interessante e com bons amigos portugueses e as suas famílias. É muito interessante ver que vieram as famílias: também os filhos. E tudo se organizou de uma forma muito produtiva.
Falamos num momento de alguma tensão e de mudanças legislativas em Portugal. Sente um afastamento, um resfriamento na relação entre trabalhador e empregador. O empresário é visto, frequentemente, como alguém que apenas procura o lucro? Perdeu-se sentido humanista?
Eu gostaria de acreditar, e acreditamos fortemente, no contrário, no sentido de que as empresas vão tendo mais sensibilidade para aquilo que é necessário em termos de equilíbrio da família e do trabalho. Vejo cada vez mais empresas a terem as suas políticas de cuidado com os seus colaboradores. Sabemos que as coisas têm ainda caminho para evoluir, mas sinto que as vozes que se levantam vão um bocadinho em contraciclo com aquilo que são as práticas. Nós temos um programa, o programa das empresas familiarmente responsáveis, em que se trata de uma forma muito profunda daquilo que são as práticas do trabalho e da oferta de comodidade. E de situações de saúde mental, situações de equilíbrio dos horários de trabalho, equilíbrio salarial. Aquilo que vemos é as empresas a aderirem para poderem, realmente, certificar-se e certificar a empresa nestes tipos de práticas. Por isso, acredito que, como cada vez temos mais empresas a aderir ao programa, o caminho seja mais positivo do que aquilo que se vem falando.
“O lucro pelo lucro não faz sentido”
Como é natural, há sempre espaço para melhorar. Enquanto associação cristã, o que é que ACEGE pode fazer pela melhoria da relação laboral?
Há espaço para melhorar, sem dúvida. Há espaço para sensibilizar mais empresas e aquilo em que acreditamos é que as empresas têm de olhar os seus colaboradores, primeiro, como seres humanos que querem também dignificar a sua vida. Depois, obviamente, com o sentido muito prático de que a produtividade das empresas não se faz com uma exploração dos colaboradores. As empresas devem dar condições aos seus trabalhadores, devem dar condições não só salariais, mas condições de vida equilibrada e, obviamente, ter também a reciprocidade.
O lucro pelo lucro não faz sentido. O sentido é que as empresas existem, o trabalho existe para dignificar o homem e dignificar a nossa vida e também com o humanismo e com o sentido prosperar, de levar prosperidade às pessoas, no sentido de evoluírem na sua vida, de evoluírem nas suas carreiras, de evoluírem no seu conhecimento, na sua condição familiar, poderem constituir família, poderem ter a sua casa, poderem ter uma vida digna. E nós temos, de facto, programas e ações de sensibilização que vão muito ao encontro desta prática. As empresas são um grande veículo para fazer prosperar o ser humano.
Em Portugal, os baixos salários surgem quase sempre como uma das queixas dos trabalhadores. É um reparo que se justifica?
Acredito que sim. Portugal continua e persiste na questão dos salários abaixo daquilo que seria desejável e daquilo que são os parâmetros europeus e tem de fazer algo sobre isso. Acredito que esse passo tem que ser dado, também. As empresas têm que dar esse passo de melhorar os salários em Portugal. Isso tem de acontecer no sentido de se aproximar das empresas europeias e, até, pela competitividade que queremos gerar. É um ciclo, é um ciclo que tem de se criar, um ciclo virtuoso, no sentido de que se eu tenho mais produtividade torno-me mais competitivo, se me torno mais competitivo tenho mais resultados e se tenho mais resultados posso pagar melhores salários.
Isto tem de acontecer porque eu não posso querer pagar salários e não ter resultados para o fazer. Por outro lado, distribuir bem, distribuir bem aquilo que são os resultados gerados. Esse sentido mais colaborativo e menos mercantilista tem de acontecer.
Como dizia há pouco, acredito que, de facto, há empresas – também muito pela influência de multinacionais, que vimos tendo desde a entrada na comunidade europeia – com esta consciência de que aquilo que é o fruto do trabalho é para distribuir. Com certeza que as empresas existem para ter o seu lucro, para distribuir aos seus sócios, mas também para distribuir às suas pessoas e isto tem de entrar no “mindset” das empresas.
“Se queremos estar na Europa, se queremos estar no mundo, temos que também ser mais competitivos”
Sem os empresários e as empresas o pedirem, sem o Governo o ter anunciado em campanha eleitoral, o país discute por estes dias alterações significativas à lei laboral. Falava-se, inicialmente, de 100 medidas de alteração. Do ponto de vista da ACEGE, esta é uma prioridade?
Eu diria que, do ponto de vista da ACEGE, a prioridade é sempre aquilo que acabei de descrever, no sentido de haver equilíbrio, mas acredito que as medidas de competitividade também ajudam o país a prosperar, desde que seja sempre com sentido. E as leis que estão a ser feitas têm de ser com o sentido de gerar mais riqueza, para que ela seja devidamente distribuída. E esse é o “mindset” que tem de se criar. Nós temos que deixar um pouco esta ideia, como disseram no início e bem, de que empresa e empregado/colaborador é uma situação antagónica. A ideia de que estão virados de costas. Não podem estar. Não é assim que se gera competitividade nas empresas nem num país, não é assim que se leva um país a ser mais competitivo e mais próspero.
Os sindicatos dizem que as propostas de alteração penalizam sobretudo os trabalhadores, retirando-lhe direitos. A proposta tal qual nos chegou é, do seu ponto de vista, desequilibrada?
Não acho totalmente desequilibrada, acho que há medidas que são necessárias, no sentido da aposta na competitividade. Porque, se queremos estar na Europa, se queremos estar no mundo, temos que também ser mais competitivos. Mas não digo que não careça de alguns ajustes. Penso que tudo tem muito a ver com a atitude, quer dos empresários quer dos colaboradores. Se tiverem uma atitude colaborativa e de empenho, numa atitude de distribuição justa da riqueza gerada, há questões na lei que são importantes para que isso aconteça. Porque a atitude do colaborador tem que ser também no sentido de levar prosperidade às empresas e ao país. No caso contrário, tem de existir justiça. Justiça no pagamento de salários. Mas tem de ser uma situação de reciprocidade.
Acredita ser possível um entendimento que permita a desconvocação da greve geral?
Eu espero que sim. Este Governo, em muitos momentos, tem provado ser dialogante. Esperamos que seja, desta vez também.
É esse o apelo que faz? Que haja diálogo?
É este o apelo que faço. Que haja diálogo, que haja abertura de espírito, que haja um sentido de evolução, que haja um sentido também de dever de parte a parte porque, muitas vezes, estamos muito focados no que é que é o meu direito e devemos estar focados também no que é que eu posso fazer, o que é que é necessário fazer para levar o nosso país, as nossas empresas, as nossas pessoas a prosperar.
E a evolução pode ser o recuo nalguma das matérias?
Eventualmente. Eu não me queria manifestar muito sobre isso porque são muitas medidas, como disse, são muitos detalhes. A discussão ideal é aquela que leva ao equilíbrio necessário.
“Há que não ver a mensagem destes dois últimos Papas como uma mensagem contra os empresários”
Vamos olhar agora um pouco mais para o pensamento social sobre esta matéria. Na sua primeira exortação apostólica, “Dilexi Te”, o Papa Leão XIV foi muito duro a reforçar críticas que já vinham de antes: críticas a uma economia que mata. Depois, no Jubileu do Trabalho, em Lisboa, disse que recusa ver as empresas como algo a abater, que devem ser, pelo contrário, incubadoras de desenvolvimento humano. Como é que se faz esta ponta entre as duas realidades e como é que a ACEGE quer criar alternativas a esta economia que mata e que foi denunciada pelos últimos Papas?
Antes de tudo, há que não ver a mensagem destes dois últimos Papas como uma mensagem contra os empresários. Esse é o primeiro ponto. A mensagem é de sensibilização aos empresários, de sensibilização aos gestores para aquilo que já referimos: distribuir melhor a riqueza, não haver desequilíbrios tão grandes entre o lucro gerado e aquilo que é distribuído.
No entanto, há um respeito muito grande, não tenho qualquer dúvida, da Igreja por aquilo que as empresas fazem pela humanidade. Portanto, é preciso ler de uma forma muito clara que aquilo que está a ser feito é pedir para humanizar mais as empresas, pedir para ir mais longe, pedir para ver esta sensibilidade para com quem realmente faz as empresas evoluírem, que faz as empresas atuarem para a frente. Eu costumo dizer que as empresas não são dos sócios, as empresas são de todas as pessoas que lá trabalham e o sentido de responsabilidade a que apelamos sempre aos nossos empresários é no sentido da responsabilidade de olhar para cada pessoa como, de facto, um elemento que contribui e que faz parte e que é parte de uma empresa.
Uma das grandes preocupações do momento prende-se com os desafios da inteligência artificial. Estamos a conviver bem com esta nova realidade? Acautelamos os seus desafios? Protegemos o trabalho?
A inteligência artificial ainda está num ponto muito inicial para se conseguir tirar conclusões sobre o que vai acontecer. Ouvimos muitos comentários acerca disso e alguns deles muito díspares. Eu diria que acredito que a inteligência artificial seja boa no sentido de facilitar o trabalho, no sentido de ajudar a evoluir, e que terá a sua evolução.
Mas também acredito que tem de haver uma adaptabilidade dos tempos, como sempre houve quando houve evoluções tecnológicas e de várias ordens. É necessário adaptarmos e percebermos onde é que, de facto, podemos encontrar saídas. Acredito muito que encontremos saídas em tantas profissões, sobretudo ligadas a um bem-estar do ser humano, que vão ser cada vez mais necessárias. E acredito que vai haver uma substituição de algumas atividades para outras atividades e que o ser humano vai ser imprescindível.
A inteligência artificial vai ocupar o seu lugar e isso deve ser feito com ética, deve ser feito com regra, que ainda não existe o suficiente, mas acredito que vá aparecer porque o homem, também naquilo que é a sua inteligência, vai-se adaptando e vai adaptando os tempos e vai-se adaptando aos tempos.
“Acredito que a inteligência artificial seja boa no sentido de facilitar o trabalho, no sentido de ajudar a evoluir”
Olhando para o trabalho que ainda é feito por seres humanos, em Portugal fala-se, muitas vezes, de um problema de falta de mão-de-obra, o que também afeta a produtividade do país. Também neste momento estamos em vias de aprovar legislação que dificulta o recrutamento dessa mão-de-obra quando se trata de trabalhadores imigrantes. Partindo do princípio que todos concordamos com a necessidade de regular a imigração, como é que analisa este processo e até os posicionamentos da Igreja, que tem sido crítica face a alguma desta legislação?
A legislação tem de ser no sentido, como disse e bem, de regular a imigração, não de afastar a imigração. Aquilo que tenho vindo a ler acerca disso é que se quer travar uma situação de desnorte, que estivemos a sentir. Isso também traz problemas sociais graves porque, quando nós recebemos muitas pessoas e não temos as pessoas a adaptarem-se e a integrarem-se no país e na cultura e naquilo que é o trabalho e terem o trabalho devidamente pago, devidamente regulado, depois temos também essas próprias pessoas a não terem uma vida digna. Portanto, aquilo que se procura – e acredito aquilo que se está a procurar – é que todas as pessoas que recebemos estejam de forma digna em Portugal. E acredito que a lei vai sendo nesse sentido.
Há situações que podem parecer um travão, mas acredito que também há aqui, claramente, uma vontade de que venham pessoas. Acredito que haja a intenção de receber mais imigrantes. Temos de ver isto também como um ciclo, porque os ciclos de imigração têm as suas flutuações e se neste momento é preciso regular um pouco mais a imigração, não significa que seja uma lei estanque e que não vá depois moldar-se àquilo que seja necessário. Até os acordos com os países que vão existindo acabam por auxiliar também, acredito eu, a que possa, depois, haver mais pessoas para, de facto, cobrir aquilo que, como disse, é a falta de mão-de-obra. E não deixa de ser interessante esse antagonismo em relação àquilo de que falamos sobre a inteligência artificial.
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