
SNS cresce em utentes e profissionais mas persistem fortes desigualdades regionais
O SNS ganhou mais de 522 mil utentes na última década e quase duplicou o número de médicos e enfermeiros por mil habitantes, mas persistem fortes desigualdades regionais e “dificuldades sérias” no acesso a especialidades.
O Relatório de Avaliação de Desempenho e Impacto do Sistema de Saúde (RADIS), da Convenção Nacional da Saúde (CNS), traça, com base em 35 indicadores, “uma fotografia abrangente do desempenho do sistema de saúde em Portugal”, cruzando recursos disponíveis, resultados alcançados e a perspetiva dos doentes, articulando saúde com bem-estar social e económico.
Segundo o documento, a que a Lusa teve acesso, o número total de utentes inscritos no SNS aumentou mais de 522 mil entre setembro de 2016 e setembro de 2025, um acréscimo de 5,1%, totalizando 10.681.987.
O aumento é explicado por fatores como crescimento populacional moderado, aumento da população imigrante, maior longevidade e uma procura crescente por cuidados públicos num contexto de pressão económica.
O relatório refere que os imigrantes apresentam frequentemente necessidades médicas e padrões de morbilidade distintos, o que exige estratégias de literacia em saúde, mediação intercultural e formação específica das equipas multidisciplinares.
A análise regional revela um aumento generalizado de inscritos, exceto no Alentejo, onde o declínio demográfico e a migração interna explicam a tendência inversa.
Nas áreas urbanas do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo (LVT), que concentram mais de 70% dos utentes, o crescimento reflete a concentração populacional e maior oferta de serviços.
Esta evolução aponta como implicações futuras maior pressão sobre a sustentabilidade financeira do SNS, sobretudo nas regiões mais populosas e envelhecidas, exigindo reforço da capacidade de resposta e políticas de equidade territorial.
Paralelamente, a densidade de médicos por mil habitantes passou de 1,1 em 2025, para 2,1 em 2025, um aumento de 91%. O Norte supera a média nacional (2,6 ), enquanto Alentejo e Algarve ficam abaixo (1,4 e 1,6, respetivamente).
A Região de Coimbra apresenta a maior concentração (4,1), contrastando com o Oeste, onde há apenas 0,7 médicos por mil habitantes.
Nos enfermeiros, a evolução também foi expressiva: de 2,9 em 2015 para 5,0 por mil habitantes em 2025, mais 72%, com o Norte e o Centro a liderarem (5,5).
“O reforço da capacidade assistencial reflete políticas públicas para responder ao envelhecimento, às doenças crónicas e às exigências da pandemia”, conclui o relatório.
Alerta, contudo, que “persistem desigualdades territoriais marcantes, com regiões e especialidades a enfrentarem sérias dificuldades de acesso e cobertura, que se manifestam em casos públicos” como, por exemplo, o encerramento de urgências obstétricas por falta de especialistas.
Regiões como o Alentejo e o Algarve continuam abaixo da média nacional, o que, segundo o estudo, exige políticas de atração de profissionais, incluindo incentivos financeiros e melhores condições de trabalho.
Nos resultados assistenciais, o relatório afirma que “há ganhos seletivos”: o número de utentes sem médico de família diminuiu em 2024, a mortalidade evitável antes dos 75 anos diminuiu e mantém-se abaixo da média da União Europeia.
Segundo o relatório, 14,5% dos inscritos nos cuidados de saúde primários não tinham médico de família em 2024, menos 1,8 pontos percentuais face a 2023. Apesar da melhoria, as diferenças regionais mantêm-se: o Norte tem o valor mais baixo (2,6%) e LVT o mais elevado (27,7%).
O relatório refere também que a taxa de cirurgias realizadas em regime ambulatório estabilizou “em níveis elevados, demonstrando maturidade e eficiência do sistema”.
“Por outro lado, surgem ou mantêm-se sinais de tensão, como a queda de 4,9% das primeiras consultas realizadas dentro do Tempo Máximo de Resposta Garantido (TMRG) no período observado que podem vir a traduzir-se em piores resultados para as populações, e disparidades regionais na realização de cirurgias dentro dos prazos legais, que comprometem a equidade e a qualidade dos cuidados”, alerta.
“Ainda assim, nos últimos dois anos, mais de 70% dos doentes a aguardar cirurgia estavam dentro do prazo máximo”, observa o relatório da CNS, que integra mais de 150 instituições da área da saúde.
Inquérito revela que metade dos portugueses admite sentir-se perdido no SNS
A maioria dos portugueses admite não saber exatamente onde se dirigir em caso de necessidade médica, segundo um inquérito hoje divulgado, que revela ainda que metade dos inquiridos tem dificuldades em obter respostas quando contacta o SNS.
O inquérito nacional, integrado no Relatório de Avaliação de Desempenho e Impacto do Sistema de Saúde (RADIS) da Convenção Nacional da Saúde, foi realizado pela primeira vez, para medir “a sua evolução nos próximos anos para compreender múltiplos fatores e dimensões não presentes nas estatísticas atuais”.
Segundo o relatório, “apenas 47% dos portugueses afirmam saber exatamente onde se dirigir em caso de necessidade médica”, o que “evidencia que mais de metade da população ainda enfrenta incertezas quanto aos percursos a adotar dentro do Serviço Nacional de Saúde”.
Metade dos inquiridos (50%) refere ter dificuldades em obter resposta ao contactar o SNS, sublinhando as barreiras existentes no acesso à informação e ao apoio imediato.
No que diz respeito à marcação de consultas, exames ou tratamentos, apenas 39% dos utentes consideram este processo fácil, “o que revela entraves administrativos e operacionais significativos”.
Outra conclusão do estudo aponta que 50% dos participantes admite sentir-se perdido no sistema de saúde, refletindo “uma falta de clareza e orientação nos mecanismos de navegação do SNS”.
Ao analisar o impacto da doença crónica na experiência de navegação, o estudo observou que 30% dos doentes crónicos se sentem perdidos ao tentar aceder aos serviços de saúde, considerando este “valor preocupante”, uma vez que estes utentes, por definição, mantêm contacto regular com o sistema devido ao acompanhamento contínuo da sua condição.
Adicionalmente, 51% das pessoas com doença crónica relataram dificuldades em obter resposta ao ligar para os serviços do SNS, valor superior ao reportado por participantes sem doença crónica (43%), refere o RADIS, que pretendeu com este inquérito incluir “a voz do doente, em particular a do doente crónico”.
O relatório sublinha que os dados sobre a navegação no SNS revelam “desafios substanciais no acesso e orientação dos utentes, especialmente entre doentes crónicos”.
“O facto de metade dos inquiridos admitir sentir-se perdido, aliado às dificuldades relatadas na obtenção de respostas e na marcação de consultas, evidencia barreiras administrativas e uma comunicação pouco eficaz”, alerta o relatório.
“Assim, torna-se evidente a necessidade de investir em estratégias que promovam maior clareza, apoio personalizado e simplificação dos processos no SNS, de modo a melhorar a experiência dos utentes e garantir uma navegação mais eficiente e inclusiva”, defende a CNS.
Para a Convenção Nacional da Saúde, deve ser reforçada a literacia em saúde e na informação sobre navegabilidade, salientando que as associações de doentes podem ter também um papel fundamental nesta área.
Os dados foram obtidos de forma virtual, entre junho e outubro de 2024, e foram recolhidas 457 respostas, sendo a maioria dos participantes mulheres (67%), com mais de 40 anos (83%) e com, pelo menos, uma doença crónica (82%).
A maioria tem médico de família (86%), 47% têm seguro de saúde, e 35% beneficiam de subsistemas de saúde como ADSE ou SAMS, refere o inquérito promovido pela Convenção Nacional de Saúde, que reúne mais de 150 instituições.
Segundo o RADIS, que é apresentado hoje na 8.ª edição da Convenção Nacional da Saúde, o número total de utentes inscritos no SNS aumentou mais de 522 mil entre setembro de 2016 e setembro de 2025, um acréscimo de 5,1%, totalizando 10.681.987.





