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“A crise da solidão social é um dos mais importantes desafios”

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“Não é uma questão de idade” é o tema central do Congresso. Ainda existe muito idadismo?

Vivemos numa sociedade envelhecida, o que, sublinho, representa um triunfo da humanidade, pelo que o envelhecimento global deve ser visto como um fenómeno altamente positivo. No entanto, apesar das pessoas idosas já representarem quase um quarto do total da população portuguesa, o idadismo é o preconceito mais disseminado socialmente. A OMS define o idadismo como os estereótipos (como pensamos), os preconceitos (como atuamos) e a discriminação (como agimos)  em relação a outras pessoas, com base na idade. É evidente para todos que o idadismo existe em toda a parte, desde os locais de trabalho aos sistemas de saúde, aos espetáculos, aos media e anúncios. De acordo com as Nações Unidas, uma em cada duas  pessoas são idadistas. O idadismo, tal como outros ismos, baseia-se em generalizações sobre pessoas em função de caraterísticas exteriores. No fundo, as pessoas são julgadas não pelas suas capacidades, mas pela sua idade. Tornam-se, assim, vítimas de discriminação no emprego, na educação e do próprio Estado.

A idade cronológica nunca deve ser um fator decisivo para determinar o direito aos cuidados médicos. Está bem demonstrado que é um mau indicador da capacidade da pessoa para responder positivamente, mesmo a cuidados intensivos e de reabilitação. Só uma pequena minoria de pessoas idosas é diminuída física e cognitivamente. Pelo contrário, a  maioria é independente e goza de boa qualidade de vida. Um dos objetivos, a longo prazo, da SPGG é desafiar a prática do idadismo e criar condições para que que as pessoas mais velhas realizem todo o seu potencial, o que será benéfico para si próprios e para a sociedade.

 

Fala-se cada vez mais do impacto da solidão nos idosos. É, de facto, uma nova síndrome?

A solidão social é uma epidemia com riscos significativos para a saúde, nomeadamente por aumentar a ocorrência de vários problemas de saúde mental e física, como a ansiedade, a depressão, a demência, o AVC e a doença cardíaca. As consequências nocivas deste risco têm sido comparadas aos de fumar e até se estima que superem os da obesidade e da inatividade física.   A recente pandemia da covid veio ainda agravar mais a solidão, particularmente das pessoas mais velhas, ao limitar os contactos com as suas redes de apoio familiar e social. Esta tendência de aumento da solidão vai contra a natureza humana, pois somos uma espécie eminentemente social, que precisou ao longo de muitos milhares de anos (e continua a precisar) de outros para sobreviver.

A OMS, em 2022, declarou a solidão um problema de saúde mundial. Em países como o Reino Unido e o Japão já existem ministros da Solidão. Os estudos realizados na população portuguesa mostram que um quarto da população sofre de solidão significativa. A SPGG salienta a necessidade premente de se criarem condições na nossa sociedade que limitem a solidão e o isolamento social, através de medidas que promovam o aumento das conexões sociais.

Chamamos a atenção para a necessidade de se estabelecerem planos nacionais de combate à solidão. Estes planos devem, nomeadamente, recomendar o reforço das infraestruturas sociais nas comunidades locais e mobilizar todos os setores da sociedade para a sua implementação pelas autoridades públicas, nomeadamente municipais e também privadas. A SPGG considera que abordar a crise da solidão social é um dos mais importantes desafios que a nossa geração enfrenta e precisa de vencer.

“Trabalhar com pessoas idosas envolve não só colaborar como elemento de uma equipa vasta como com o próprio doente. Nunca devemos tomar decisões médicas sobre eles sem partilhar a decisão”

E a fragilidade?

Nas últimas décadas, a síndrome de fragilidade emergiu como uma entidade clínica da maior relevância, tornando-se um dos mais importantes focos de atenção dos geriatras e outros profissionais de saúde que prestam cuidados aos doentes idosos. A fragilidade é um estado de vulnerabilidade devido a perda das reservas biológicas, o que implica um risco aumentado de complicações, mesmo na sequência de uma doença ou stress ligeiros. Não existe uma definição consensual de fragilidade. A falta de força é geralmente a primeira queixa a surgir, a que se segue a perda de peso e a fadiga, que são componentes centrais em todas as definições. A sarcopenia (perda da massa muscular esquelética) é uma componente que está na base destes sintomas.

De uma maneira geral, podemos considerar a fragilidade como uma síndrome multidimensional modificável e reversível, mediante intervenções baseadas, fundamentalmente, numa abordagem holística, em que têm papel de destaque o exercício físico e a alimentação saudável.

Para otimizar as medidas de reversão desta patologia é fundamental identificarem-se os respetivos fatores determinantes da síndrome de fragilidade. Estes são a redução da atividade física, a malnutrição, a sarcopenia, a polimedicação, a depressão, os défices cognitivos e a falta de suporte. Este novo campo da Geriatria, chamada Gerociência, tem vindo a aprofundar os conhecimentos sobre a biologia do envelhecimento, o que potencialmente pode ter a vantagem de permitir abordar todas as doenças crónicas em simultâneo.

É sabido que, hoje, a maior parte dos muito idosos morre de doenças cardiovasculares, cancro, demências e infeções respiratórias, mas para a maior parte dos muito idosos o que limita a sua capacidade, para viver com independência até à morte, é a fadiga e a falta de força, características da síndrome de fragilidade.

Este Congresso já vai na 44.ª edição. Ao longo destes anos, o que mais se tem aprendido?

A nossa sociedade tem olhado mais para os jovens, esquecendo-se dos mais velhos. Todavia, a esperança média de vida tem continuado a aumentar nas últimas décadas e nem a mortalidade associada a covid-19 fez diminuir esta tendência. A Medicina tem de cuidar das pessoas idosas, indo ao encontro das suas particularidades. Para isso surgiram a  Geriatria e a Gerontologia, especialidades novas que fazem uma abordagem global e transversal do indivíduo. Esta abordagem é orientada menos para um órgão doente e mais para o indivíduo, evoluindo no seu contexto único. Um dos seus eixos de ação é o da medicina personalizada, procurando fazer a prevenção dos riscos do envelhecimento, priorizando a manutenção das funções  e a qualidade de vida, ou seja ajudando a pessoa a envelhecer saudavelmente.

É fundamental apostar-se numa abordagem holística, sobretudo no caso dos doentes mais idosos que, em regra, têm multipatologia e estão polimedicados. Todos estes aspetos devem ser tidos em conta quando tratamos um doente idoso, sem esquecer as características próprias da idade, assim como o ambiente envolvente, o que contribui, e muito, para a sua saúde. Ora, os profissionais de saúde têm de aprofundar os seus conhecimentos em Geriatria para que deem a resposta mais adequada a esta população cada vez mais vasta.

A Geriatria e a Gerontologia dão ênfase ao trabalho em equipa multidisciplinar na abordagem de doentes complexos e na necessidade de recorrer a cuidadores familiares ou profissionais. São, sem dúvida, os doentes mais difíceis e complexos, pelo que acabam por ser aqueles que suscitam desafios intelectuais mais interessantes do ponto de vista médico. Estes cuidados devem ser prestados, preferencialmente, em equipa inter e multidisciplinar: médicos, enfermeiros, gerontólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, nutricionistas, etc. É uma medicina muito complexa.

Trabalhar com pessoas idosas envolve não só colaborar como elemento de uma equipa vasta como com o próprio doente. Nunca devemos tomar decisões médicas sobre eles sem partilhar a decisão. O doente e a família devem ser informados dos benefícios e riscos das decisões terapêuticas e deixá-los chegar à sua própria conclusão, embora oferecendo orientação. É, pois, preciso tratar a pessoa idosa de acordo com as suas particularidades, o que implica múltiplos conhecimentos. O objetivo deve ser promover também a sua funcionalidade e autonomia, sempre que possível. E, num ponto de vista mais preventivo, a realidade impõe o caminho do envelhecimento saudável. Uma boa alimentação, atividade física regular, sono adequado e interação social são fundamentais.

MJG

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Fonte: Saúde Online

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