ONU zarpa para batalha contra ‘biopiratas’
A apropriação do conhecimento tradicional em torno dos recursos genéticos está na mira das Nações Unidas, com quinze dias de conversações iniciadas na segunda-feira sobre o fim da chamada biopirataria.
Após mais de 20 anos de negociações, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual das Nações Unidas espera concluir um tratado que proteja esse conhecimento da exploração, impondo maior transparência no sistema de patentes.
“Este é um momento histórico”, disse o chefe da OMPI, Daren Tang, enquanto os mais de 190 Estados-membros da agência se reúnem na sua sede em Genebra para conversações que decorrem até 24 de maio.
“Trata-se de combater a biopirataria, ou seja, a utilização de conhecimentos tradicionais ou de recursos genéticos sem o acordo de quem os detém e sem que estes possam beneficiar deles”, disse Christophe Bigot, que lidera a delegação francesa.
Embora os recursos genéticos naturais – como os encontrados em plantas medicinais, culturas agrícolas e raças animais – não possam ser diretamente protegidos como propriedade internacional, as invenções desenvolvidas a partir deles podem ser patenteadas.
Esses recursos são cada vez mais utilizados pelas empresas em tudo, desde cosméticos a sementes, medicamentos, biotecnologia e suplementos alimentares.
Organizações não-governamentais citam os casos das plantas maca do Peru, do hoodia da África do Sul e do nim da Índia.
Busca por consenso
Embora árduo, houve vitórias, como aconteceu com o nim. Em 1995, as propriedades desta árvore – utilizada na Índia há milhares de anos na agricultura, na medicina e na cosmética – foram objecto de uma série de patentes registadas, nomeadamente, pelo gigante químico norte-americano WR Grace.
Após 10 anos de luta, o Instituto Europeu de Patentes retirou pela primeira vez uma patente alegando “biopirataria”.
O projecto de tratado da OMPI estipula que os requerentes de patentes serão obrigados a revelar de que país vieram os recursos genéticos de uma invenção e os povos indígenas que forneceram o conhecimento tradicional associado.
Os oponentes do tratado temem que ele prejudique a inovação.
Mas os proponentes dizem que um requisito adicional de divulgação aumentaria a segurança jurídica, a transparência e a eficiência do sistema de patentes.
Afirmam que isso “ajudará a garantir que tais conhecimentos e recursos sejam utilizados com a permissão dos países e/ou comunidades de onde são originários, permitindo-lhes beneficiar de alguma forma das invenções resultantes”, segundo Wend Wendland, diretor do Divisão de conhecimento tradicional da OMPI.
Wendland disse que a adoção do instrumento “concluiria mais de duas décadas de negociações sobre uma questão de grande importância para muitos países”.
A OMPI espera que os países consigam chegar a um consenso.
Persistem divergências, nomeadamente sobre a criação de sanções e as condições para a revogação de patentes.
“O texto foi bastante reduzido para se chegar a algum compromisso potencial”, disse à AFP a especialista Viviana Munoz Tellez, do Centro Sul, um grupo de reflexão intergovernamental que representa os interesses de 55 países em desenvolvimento.
Superando confrontos Norte-Sul
O tratado proposto tem “valor simbólico porque é a primeira vez que haverá alguma referência, por exemplo, ao conhecimento tradicional num instrumento de PI”, disse Munoz Tellez.
Terá um efeito direto em termos de transparência, mesmo que não resolva todos os problemas, disse ela.
Mais de 30 países têm tais requisitos de divulgação nas suas leis nacionais. A maioria destas são economias emergentes, incluindo a China, o Brasil, a Índia e a África do Sul, mas também existem estados europeus, como a França, a Alemanha e a Suíça.
No entanto, esses procedimentos variam e nem sempre são obrigatórios.
“É importante ir além dos confrontos que são demasiado estéreis” entre o Norte e o Sul globais, disse um diplomata, sob condição de anonimato.
“Vários países do Norte possuem recursos genéticos, como a Austrália ou a França, e vários países do Sul têm laboratórios e empresas muito grandes que utilizam recursos genéticos, como a Índia ou o Brasil”, acrescentou a fonte.
Há dois anos, os países concordaram inesperadamente em convocar uma conferência diplomática em 2024 para concluir um acordo.
Apenas os Estados Unidos e o Japão se dissociaram oficialmente da decisão, sem contudo se oporem ao consenso.
A missão do Japão em Genebra disse à AFP que espera que o resultado da conferência seja “claro, razoável e prático de aplicar”.
© 2024 AFP
Citação: ONU zarpa para a batalha contra ‘biopiratas’ (2024, 13 de maio) recuperado em 13 de maio de 2024 em https://medicalxpress.com/news/2024-05-biopirates.html
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