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SNS – Porque sim (ou as minhas preocupações)

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M. Carmo Cafede

(Médica de Família aposentada)

Em tempos de mudança é natural elevar as expectativas e ambicionar a resolução de questões práticas, mas também estruturais do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Indubitavelmente existem aspetos críticos a necessitarem de intervenção imediata, o que não impede, desde já, que se estabeleçam prioridades a médio e longo prazo.

O SNS é um imperativo constitucional, porém a nova legislatura deve manifestar a sua visão política explicitamente e, em conformidade, os seus objetivos operacionais, para todos os seus interlocutores.

A minha saúde é um direito meu e não pretendo abdicar dele, em nome de nada ou ninguém, por isso encontrar razões para justificar a continuação do SNS é, ao mesmo tempo fácil e difícil. Fácil, se pensarmos nos ganhos em saúde obtidos, difícil se considerarmos questões como o seu financiamento ou o abandono dos seus profissionais.

As determinantes da saúde mudaram e para além do envelhecimento da população, as alterações climáticas, as migrações internas e externas, só citando algumas, trazem novos desafios. Então porque fazer tudo da mesma maneira, ao longo dos últimos (20?) anos? A organização do trabalho, quer nos CSP, quer nos CSS faz-se do mesmo modo, apenas com resposta diferenciada para a sazonalidade de algumas patologias. Perante o aumento de pessoas com demência, aumentou-se o número de enfermeiros e assistentes operacionais, nos turnos da noite das enfermarias hospitalares? E as tarefas não assistenciais, poderão ser efetuadas por outros grupos profissionais a incluir no SNS? Ou por profissionais em fim de carreira, evitando reformas precoces? A revisão de atividades por patamar de carreira, parece-me urgente para médicos e quiçá para outros profissionais, porque fazer o mesmo tanto no início da carreira como no fim, soa a desperdício em ambos os casos. Comparando com outros sistemas de saúde, o português tem muito menos grupos profissionais envolvidos, levando a uma repetição de atos, e cansaço, que poderia ser evitado delegando noutros técnicos com as devidas habilitações. Até quando poderemos manter este luxo? 

A gestão das doenças crónicas é atualmente complexa, difícil e consumidora de recursos. É notória a necessidade de aumento dos pontos de contacto, entre a população e o SNS, ao nível dos CSP, não podendo ser feita somente com mais profissionais (que não existem). A existência de outros técnicos poderá dar uma ajuda, mas há que ser mais imaginativo. Ao contrário do uso médio na Europa, os países asiáticos têm uma percentagem mais elevada de utilização de apps relacionadas com a saúde. Assim, a gestão das doenças crónicas tem um carater pessoal, sem o ser na realidade. Por cá, temos apps institucionais que funcionam menos mal (SNS24, por exemplo), mas é necessário continuar a melhorar as interfaces, tornando-as mais fáceis de usar e não descurando a vertente analógica, porque o digital não nasceu para todos e todas. As novas tecnologias devem ser usadas em toda a sua plenitude, mais e mais. Há que combater a iliteracia digital da população, permitindo-lhe não só o uso correto de todas as ferramentas ao seu dispor, mas também reclamar da tecnologia atual, tosca (para não lhe chamar outra coisa) e cansativa e desmotivante que nos serve, um pouco por todos os serviços públicos. Disseram-me que para prescrever uma receita são necessários 10 clicks

A abordagem das doenças agudas e a sobrecarga dos serviços de urgência disponíveis para a população têm servido as manchetes noticiosas, para o bem e para o mal. O que constitui um problema com múltiplos fatores e cuja resolução não passa também pelo aumento do número de profissionais. Ao contrário da gestão das doenças crónicas, aqui ao aumentar o número de atendimentos (usar de novo a proximidade como regra), é preciso prestar cuidados de saúde equivalentes, não podendo substituir um enfermeiro por uma app ou um médico por um farmacêutico… Os CSP devem aumentar a oferta neste campo, tendo provado já o seu custo, e eficiência. 

As minhas preocupações de nada valem se o óbvio não for cumprido, ou seja, se a parte mais importante de qualquer organização, os recursos humanos, não forem tratados com dignidade. A importância de uma remuneração adequada está ao mesmo nível de habitação condigna disponível, transportes e serviços de apoio à infância, empregabilidade para parceiros e parceiras, serviços formativos validados e avaliados, progressão das carreiras periódica e transparente, existência de outros incentivos…

E não se podem continuar a ignorar as questões de género no âmbito do SNS. Elas existem (assédio, salários diferentes, erros de diagnóstico, glass ceiling…) e não as reconhecer a nível da formação, da prática e da investigação, é prolongar a agonia de quem sofre. Também não podemos continuar a fingir que não existem problemas de adição e de saúde mental… O acompanhamento da «medicina do trabalho» também ele deve ser adaptado aos novos (diferentes) problemas dos seus profissionais, sobretudo depois de uma pandemia.

Porque sim…

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