Mudar mentalidades e valorizar os recursos humanos
Enfermeiro Luís Filipe Barreira
Bastonário da Ordem dos Enfermeiros
Há décadas que o SNS discute formas de melhorar o acesso e a prestação de cuidados de saúde. Já perdemos muito tempo com diagnósticos e debates intermináveis.
O país dos debates, dos discursos, dos artigos de opinião, todos brilhantes e oportunos, das grandes intenções nunca concretizadas e das medidas estruturais sem qualquer efeito prático, tem de acabar. Antes que seja tarde.
Precisamos ser muito claros e consequentes: o modelo assistencial centrado nos hospitais está ultrapassado.
Os relatórios e estudos nacionais e internacionais há muito que apontam para a necessidade de um reforço efetivo dos cuidados de proximidade na comunidade.
Acresce que os sistemas de saúde que se centram no diagnóstico e tratamento da doença e ignoram a prevenção e a promoção da saúde estão, igualmente, obsoletos.
Portugal é um dos países mais envelhecidos do mundo. Um em cada três portugueses terá mais de 65 anos em 2050, e, um em cada oito, mais de 80. Precisamos preparar-nos para este inverno demográfico.
O envelhecimento da população e o aumento de doenças crónicas e, consequentemente, um maior grau de dependência das pessoas exige que se invista com prioridade nos cuidados de proximidade, onde os enfermeiros devem assumir plenamente a gestão da doença crónica.
É preciso dotar de meios os cuidados de saúde primários, os cuidados continuados e as Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas.
É preciso que os cuidados no domicílio sejam uma realidade generalizada, como já acontece noutros países. Por exemplo, na Suécia, os enfermeiros chegam a deslocar-se a um domicílio oito vezes por dia.
É preciso garantir que nas ERPI os cuidados de saúde sejam prestados por enfermeiros e que estes existem em número suficiente. Cuidar dos idosos é um dos nossos grandes desafios. Hoje são os nossos pais e avós, amanhã seremos nós.
E neste mundo novo, onde se exige uma mudança de mentalidades, não podemos ficar para trás.
A prescrição por Enfermeiros continua a ser um tema tabu em Portugal. O número de países onde é permitida a prescrição farmacológica por Enfermeiros tem vindo a aumentar. Não podemos ignorar esta realidade, sobretudo, quando é mais uma forma de garantir um acesso em tempo útil a cuidados de saúde. A prescrição por enfermeiros será uma realidade inevitável no futuro. Não avançar por este caminho apenas nos fará perder tempo.
Por outro lado, o país tem assistido nos últimos anos a uma crise na acessibilidade aos cuidados de saúde materna, que não é compatível com a manutenção dos entraves ao exercício das competências dos enfermeiros especialistas em enfermagem de saúde materna e obstétrica.
A Ordem dos Enfermeiros defende, há algum tempo, a criação de centros de parto normal, uma solução fácil de implementar, com ganhos em saúde e otimização de recursos e que permitiria resolver uma parte substancial dos fortes constrangimentos que se verificam neste setor.
Recentemente, uma orientação da DGS formalizou o internamento hospitalar de grávidas de baixo risco em trabalho de parto por enfermeiros especialistas de saúde materna e obstétrica. O caminho tem de ser este.
Porém, é importante não esquecer que mais competências implicam maior responsabilidade e uma maior responsabilidade, implica, por sua vez, uma maior valorização.
Não podemos ter medo de associar a qualidade e segurança da prestação de cuidados de saúde à valorização dos profissionais.
Aliás, vejo com frequência, grandes ideias e projetos, que apelam à liderança e dinamismo dos enfermeiros, mas partem do pressuposto de que estão devidamente motivados. E jamais haverá motivação sem valorização.
Qualquer reforma, plano ou medida estrutural na saúde, que não comece por três questões essenciais: salário, carreira e condições de trabalho dos enfermeiros estará condenado ao fracasso.
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