A escassez de recursos e o atraso tecnológico continuam sendo obstáculos para o tratamento da leucemia mieloide aguda na América Latina
A leucemia mieloide aguda (LMA) é um tipo de câncer que se origina na medula óssea. Apesar de ser considerada uma doença rara, é o tipo mais comum de leucemia aguda e progride rapidamente, necessitando de tratamento imediato.
Embora tenham sido feitos muitos avanços no tratamento da doença, estes recursos não são totalmente acessíveis nos países subdesenvolvidos. Esta situação levou os cientistas latino-americanos a procurarem uma compreensão abrangente da LMA no seu continente, concentrando-se principalmente nas terapias e métodos de diagnóstico disponíveis para esta população.
O estudo, publicado no Revista Científica de Hematologiacontou com a revisão de registros epidemiológicos e foi coordenado pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), a Universidad Autónoma de Nuevo León e o Instituto Nacional de Ciencias Médicas e Nutrição Salvador Zubirán.
Também contou com o apoio de colaboradores de 15 países latino-americanos. “Estudos como esse oferecem oportunidades para excelentes colaborações científicas porque muitas vezes um país tem mais expertise em determinadas técnicas ou tratamentos. Essa troca de conhecimento gera recursos humanos para a América Latina”, afirma o coordenador da pesquisa, Dr. Eduardo Rego, pesquisador hematologista do IDOR. e professor da Universidade de São Paulo (USP).
A leucemia ocorre quando a medula óssea, responsável pela produção de células sanguíneas, como glóbulos vermelhos (eritrócitos) e glóbulos brancos (leucócitos), começa a produzir e liberar células imaturas chamadas blastos na corrente sanguínea de maneira desordenada. Essas explosões não funcionam como as células adultas e começam a prejudicar outros órgãos do corpo. No caso da LMA, observa-se proliferação de células mieloides, geralmente leucócitos, e, mais raramente, mastócitos ou macrófagos.
O diagnóstico de LMA é mais comum em adultos, principalmente idosos, mas também pode ocorrer em crianças.
Ferramentas especializadas são empregadas para o diagnóstico da doença, como citometria de fluxo (usada para contar e classificar células no sangue), avaliações citogenéticas (que incluem leitura do cariótipo e identificação de anomalias cromossômicas) e testes moleculares (com análise de mutação) para orientar terapias apropriadas.
As recomendações atuais incluem o uso de citometria de fluxo de 8 cores para estabelecer marcadores imunológicos, mas esse recurso nem sempre está disponível na América Latina, onde a maioria dos laboratórios ainda trabalha com quatro cores, reduzindo a precisão do exame para identificar doença residual em amostras de pacientes.
Além disso, embora os testes genéticos abrangentes já sejam uma realidade nos países desenvolvidos, alguns países latino-americanos ainda lutam para padronizar os testes de cariótipo, técnica responsável por estudar as anomalias cromossômicas do paciente. Segundo o estudo, entre 2010 e 2018, a análise do cariótipo foi realizada com sucesso em 46% a 61% dos casos, indicando a necessidade de melhor treinamento das equipes na América Latina.
Isso se soma às limitações de acessibilidade desses exames, que podem até superar os custos do tratamento.
A disponibilidade de terapias para a leucemia mieloide aguda também varia entre países de alta e baixa renda, mostrando heterogeneidade mesmo entre países latino-americanos.
Num dos tratamentos primários da LMA, a quimioterapia de indução intensiva, cujo principal objetivo é eliminar grande parte dos blastos cancerígenos, a taxa de mortalidade precoce varia entre 3% e 6%, de acordo com ensaios clínicos recentes. Contudo, quando implementadas em países de baixo e médio rendimento, estas taxas aumentam; no Brasil, chega a 41% entre os idosos.
Os autores acreditam que esta disparidade poderia ser reduzida através de medidas de tratamento urgentes para pacientes com contagens de glóbulos brancos altamente elevadas, uma vez que apresentam a maior taxa de mortalidade durante o tratamento de indução. Outra questão é o perfil do paciente, pois muitos já apresentam comorbidades que agravam a doença.
Além disso, os atrasos no tratamento devido à espera pelos resultados genômicos e a escassez de quimioterapia devido à má gestão dos recursos governamentais também são obstáculos constantes enfrentados nos países latino-americanos.
“Um aspecto interessante deste estudo é que comparamos aspectos da leucemia mieloide aguda não apenas entre a América Latina e os países desenvolvidos, mas também entre os próprios países latino-americanos. concentração de recursos na região Sudeste, o que também reflete na disponibilidade de terapias para LMA”, observa o pesquisador.
Além da quimioterapia, outro tratamento essencial para casos graves de LMA é o transplante de medula óssea, hoje denominado transplante de células-tronco hematopoiéticas. Nesta técnica, a doença é tratada de forma mais agressiva com medicamentos conhecidos como tóxicos para a medula, e a recuperação ocorre a partir de células jovens do paciente ou de células do doador. Quando as células de um paciente são utilizadas, é chamado de transplante autólogo, e quando as células vêm de um doador, é chamado de alogênico.
Na América Latina, a doação haploidêntica tem sido um facilitador significativo dos transplantes alogênicos. Nesse método, é necessária apenas 50% de compatibilidade para o transplante, que geralmente é feito por um parente de primeiro grau do paciente.
Esse avanço médico evita a espera por um voluntário mais compatível, um desafio difícil de ser superado quando a maioria dos países latino-americanos não possui registros de doadores não aparentados, sendo o Brasil uma exceção através do Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea (REDOME).
Na ausência de doadores, o estudo também considera que o transplante autólogo deve ser uma opção eficaz e econômica na América Latina, pois reduz a chance de efeitos adversos como necessidade de transfusão de sangue e hospitalizações.
O artigo menciona que esta estratégia foi estudada em pesquisas anteriores, onde foram realizados transplantes autólogos em pacientes após tratamento quimioterápico. A sobrevida global dos participantes em dois anos variou de 74% a 79%, com uma sobrevida livre de doença de 61%.
Com base nas especificidades do diagnóstico e tratamento da LMA na América Latina, os autores enfatizam que as colaborações científicas lideradas por pesquisadores latino-americanos são fundamentais para melhor adaptar as terapias às necessidades desses países. Salientam também a importância de investir na educação clínica e em terapias acessíveis na América Latina e noutros países de baixo e médio rendimento que enfrentam desafios e disparidades semelhantes relacionados com a doença.
Mais Informações:
Andrés Gómez-De León et al, Leucemia mieloide aguda: desafios para diagnóstico e tratamento na América Latina, Hematologia (2023). DOI: 10.1080/16078454.2022.2158015
Fornecido pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Educação
Citação: A escassez de recursos e o atraso tecnológico continuam sendo obstáculos para o tratamento da leucemia mieloide aguda na América Latina (2024, 5 de janeiro) recuperado em 6 de janeiro de 2024 em https://medicalxpress.com/news/2024-01-resource-shortages-technological-lag-obstacles .html
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