Emanuel Boieiro: “Os problemas dos enfermeiros são muito mais graves que os dos médicos”
Abandonados, ignorados e desvalorizados é como os enfermeiros do Serviço Nacional de Saúde se sentem . De acordo com o presidente do Sindicato Nacional dos Enfermeiros, “o Ministério e a Direção Executiva do SNS não têm demonstrado nenhum interesse” em resolver os problemas que afetam “a maior classe de profissionais de saúde”.
Abandonados, ignorados e desvalorizados é como os enfermeiros do Serviço Nacional de Saúde se sentem . De acordo com o presidente do Sindicato Nacional dos Enfermeiros, “o Ministério e a Direção Executiva do SNS não têm demonstrado nenhum interesse” em resolver os problemas que afetam “a maior classe de profissionais de saúde”. Emanuel Boieiro, que considera muito mais grave o problema dos enfermeiros do que o problema dos médicos, alerta que “não ouvir os enfermeiros é um erro que se vai pagar caro”.
HealthNews (HN)- Numa altura em que a saúde atravessa um momento crítico e onde que se avizinham inúmeras reformas, considera que a tutela está a dar a devida atenção ao papel que os enfermeiros desempenham no SNS?
Emanuel Boieiro (EB)- De maneira nenhuma. Temos tentado iniciar contacto com a tutela, no sentido de apresentar os nossos problemas e, ao mesmo tempo, as nossas soluções. Infelizmente, este ministério e a Direção Executiva do SNS não têm demonstrado nenhum interesse. Curiosamente quem nos tem respondido, mas encaminha para a tutela, tem sido o primeiro-ministro.
Somos a maior classe de profissionais de saúde dentro do Serviço Nacional de Saúde e, por isso, entendemos que devemos ser ouvidos e recebidos por parte do Ministério da Saúde. Por exemplo, em 2021 os enfermeiros fizeram sete milhões de horas extraordinárias…
Não é possível garantir cuidados de diferenciados e de excelência sem a valorização dos enfermeiros. Se formos ver quem é que está nos internamentos, ao fim-de-semana e nas noites, a assegurar os cuidados dos doentes são os enfermeiros. A questão de sermos fundamentais é bastante clara e evidente, apesar de não o admitirem. Os políticos fazem de conta que não existimos.
HN- Como justifica a indisponibilidade demonstrada por parte do ministro da Saúde em iniciar um processo negocial com os enfermeiros?
EB- Provavelmente as reformas que estão a ser ponderadas são direcionadas para um setor e não para todo o Serviço Nacional de Saúde. Temos de olhar para o SNS como uma árvore e para os enfermeiros como o tronco fundamental que assegura que o sistema funciona com qualidade…Se estes profissionais não são considerados nos anúncios que são feitos, o insucesso será o resultado daquilo que for feito. Não é normal não nos ouvirem. Por isso mesmo convocámos uma greve nacional (inclui os arquipélagos dos Açores e da Madeira) para todos os enfermeiros que queiram aderir no dia 20 de novembro e uma greve às horas extraordinárias em Portugal continental, entre 30 de outubro e 25 de novembro.
Há nove anos que há uma estagnação nos salários. Neste momento, ganhamos menos do que os restantes técnicos superiores de administração pública. Se nada for feito os enfermeiros vão continuar a ser prejudicados e colocados em segundo plano.
HN- Acredita que a greve às horas extraordinárias terá o mesmo impacto que teve a greve dos médicos?
EB- Os médicos partem de uma base remuneratória muito diferente da nossa e que tem impacto no valor pago pelas horas extraordinárias. Portanto, por este e outros motivos, as greves são totalmente distintas. Aliás, é muito mais grave o problema dos enfermeiros do que o problema dos médicos. Temos unidades de cuidados intensivos que funcionam com mais de metade dos enfermeiros a fazer turnos extraordinários. Se estes profissionais fizerem greve, o número de camas tem de ser reduzido. Por este motivo, salvaguardando o interesse dos utentes do SNS, enviámos uma carta ao Ministério da Saúde, à Direção Executiva do SNS, à Inspeção Geral das Atividades em Saúde, à Autoridade para as Condições do Trabalho e à Entidade Reguladora da Saúde no sentido de prepararem um plano de contingência para dar resposta no período da greve. Só a Autoridade para as Condições do Trabalho é que nos respondeu.
HN- Voltando às reformas. Como olham para a nova lei das USF?
EB- Fomos o primeiro sindicato a rejeitar publicamente o diploma das Unidades de Saúde Familiar por dois motivos fundamentais: Porque os incentivos oferecidos aos médicos são dez vezes superiores aos dos dos enfermeiros e pela impossibilidade do enfermeiro ser coordenador da USF mesmo quando tem formação pós-graduada em gestão. Quem tem mais qualificação na área da gestão é que deveria ficar à frente das USF, independentemente da profissão. Mais uma vez quem é que vai sair prejudicado? Os utentes. Esta reforma não terá efeitos benéficos a curto prazo. Não ouvir os enfermeiros é um erro que se vai pagar caro e os nossos protestos vão expor as fragilidades.
HN- A maioria socialista chumbou as propostas que pretendiam criar um estatuto de risco para os enfermeiros reconhecendo a profissão como de desgaste rápido. Por que razão a aprovação destas propostas era tão importante?
EB- São os enfermeiros que asseguram o funcionamento do SNS. Basta ir aos internamentos ao fim-de-semana aos turnos da noite para verificar isso. Para além disso, os serviços de cuidados intensivos, os blocos operatórios e outros serviços de cuidados diferenciados implicam uma vigilância constante por parte dos enfermeiros. Não é comparável a pressão sobre os restantes profissionais de saúde e a que os enfermeiros estão sujeitos. O estatuto de alto risco e desgaste rápido para os enfermeiros é uma prioridade e está incluída na nossa proposta de Acordo Coletivo de Trabalho Global aplicável aos enfermeiros.
Entrevista de Vaishaly Camões
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