“Falta ao Estado reconhecer adequadamente o papel do cuidador e valorizá-lo também economicamente”
O que é a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) e como se manifesta?
A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença neurológica degenerativa, progressiva e rara. Com ela, os neurónios motores que conduzem a informação do cérebro aos músculos do nosso corpo, passando pela medula espinhal, morrem precocemente, tendo como resultado a fraqueza dos músculos.
Embora a causa exata da ELA não seja totalmente compreendida, em muitos casos a doença ocorre de forma esporádica, sem uma causa conhecida. No entanto, cerca de 5-10% dos casos são considerados familiares, o que significa que há uma predisposição genética envolvida na doença.
A doença pode manifestar-se de diferentes maneiras em cada pessoa, mas os sintomas mais comuns incluem: fraqueza muscular, espasticidade, fasciculações, dificuldades de fala e deglutição. À medida que a doença progride, os músculos responsáveis pela fala e pela deglutição podem ser afetados, resultando em dificuldades a este nível. A fraqueza muscular progressiva, que pode causar limitação motora, também pode afetar os músculos respiratórios, tornando a respiração mais difícil, podendo levar a problemas respiratórios, como falta de ar e insuficiência respiratória.
Existem pessoas em maior risco?
Qualquer pessoa pode vir a ter ELA, qualquer que seja a sua idade, no entanto a idade média do início dos sintomas é por volta dos 60 anos. Além disso, nada do que possa ter feito está provado ser a causa do desenvolvimento ou da progressão da doença.
Tudo representa enormes encargos financeiros para doente e família, que ficam muitas vezes desprotegidos e perdidos
Qual o impacto da ELA na vida do doente e na dos seus cuidadores?
A ELA é uma doença ameaçadora da vida, devastadora com enorme impacto na vida dos doentes e também daqueles que os rodeiam. Afeta diferentes domínios da vida destas pessoas, não só ao nível da saúde física, mas também emocional, social e económica. A doença cursa com perda progressiva da autonomia e da capacidade do doente em realizar atividades simples como andar, comer, falar e respirar. Frequentemente surgem sintomas de frustração, ansiedade e medo em relação ao futuro, sentimentos de perda de dignidade. À medida que a doença progride, a necessidade de ajuda aumenta e as famílias sentem muitas vezes desgaste e dificuldades na prestação de cuidados. A exigência é tal que muitas vezes é muito difícil ao cuidador conseguir conciliar a sua vida pessoal com o papel de cuidador. Tudo nos cuidados diários acarreta custos económicos e se pensarmos também nas adaptações na casa, nos equipamentos médicos especializados, tudo representa enormes encargos financeiros para doente e família, que ficam muitas vezes desprotegidos e perdidos.
Dentro do SNS penso que as respostas e a acessibilidade aos cuidados que as pessoas precisam tem vindo a melhorar
O Estado e o Serviço Nacional de Saúde prestam apoio suficiente a estas pessoas?
O Estado, dentro das limitações que tem, tenta dar algum apoio a estas pessoas. No entanto, este apoio é muitas vezes insuficiente para o que as pessoas necessitam, principalmente a nível social e económico. Estes doentes vivem muitas vezes do esforço dos seus familiares que necessitam ter alguma capacidade económica que lhes permita abandonar o trabalho, caso contrário, quando no decurso da doença surge a dependência, não resta alternativa à institucionalização. Nestas situações, penso que falta ao Estado reconhecer adequadamente o papel do cuidador e valorizá-lo também economicamente.
Dentro do SNS penso que as respostas e a acessibilidade aos cuidados que as pessoas precisam tem vindo a melhorar, faltando apenas, na minha opinião, organizar os serviços de saúde envolvidos no cuidado a estes doentes, tornando-os mais facilitadores para o doente e família. Seria muito bom as especialidades envolvidas organizarem-se em função das deslocações do doente ao hospital e não o doente deslocar-se ao hospital em função dos horários das consultas das diferentes especialidades, evitando-se deslocações desnecessárias dentro e fora do hospital.
A fraqueza muscular progressiva dos músculos respiratórios é responsável por insuficiência respiratória, principal causa de morte na ELA. Qual a importância dos cuidados respiratórios domiciliários na gestão desta doença, por exemplo?
Com a perda muscular progressiva e fraqueza dos músculos respiratórios, os cuidados respiratórios domiciliários são importantes no cuidado a estes doentes, podendo ajudar e muito à qualidade de vida e bem-estar do doente, assim como aumentar a sua sobrevida. Em Portugal, o acesso a estes cuidados tem vindo a melhorar cada vez mais, e podemos dizer que funcionam bem.
De que forma as equipa de cuidados respiratórios domiciliários, que acompanham doentes com ELA, se articulam com os cuidados paliativos?
As equipas de cuidados respiratórios domiciliários, embora sendo de certa forma “concessionadas” ao setor privado, funcionam em plena integração com todas as outras equipas do SNS, cuidados paliativos incluídos, no cuidado aos doentes. Estão sempre muito presentes no cuidado a estes doentes, preocupando-se não só com os dispositivos e sintomas respiratórios, mas com o doente como um todo, articulando-se com as restantes equipas quando identificam algum desconforto ou necessidade de intervenção. Sendo “exteriores” ao SNS, podemos dizer que fazem parte dos serviços de saúde a estes doentes.
Quais os principais cuidados ou medidas que devem ser tomadas quando é feito o diagnóstico de ELA ou quando a doença progride?
Dada a enorme complexidade e impacto que pode ter na vida do doente e família, a principal medida, a meu ver, é o acesso a uma equipa multidisciplinar que trabalhe verdadeiramente em equipa e que envolva não só médicos neurologistas, mas também médicos de outras especialidades, como pneumologia, fisiatria, psiquiatria, medicina paliativa, medicina geral e familiar, assim como outros técnicos de saúde como enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, fisioterapeutas, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, assistentes espirituais, entre outros.
Sendo uma doença com um impacto tão devastante no doente e família, os cuidados paliativos deveriam estar presentes logo após o diagnóstico
Em que fase da ELA os doentes ou seus cuidadores mais frequentemente procuram os cuidados paliativos?
A referenciação aos cuidados paliativos não é ainda efetuada diretamente pelo doente e/ou família. Necessita ser realizada por um outro médico envolvido no cuidado ao doente e continua a ser muitas vezes protelada, quer por desconhecimento do papel dos cuidados paliativos nestas situações, quer pelo receio em causar maior sofrimento ao doente ao falar-lhe sobre cuidados paliativos, que continuam a ser também para muitos profissionais de saúde apenas cuidados de fim de vida.
No entanto, sendo uma doença com um impacto tão devastante no doente e família, os cuidados paliativos deveriam estar presentes logo após o diagnóstico, procurando, de acordo com as necessidades, aliviar o sofrimento e promover a melhor qualidade de vida possível para o doente.
De que forma estes cuidados ajudam a melhorar a melhorar a qualidade de vida do doente?
Cada doente é único e não podemos esquecer isso. A medicina está cada vez mais desenvolvida e cada vez temos disponíveis mais e mais cuidados, que podem ajudar o doente, mas que também podem, em alguns casos, ser causadores de sofrimento. É muito importante conseguirmos chegar antecipadamente ao doente e perceber no momento adequado o que ele necessita, o que o pode ajudar e o que lhe faz sentido face aos seus objetivos de cuidados perante a doença. Para isto é muito importante a intervenção de toda a equipa multidisciplinar desde fases precoces da doença e o plano antecipado de cuidados.
São necessários, sobretudo, cuidados centrados na pessoa e no seu bem-estar, que promovam a qualidade de vida e procurem aliviar o sofrimento do doente, não só físico, mas também psicológico, espiritual e social, através de cuidados especializados com o melhor rigor científico disponível.