
Jorge Almeida, na primeira pessoa: Natal, memória, serviço público e o futuro de Águeda
Há conversas que não se esgotam no momento em que terminam. Ficam. Acomodam-se lentamente na memória de quem as faz, de quem as escuta e, sobretudo, de quem um dia as voltará a ler. Esta é uma dessas conversas. A entrevista de Natal com Jorge Almeida, presidente da Câmara Municipal de Águeda, não é apenas um balanço de mandato, nem um exercício de comunicação institucional. É um retrato humano, profundo e, por vezes, desarmante, de um homem que vive a política como extensão natural da sua forma de estar na vida.
O Natal surge aqui não como cenário, mas como lente. É através dele que Jorge Almeida fala de paz, de memória, de serviço, de perda e de esperança. E fá-lo com uma serenidade que não se aprende em cargos, mas em experiências. Logo no início, deixa claro que o seu Natal não é feito de excessos nem de encenações. É simples, reservado, familiar. Um tempo de silêncio, de estar junto, de sentir. Talvez por isso a palavra “paz” regresse tantas vezes ao longo da conversa, não como slogan, mas como convicção profunda. Assume-se sem rodeios como antibelicista, alguém que acredita que nenhum conflito se resolve com violência e que o mundo só pode avançar quando aceita sentar-se à mesa, ouvir, ceder e compreender. Há, nas suas palavras, uma inquietação genuína perante a normalização da guerra e da indiferença, como se essa banalização fosse uma ferida aberta na consciência coletiva.
Quando fala da mesa de Natal, fá-lo com a mesma lógica simbólica com que fala da vida. O bacalhau, o vinho, o bolo-rei — tudo ganha um significado que ultrapassa o gesto. A fava deixa de ser azar e transforma-se em aprendizagem. O brinde deixa de ser prémio e passa a ser consequência. Se dermos, a vida devolve. Se surgirem dificuldades, partilham-se. Esta forma de olhar o quotidiano diz muito sobre o homem que governa: alguém que não vê os problemas como derrotas pessoais, mas como matérias humanas que exigem tolerância, empatia e divisão justa do peso.
Ao longo da entrevista, percebe-se que Jorge Almeida não concebe a liderança como exercício solitário nem como posse. Rejeita a ideia de “meus vereadores”, “minha equipa”, “meu poder”. Fala de colegas, de família, de confiança. Reconhece o desgaste da vida autárquica, as frustrações de quem decide e percebe que aquilo que parece simples a quem observa é, muitas vezes, um labirinto de obstáculos para quem executa. Ainda assim, insiste numa regra essencial: colocar-se no lugar do outro. É essa empatia que, diz, clarifica caminhos e humaniza decisões.
A sua história enquanto enfermeiro ajuda a compreender muito do que hoje é visível na sua ação política. Trabalhou na urgência, onde hesitar pode custar vidas. Aprendeu cedo que decidir implica risco, mas que não decidir é, muitas vezes, o maior erro. Essa experiência moldou-o. Não teme falhar. Teme paralisar. Carrega consigo uma máxima quase obsessiva: sair de casa todos os dias com pelo menos um problema para resolver. Não voltar enquanto não o fizer. Há aqui uma ética do fazer que atravessa toda a conversa. Não uma ética triunfalista, mas uma ética do dever, da responsabilidade assumida, mesmo quando o resultado não é perfeito.
Talvez por isso fale da felicidade de uma forma tão particular. Não a descreve como estado permanente, nem como conquista individual. A felicidade, para Jorge Almeida, acontece sobretudo quando vê os outros felizes — e ainda mais quando sente que teve alguma influência nisso. É uma felicidade reflexa, quase silenciosa, que nasce da utilidade e do serviço. Esta ideia repete-se quando fala das pessoas, dos animais que se aproximam instintivamente, da tranquilidade que diz emanar e que reconhece como valor essencial num mundo cada vez mais ruidoso.
A memória ocupa um lugar central na entrevista. A mãe, o pai, a ausência recente, a certeza de que ninguém morre enquanto for lembrado. Fala da saudade não como dor paralisante, mas como presença transformada. Há uma maturidade emocional evidente quando diz que talvez a morte seja apenas a passagem para uma convivência diferente, feita de lembrança, de pensamento, de diálogo interior. É nesse registo que a conversa se torna mais profunda, mais lenta, quase confessional.
Quando regressa à cidade, ao concelho, à política, fá-lo com o mesmo envolvimento emocional. A distinção europeia Green Leaf não é apresentada como medalha pessoal, mas como reconhecimento coletivo. Insiste várias vezes que Águeda é o que é graças aos aguedenses. Há orgulho, sim, mas um orgulho partilhado, nunca apropriado. Recusa a ideia de pequenez tantas vezes associada aos territórios fora dos grandes centros e afirma, com convicção, que quando se olha para a qualidade de vida de forma integrada, poucos sítios no mundo oferecem tanto como Águeda.
Os grandes eventos — o Natal, o AgitÁgueda — surgem como pontos de viragem na identidade da cidade. Não apenas como atrações, mas como instrumentos de transformação social, económica e emocional. Fala do impacto no comércio, na autoestima coletiva, na forma como os próprios residentes passaram a olhar para a sua terra. E há uma frase que fica: imaginar Águeda sem essa dinâmica seria um luto coletivo. Não porque os eventos existam, mas porque passaram a fazer parte daquilo que a cidade é.
Mesmo nos temas mais técnicos — fiscalidade, obras, mercado municipal, ligação Águeda-Aveiro, contratação pública — o discurso mantém uma coerência ética. Defende as decisões tomadas, reconhece dificuldades, explica atrasos, mas nunca abdica de uma coisa: a convicção de que governar é decidir com transparência, mesmo quando isso implica desgaste. O mercado municipal, tantas vezes criticado, é apresentado como exemplo de persistência. Não há arrependimento, apenas a certeza de que, no fim, o resultado fará sentido para quem vive a cidade.
Quando fala do futuro, não se projeta a si próprio. Não faz planos pessoais, não constrói legados artificiais. Deseja apenas deixar um concelho orientado, sólido, capaz de continuar melhor. Não quer ser o ex-presidente que comenta, corrige ou interfere. Quer ser alguém que abriu caminho e aceitou que outros o façam à sua maneira. Poucas afirmações dizem tanto sobre a sua visão de poder como esta disponibilidade para desaparecer sem ruído.
No final, a mensagem de Natal é simples e, talvez por isso, tão forte: união, felicidade, orgulho na terra. À família, o Natal é atravessado pela ausência recente do pai, mas também pela certeza de que o amor não termina enquanto o coração não esquece. E quando lhe perguntam como gostaria de ser lembrado, a resposta é desarmante na sua humildade: como alguém que se dedicou aos outros, que tentou ser boa pessoa e que não deixou ódio em ninguém.
Talvez um dia, quando Jorge Almeida voltar a ler estas palavras, já fora do cargo, reconheça nelas não um retrato político, mas um espelho de quem foi num determinado tempo. E talvez seja isso que torna esta entrevista maior do que o ano em que acontece. Porque não fala apenas de Águeda. Fala daquilo que permanece quando o Natal passa, quando os cargos mudam e quando a memória se transforma em herança.






