
Cuidados continuados integrados: o desafio da fragmentação em Portugal
A prestação de cuidados continuados em Portugal caracteriza-se pela fragmentação entre serviços de saúde e sociais, criando lacunas na assistência a idosos e pessoas com dependência. A falta de coordenação entre os diferentes níveis de cuidados resulta em transições inadequadas e sobrecarga para as famílias
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O sistema de cuidados continuados em Portugal enfrenta um desafio fundamental de integração que compromete a qualidade da assistência prestada aos cidadãos mais vulneráveis. Uma assistente social em Coimbra descreve a realidade: “Temos idosos que saem do hospital sem um plano de cuidados adequado, e as equipas de cuidados na comunidade não recebem informação suficiente para os apoiar devidamente”. Esta descontinuidade é particularmente problemática nas transições entre o hospital e o domicílio, onde se registam frequentemente readmissões evitáveis. Dados de um estudo recente mostram que 23% dos idosos portugueses são readmitidos no hospital no prazo de 30 dias após a alta, um valor significativamente superior ao de países como a Dinamarca (13%) ou os Países Baixos (11%). A comparação com o modelo de cuidados integrados da Catalunha é esclarecedora: lá, as equipas de cuidados continuados incluem médicos, enfermeiros, assistentes sociais e terapeutas que trabalham de forma coordenada desde o hospital até ao domicílio. Em Portugal, estes profissionais estão frequentemente organizados em silos separados, com diferentes fontes de financiamento e sistemas de informação incompatíveis. Um médico de família no Algarve explica: “Recebo altas hospitalares com informação clínica incompleta, e não tenho forma de saber que apoios sociais o doente vai ter em casa”. A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), criada em 2006, representou um avanço conceptual importante, mas a sua implementação tem sido marcada por assimetrias regionais e limitações de financiamento. Um técnico da RNCCI na região Norte confidencia: “Temos vagas disponíveis em algumas unidades, mas noutras zonas os doentes esperam meses por uma vaga”. A integração entre os cuidados de saúde e os cuidados sociais é outra área problemática – enquanto os primeiros são da responsabilidade do Ministério da Saúde, os segundos competem ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, criando barreiras burocráticas que dificultam respostas coordenadas. A experiência do Reino Unido com os Integrated Care Systems mostra a importância de atribuir responsabilidades claras e orçamentos partilhados para evitar esta fragmentação. Em Portugal, a falta de sistemas de informação interoperáveis agrava o problema: o registo clínico do hospital não está acessível aos técnicos dos cuidados domiciliários, e estes não partilham as suas observações com o médico de família. Um familiar de um idoso com demência em Lisboa partilha a sua frustração: “Tenho de repetir a mesma informação a dezenas de profissionais diferentes, e ninguém parece ter uma visão global da situação do meu pai”. A formação dos profissionais para trabalhar em equipas multidisciplinares é outra lacuna – muitos foram formados em modelos tradicionais que não preparam para a colaboração interprofissional. A escassez de alguns profissionais, particularmente terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas, limita ainda mais a capacidade de prestar cuidados abrangentes. O envelhecimento acelerado da população portuguesa torna urgente a resolução destes problemas de fragmentação. Sem uma melhor integração entre cuidados de saúde e sociais, entre hospital e comunidade, e entre profissionais de diferentes formações, o sistema de cuidados continuados em Portugal continuará a falhar aqueles que mais precisam de apoio coordenado e continuado.
Fonte: OCDE (2025), Health at a Glance 2025: OECD Indicators, OECD Publishing, Paris. https://doi.org/10.1787/8f9e3f98-en
NR/OCDE/HN






