
Acesso a cuidados de saúde? A culpa não será dos hospitais, “é o sistema que falha”, alerta Xavier Barreto
Os administradores hospitalares dizem que não estão surpreendidos com as conclusões do relatório de avaliação da Entidade Reguladora da Saúde ao funcionamento do programa “Ligue Antes, Salve Vidas”, da linha telefónica SNS 24.
O documento, citado esta sexta-feira pelo Diário de Notícias, conclui que haverá hospitais e centros de saúde que dificultam o acesso dos utentes a cuidados médicos. A ERS diz mesmo que há unidades que violam a Constituição e que há profissionais que tomam decisões inadequadas.
“Não surpreende, eu imaginei que esse risco já existia”, admite Xavier Barreto, em entrevista à Renascença.
O presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) considera que a linha SNS 24 funciona mal e precisa de ser repensada: “se nós reencaminhamos os doentes para centros de saúde com base num conjunto de vagas, é expectável que essas vagas, em determinados momentos, possam esgotar e que as pessoas fiquem sem uma resposta”.
Circunstância que leva Xavier Barreto a questionar “se não faria mais sentido termos uma porta aberta, uma resposta em contínuo, ao invés de estarmos a funcionar com um conjunto de vagas que podem esgotar, o que inviabiliza a resposta ao doente”.
No entendimento deste responsável, se os utentes não são atendidos, o problema está nas insuficiências do sistema e não nas unidades de saúde.
“Quando olhamos para os recursos da linha SNS 24, vemos que, muitas vezes, não são recursos tão qualificados como deviam ser… em muitos casos, são profissionais que não estão habituados a lidar com o doente agudo e que acabam por reencaminhar doentes que não deveriam ser reencaminhados para hospitais e centros de saúde”, constata.
Quando essas situações se verificam, Xavier Barreto conclui que “é o sistema que falha, por falta de recursos e por falta de um desenho adequado, não porque os hospitais queiram vedar o acesso a cuidado de saúde aos seus doentes”.
Médicos de família reclamam “mais profissionais”
Também os médicos de família estão alinhados com os argumentos dos administradores hospitalares.
Em declarações à Renascença, António Luz Pereira, vice-presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) refere que “já tinha alertado para alguns constrangimentos com a linha do SNS24”.
O problema, diz o médico, “está no desenho desta resposta: quando ela é imposta aos utentes, às urgências e aos centros de saúde, mas não existe uma rede informática que permita a interligação e a informação correta a cada momento, quando os algoritmos não são conhecidos pelos profissionais – e também não podem ser melhorados – tudo isso facilita que as coisas não corram de uma forma tão positiva”.
Por isso, António Luz Pereira considera que estas conclusões da ERS devem servir de “chamada de atenção” ao Governo para que sejam encontradas soluções.
“Nós temos um problema que é, por um lado, uma enorme recorrência a questões de doença aguda, quer nos hospitais, quer nos centros de saúde. Todos os anos, falamos de seis milhões de episódios de urgência, nos centros de saúde esse número multiplica por três, em termos de recorrências por doença aguda; por outro lado, temos cada vez menos profissionais no SNS”.
Por outro lado, nos centros de saúde, “temos quase 1,6 milhões de pessoas sem médico de família” e, nos hospitais, “os profissionais que existem também não são suficientes para as orientações que são dadas pela Saúde 24”.
Daí que António Luz Pereira defenda “melhorias no fluxo de informação”, através da adoção do processo clínico único, que “vai facilitar o acesso a essa informação e dar mais liberdade às unidades para poderem gerir a doença aguda”.
Só que, “sem mais profissionais, é difícil dar uma resposta mais adequada às necessidades da população”, avisa.
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