
Matosinhos testou “com sucesso” o modelo de ULS há 26 anos mas mantém desafios atuais
“Há um contexto muito específico em Matosinhos que é preciso perceber. Matosinhos é um município, a ULS coincide com o município. Com as modificações necessárias, o modelo pode ser muito mais inspirador do que reprodutível”, considerou o presidente da ULSM que nasceu há 26 anos juntando o Hospital Pedro Hispano aos quatro centros de saúde do concelho.
Uma coincidência geográfica “perfeita” e uma cultura organizacional inovadora explicam “a longevidade e o sucesso” da Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM) criada há mais de duas décadas antes da extensão do modelo a todo o país.
“Há um contexto muito específico em Matosinhos que é preciso perceber. Matosinhos é um município, a ULS coincide com o município. Com as modificações necessárias, o modelo pode ser muito mais inspirador do que reprodutível”, considerou o presidente da ULSM que nasceu há 26 anos juntando o Hospital Pedro Hispano aos quatro centros de saúde do concelho.
Líder da ULS mais antiga do país e criada quando o modelo “gerava ainda mais desconfiança do que gera hoje” e “o ambiente não era assim muito favorável”, Taveira Gomes é direto sobre as razões da longevidade e do sucesso da estrutura de Matosinhos: “Aqui há uma consciência perfeita e uma cultura organizacional inovadora que junta cuidados, comunidade, município”.
“Depois havia já muito desenvolvimento na área de cuidados de saúde primários, com o desenvolvimento de modelos experimentais, de unidades experimentais, com regimes remuneratórios experimentais, que depois vieram dar lugar às unidades de saúde familiar (…) e portanto com uma grande autonomia funcional, com uma compensação pelos resultados (…). E o alinhamento com o município é fabuloso. Temos um plano Municipal de Saúde, uma Estratégia Municipal de Saúde que é única”, descreveu.
Na ULSM desde 2013 e como presidente desde 2019, Taveira Gomes reconheceu que o processo de integração de cuidados “nunca está acabado” e alertou que os modelos “têm sempre de se adaptar à evolução das coisas”.
“Isto nunca é um processo terminado, é um processo cujas soluções são boas para um sítio e podem não ser reprodutíveis em toda a parte, ainda que do ponto de vista de princípio o objetivo seja exatamente o mesmo”, refere.
Visão semelhante tem a diretora clínica dos cuidados primários da ULSM, Joana Santos. À Lusa referiu que em Matosinhos “o caminho foi longo, não se fez de um momento para o outro e que foi precisa muita vontade”.
“A conversa entre os dois graus de cuidados, os primários e os hospitalares, perceber como é que uns podem ajudar os outros e vice-versa, nomeadamente em termos de construção de protocolos de referenciação, exige vontade e não pressa”, considerou.
Admitindo que “inicialmente havia algum desconhecimento” sobre o modelo de ULS, Joana Santos disse que “foi preciso promover uma aproximação dos colegas hospitalares à parte dos cuidados de saúde primários para que se percebesse que era necessário todos darem opinião”.
“Por isso sim, compreendo muito bem o medo”, respondeu à Lusa quando questionada se percebe as reservas de associações e profissionais ligados aos cuidados de saúde primários quando o modelo se estendeu ao país todo há cerca de dois anos.
Portugal ficou em janeiro de 2024 inteiramente coberto por 39 ULS. As ULS integram hospitais e centros de saúde debaixo de uma única gestão com o objetivo de facilitar o acesso das pessoas e a sua circulação dentro do Serviço Nacional de Saúde.
Taveira Gomes também percebe “alguma desconfiança nacional” sobre o modelo até porque, 26 anos depois, há “desafios” que continuam por cumprir.
“A contratualização da saúde primária foi sempre separada da saúde hospitalar. Ainda hoje, é difícil de harmonizar. Assim como não está construído nenhum sistema de informação único para o SNS. Já nem falo dos outros, os convencionados ou os privados. São desafios nacionais (…). As coisas não mudam de um dia para o outro. É preciso construir muita coisa. É preciso soluções que são diferentes em cada ULS”, disse.
Defensor da criação de diferentes níveis de autonomia consoante os resultados, Taveira Gomes alertou que “apesar da adoção do modelo a nível nacional, há uma grande diversidade de realidades sociogeográficas e de complexidade”.
“Isto é enriquecedor, mas obriga a um grande esforço de coordenação e de cooperação”, resumiu.
Com quase 3.000 profissionais a dar resposta a cerca de 177.774 mil utentes, 98,5% deles com equipa de saúde familiar atribuída, a ULSM faz num dia aproximadamente 1.600 consultas nos agrupamentos de centros de saúde, 885 consultas externas, 853 contactos de enfermagem, perto de 4.400 exames de diagnóstico e 9.639 análises, quatro partos, mais de 50 cirurgias, a maioria em regime de ambulatório, 238 atendimentos na urgência e quase 110 sessões em contexto de Hospital de Dia.
“Temos de ser ainda muito mais eficientes. Temos de trabalhar muito mais nas comunidades e com as pessoas. Isto é muito mais importante do que a cirurgia altamente diferenciada que somos capazes de fazer, mas que algumas vezes se pode questionar se é mesmo preciso fazer”, refere Taveira Gomes, apontando para aquilo que vê como “o verdadeiro objetivo de integração de cuidados”.
“O processo de integração de cuidados é cada vez mais abrangente e não apenas de integração vertical do hospital para os cuidados primários. Cada vez mais há muitas outras estruturas em termos de promoção da saúde, de prevenção da doença, de expansão para a comunidade, para as escolas, para as estruturas de residências para pessoas idosas, cujo contributo tem de ser valorizado e promovido”, defendeu.
É com base nesta visão que a ULSM tem no terreno projetos “únicos e inovadores” como uma clínica dedicada à insuficiência cardíaca, o Serviço de Suporte ao Doente Crónico Complexo, a Equipa de Saúde Mental Positiva ou a Campanha “O seu filho tem um dedo que adivinha” dedicada ao rastreio da diabetes (tipo 1), bem como se “orgulha” de ter “triliões de dados de saúde” sobre a sua comunidade que lhe permite fazer “vários e ao mesmo tempo” estudos de base populacional associados às redes European Data Health Evidence Network e Darwin EU da Agência Europeia de Medicamentos (EMA).
“Isto significa saber definir muito melhor onde é que é preciso intervir em termos de saúde das diferentes pessoas, das populações, dos grupos. Conhecemos bem o seu estado de saúde. Ajuda a definir melhores políticas de saúde, seja a nível local ou regional”, descreveu o presidente.
A este propósito, e regressando ao que foi o passado mas continua a ser um desafio presente, Joana Santos acrescentou que “os percursos estão cada vez mais fluidos” porque “com relativa facilidade consegue-se falar com cada um dos colegas sobre algum problema do dente, mas existiram momentos de fricção”. “O aperfeiçoamento é continuo, não é imediato”, concluiu.






