
Quando o SNS nos surpreende pela positiva
Há momentos na vida em que tudo se resume a segundos. Basta um acontecimento inesperado para que a rotina desapareça e a preocupação tome conta de tudo. Foi assim, numa sexta-feira, dia 14, quando o meu filho teve uma convulsão que nos deixou paralisados por dentro. Num instante, estávamos no Hospital de Vila Franca de Xira, na urgência pediátrica, com mais dúvidas do que certezas.
Mas logo à chegada, percebi que não estávamos sozinhos. A equipa da urgência recebeu-nos com uma rapidez e uma humanidade que, nestes tempos, quase parecem notícia. Médicos, auxiliares, mas sobretudo os enfermeiros — e também os estagiários de enfermagem — foram incansáveis. Antes de qualquer exame, houve explicações. Antes de qualquer procedimento, houve cuidado. E, num intervalo de apenas três horas, o meu filho fez análises, punção, TAC e todos os despistes necessários. Tudo com firmeza, tudo com clareza, tudo com uma serenidade que acalma até o pai mais inquieto.
Seis horas depois, fomos para a UCI Pediátrica. E se na urgência já tínhamos sentido a competência, na UCI encontrámos algo ainda maior: a dedicação diária, contínua e silenciosa de quem trabalha com um sentido de missão que não se finge. Foram 48 horas intensas, mas nunca solitárias. Os enfermeiros foram absolutamente inexcedíveis. Atentos ao detalhe, à temperatura, à medicação, mas também às nossas expressões, às nossas dúvidas, às nossas noites mal dormidas. Sempre ali. À distância de um olhar. Os estagiários de enfermagem, com a sua vontade de aprender e a delicadeza de quem ainda está a ganhar terreno, foram igualmente cuidadosos e respeitadores, mostrando que o futuro da enfermagem também tem bons alicerces.
Há quem acredite que, no SNS, o cansaço já apagou o brilho dos olhos de quem cuida. Eu vi precisamente o contrário.
Depois da UCI, chegámos à enfermaria. Ali, o mesmo padrão repetiu-se: profissionais atentos, educados, pacientes. Enfermeiros e estagiários com a mesma postura — a mesma disponibilidade, o mesmo cuidado discreto mas firme. Foi ali que aguardámos resultados, fizemos o encefalograma e percebemos que, felizmente, o cenário não era tão grave quanto temíamos: “apenas” Gripe A. Um apenas que só faz sentido quando já se descartaram todas as possibilidades que nenhum pai quer sequer imaginar.
Se houve um momento menos positivo, foi apenas um detalhe: a alimentação. O meu filho, debilitado e sem apetite, recebeu num dos dias um prato que pouco ajudava — praticamente só a cabeça de um peixe. Não era o ideal para um adolescente no meio daquele desgaste. Mas bastou uma palavra à equipa de enfermagem para que, em minutos, o assunto estivesse resolvido com a nutricionista. Simples, direto, sem desculpas. Resolveram porque estavam atentos. Resolveram porque se importaram.
E é isto que me leva a escrever esta crónica.
Num país onde se repete, quase como um refrão, que o SNS está em queda livre, que nada funciona, que as urgências pediátricas são um caos… eu vivi outra realidade. Vi equipas comprometidas, vi profissionais que não desistiram, vi enfermeiros que fazem mais do que lhes compete, vi estagiários que honraram a bata que vestem. Vi serviço público na sua melhor forma: aquele que existe quando a competência se junta à humanidade.
Não digo que o SNS não tenha problemas. Tem, e muitos. Mas também tem pessoas que fazem a máquina andar, mesmo quando ela range. Pessoas que seguram famílias no pior dia das suas vidas. Pessoas que estendem a mão antes de alguém pedir. Pessoas que merecem ser reconhecidas.
E por isso escrevo isto. Porque o meu filho foi cuidado com dignidade, rigor e carinho. Porque eu e a minha família fomos tratados com respeito. E porque, em tempos em que todos estão prontos para apontar falhas, também é preciso alguém que diga a verdade quando ela é boa: no Hospital de Vila Franca, o SNS funcionou. Funcionou muito bem.
E isso merece ser dito.
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