
Estudo de Eugénio Rosa para a FNAM alerta: SNS precisa de 19 mil médicos e 44 mil enfermeiros para atingir médias da OCDE
Um estudo do economista Eugénio Rosa, apresentado no congresso da FNAM, revela que o SNS enfrenta uma crise profunda devido a uma década de desinvestimento, salários em queda que provocam fuga de profissionais e uma estratégia que favorece grupos privados. O documento, baseado em dados oficiais, aponta défices de 19.062 médicos e 44.036 enfermeiros face às médias europeias e propõe um plano de cinco eixos para salvar o serviço público de saúde. O economista acusa sucessivos governos de permitirem uma “promiscuidade público-privada” que está a “destruir o SNS”
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O economista Eugénio Rosa apresenta um retrato devastador do Serviço Nacional de Saúde, num estudo que serviu de base à sua intervenção no congresso da Federação Nacional dos Médicos. De acordo com a análise do investigador, o SNS enfrenta uma crise profunda alimentada por uma década de desinvestimento, a desvalorização salarial dos profissionais e uma dinâmica de “promiscuidade público-privada” que está a destruir o serviço público. O estudo de Eugénio Rosa, elaborado a convite da direção da FNAM e baseado em dados oficiais, pretende contrariar o que classifica como uma campanha de desinformação contra o SNS.
O trabalho do economista revela que, para atingir as médias da OCDE, o SNS precisa de mais 19.062 médicos e 44.036 enfermeiros. Enquanto a média internacional se situa nos 3,9 médicos por mil habitantes, Portugal tem apenas 2,1. A situação é ainda mais grave no caso dos enfermeiros: 5,0 por mil habitantes no SNS contra 9,2 na OCDE. Eugénio Rosa sublinha que os números oficiais do SNS, que apontam para 21.010 médicos especialistas, não reflectem a realidade. Desse total, 2.358 trabalham a part-time de 20 horas, incluindo directores de serviço, uma situação que o economista considera “inaceitável”. Em equivalentes a tempo inteiro, o número real de especialistas desce para 19.831.
A questão salarial é outro pilar central da análise. O estudo de Eugénio Rosa demonstra que a Tabela Remuneratória Única da Administração Pública, que enquadra os profissionais do SNS, só foi atualizada em quatro anos entre 2011 e 2025, registando um aumento acumulado de 9,72%, muito abaixo da inflação que foi de 31,14% no mesmo período. Para os médicos, a remuneração base líquida perdeu 10% do seu poder de compra desde 2011. A remuneração base média mensal líquida de um médico que era de 1.774 euros em 2011 valia, em termos reais, apenas 1.579 euros em 2025. A comparação internacional é elucidativa: em Paridade de Poder de Compra, um médico em Portugal aufere 80.000 dólares anuais, face a 93.000 na OCDE, 157.000 na Holanda ou 124.000 em Espanha.
Para compensar a quebra do poder de compra, os médicos têm aumentado o horário de trabalho e realizado milhões de horas extraordinárias. O estudo de Eugénio Rosa cita o Relatório do Conselho de Finanças Públicas de 2025, que refere que as entidades do SNS registaram 17,9 milhões de horas de trabalho suplementar em 2024. Deste total, 36%, ou seja, 6,4 milhões de horas, foram prestadas por médicos, com um custo de 278,1 milhões de euros. A estes valores junta-se a despesa com tarefeiros, que em 2024 ascendeu a 229,8 milhões de euros. Eugénio Rosa defende que estes custos poderiam ser utilizados para contratar mais médicos e valorizar as remunerações base.
O crescimento do sector privado é analisado com particular preocupação no estudo. Apesar de apenas 4,6% dos médicos hospitalares terem um contrato permanente no sector privado, a atividade dos grandes grupos está a expandir-se rapidamente. Eugénio Rosa afirma que esta expansão é feita à custa da “exploração dos profissionais do SNS a quem pagam à comissão”. O economista é perentório ao caracterizar esta dinâmica: “A promiscuidade público-privada promovida parece que intencionalmente pelas baixas remunerações base pagas a médicos e enfermeiros e deficientes condições de trabalho devido a cortes enormes no investimento está a contribuir para a degradação do SNS e o crescimento do negócio dos grandes grupos privados de saúde”.
Entre 2010 e 2024, a despesa pública em saúde cresceu 50,4%, enquanto a despesa privada das famílias aumentou 89%. Em 2024, 35,5% da despesa total corrente em saúde já era suportada diretamente pelas famílias, um valor significativamente superior à média de 28% nos países da OCDE. Portugal é um dos países da OCDE onde a despesa pública em saúde, representando 6,3% do PIB em 2024, fica abaixo da média, que é superior a 7%.
O investimento de capital tem sido particularmente negligenciado, de acordo com o estudo de Eugénio Rosa. Entre 2014 e 2023, a despesa de capital representou, em média, apenas 1,7% da despesa total do SNS. Em 2023, ficou 460,2 milhões de euros abaixo do previsto no Orçamento do Estado. O documento relata ainda, a título de exemplo, o desvio de 32 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência que estavam destinados ao Hospital Oriental de Lisboa para a compra de helicópteros Black Hawk para a Força Aérea.
Os saldos financeiros do SNS são sistematicamente negativos. Em 2025, o saldo negativo estimado é de 1.352 milhões de euros, estando já previsto um défice de 1.133 milhões para 2026. A conta previsional do governo para 2026 prevê um aumento da despesa corrente de apenas 1,7%, um valor inferior à inflação registada em 2024. Este orçamento, classificado no estudo como “fictício”, é acusado de desresponsabilizar os conselhos de administração. A dívida a fornecedores externos atingiu 2.429 milhões de euros em Setembro de 2025.
Perante este cenário, o estudo de Eugénio Rosa propõe cinco eixos para uma estratégia a definir no próximo triénio. O primeiro passa por combater a desinformação e mobilizar a população para uma defesa ativa do SNS. O segundo eixo foca-se na valorização e atracção de profissionais de saúde, propondo a recuperação do poder de compra e a criação de uma carreira de dedicação exclusiva. O terceiro eixo defende um reforço do financiamento público. O quarto eixo propõe um Grande Plano de Investimentos para 2026-2030. O quinto eixo questiona “De onde virá o dinheiro?”, sugerindo a reorientação de prioridades orçamentais.
Eugénio Rosa conclui o seu estudo com um apelo: “Se queremos um SNS forte, seguro e digno, temos de lutar – juntos – por mais profissionais, com remunerações e condições de trabalho dignas, por mais meios e por investimento no SNS”. O economista alerta que o futuro do SNS se decide agora, e depende da disposição dos seus profissionais e utentes para o defenderem. O estudo serve assim não apenas como diagnóstico, mas como um chamamento à ação perante o que considera ser a destruição gradual do serviço público de saúde.
Links:
Documento fonte: Estudo Eugénio Rosa.pdf
Portal FNAM: WWW.FNAM.PT
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