Atualidade

Rita Garcia Pereira analisa mudanças no Código do Trabalho: “São um retrocesso nos direitos dos trabalhadores”

Publicidade - continue a ler a seguir

Mais de uma centena de artigos do Código do Trabalho estão na mira do Governo para alterações, mas a advogada e especialista em Direito do Trabalho, Rita Garcia Pereira, considera que o anteprojeto avançado pelo Governo – e que está agora a ser discutido em Concertação Social – “é um retrocesso no direito dos trabalhadores”.

Em entrevista à Renascença, analisa algumas das propostas que estão a motivar a greve geral de 11 de Dezembro convocada por UGT e CGTP e sublinha que hoje “é facílimo despedir em termos de despedimento coletivo em Portugal”.

Rita Garcia Pereira lembra que o alargamento de setores em serviços mínimos em caso de greve e a flexibilização do processo disciplinar em matérias de despedimento por justa causa – já considerado inconstitucional em 2009 – podem voltar a receber cartão vermelho do Tribunal Constitucional.

A especialista em Direito do Trabalho não tem dúvidas que o anteprojeto do Governo é prejudicial “para todos os trabalhadores” e na lei da greve considera que serviços mínimos em tudo o que não for área da saúde ou transportes é ir longe demais.

Publicidade - continue a ler a seguir

As alterações à lei aumentam a regidez laboral?

Não, importam uma total flexibilização da legislação laboral. Sendo que essa flexibilização costuma operar em desfavor dos trabalhadores.

O primeiro-ministro chegou a afirmar que a nova lei “é mais amiga do trabalho”. Considera que é mais amiga dos trabalhadores ou dos patrões?

É claramente mais amiga dos patrões.

Quando me faz a pergunta se é mais amiga do trabalho, eu fico a pensar que há vários tipos de trabalho: a começar pelo trabalho de escravo e a acabar nos trabalhos altamente qualificados.

Esta legislação é claramente um retrocesso nos direitos dos trabalhadores. Não há nenhuma forma de se poder defender o contrário, pelo menos com o apoio na proposta que foi apresentada.

Das alterações, o que é que do lado legal pode ser considerado inconstitucional?

Há duas questões essenciais: a primeira prende-se com as restrições que se pretendem por à lei da greve e que podem inutilizar o conteúdo essencial do direito e como é um direito constitucionalmente consagrado, pode ser declarado contrária à Constituição.

No meu entendimento, há aqui um outro bloco de questões de que se tem falado menos que se prende no fundo uma flexibilização do processo disciplinar que também já foi declarado inconstitucional uma vez [quando PS tentou tornar “facultativas” as diligências probatórias em processos de despedimento por justa causa].

Em 2009…

Exatamente e presumo que possa vir a ser uma segunda.

O Governo não deveria fazer alterações a essa questão do processo disciplinar?

O Governo pode tentar fazer as alterações que entender mais legítimas. O que já foi dito relativamente às alterações de 2009 e se mantém é que, estando na Constituição a proibição dos despedimentos sem justa causa, tem que se dar a oportunidade ao trabalhador de se defender. O que estamos aqui a falar face a esta proposta é justamente diminuir – para não dizer inviabilizar – os direitos de defesa dos trabalhadores no âmbito de um processo disciplinar.

“Esta legislação é claramente um retrocesso nos direitos dos trabalhadores. Não há nenhuma forma de se poder defender o contrário”

Na revogação dos 180 dias para os jovens trabalhadores, ou para trabalhadores que estejam a um longo período no desemprego, pode-se estar também a dificultar a contratualização dos trabalhadores?

Esta proposta aposta numa série de fatores, entre os quais num aumento assinalável da contratação a termo por um lado, e de um aumento também do período experimental quanto a outro tipo de trabalhadores.

Não me parece que tenha sido por via, nem das alterações à legislação dos contratos a termo introduzidas com a agenda do trabalho digno, nem por via da diminuição do número de dias do período experimental, que tenha aumentado o desemprego. Ou seja, acho que a justificação é uma falsa questão.

Quando a ministra diz que estes contratos – os novos contratos a termo com os prazos mais alargados – vão ajudar a combater a precariedade. Consegue ter a mesma leitura?

Não consigo ter essa leitura, principalmente porque essa proposta vem acompanhada de uma outra que diminui as possibilidades de os falsos recibos verdes serem considerados contratos de trabalho e como tal, quer por se regressar a um modelo de contratos a termo que já existiu, quer por se diminuir as garantias dos recibos verdes, não vislumbro como é que isso se possa combater o desemprego, sinceramente.

Considera o novo pacote laboral prejudicial para todos os trabalhadores, ou como dizem as estruturas sindicais serão os jovens os mais afetados?

Eu acho que essa proposta é transversalmente prejudicial a todos os trabalhadores, uns por uns motivos, outros por outros. Não consigo identificar propriamente uma classe que se possa dizer mais prejudicada.

Relativamente à questão do outsourcing, as alterações podem facilitar situações de desemprego estratégicas?

Nós temos uma grande rigidez nos despedimentos.

Existe alguma rigidez nos despedimentos individuais, mas é facílimo despedir em termos de despedimento coletivo em Portugal. Desde logo, porque a entidade que tem competência para fazer a mediação restringe-a à mera negociação e a verdade é que deixa passar todos os despedimentos coletivos em que ocorram a respetiva negociação.Obviamente que a lógica dos despedimentos coletivos é uma situação gravíssima de crise económica ou a inexistência de postos de trabalho.

Quando estamos a falar de outsourcing, estamos a dizer que o posto de trabalho se mantém – é sobre outra veste, mas o posto de trabalho existe. O que só pode querer significar que estamos na prática também aqui a aumentar os casos em que se admite o despedimento coletivo.

Portanto, a facilitar…

Claramente a facilitar o despedimento coletivo e claramente a facilitar o desemprego, porque sempre que nós estamos a falar de desemprego importa assinalar – que às vezes as pessoas se esquecem que estamos também a falar de subsídios de desemprego que são pagos por todos. Ou seja, a lógica de da precariedade e de favorecer a excesso as empresas gera uma sobrecarga na Segurança Social por via dos subsídios de desemprego que são pagos.

“[A proposta de alargamento dos contratos a termo] vem acompanhada de uma outra que diminui as possibilidades de os falsos recibos verdes serem considerados contratos de trabalho. Não vislumbro como é que isso se possa combater o desemprego”

Há pouco falava da lei da greve. O Governo defende a necessidade de haver serviços mínimos em determinados setores. Acha que alguns deles é justificável ou torna-se muito difícil?

O problema não é existirem serviços mínimos, nem nunca foi. O problema está no estabelecimento de serviços mínimos e na forma como esse estabelecimento é feito e dizer-se que, à partida, sempre que exista uma greve num leque muito alargado de setores de atividade – que não são só os hospitais – imporem-se os serviços mínimos para mais, quando por vezes os serviços mínimos têm sido fixados – umas vezes por defeito, mas outras tantas também por excesso. Já tivemos greves em que os serviços mínimos fixados equivaliam exatamente à prestação de trabalho normal, sem greve.

Em que setores é que considera que se está a ir longe demais?

Em tudo o que não seja a área da saúde e a área dos transportes.

Relativamente às questões da parentalidade e das licenças, as alterações vão modernizar o sistema ou não valem a pena?

Não é modernizar o sistema porque em Portugal não se inventou a roda. O nosso sistema de direitos de parentalidade tem vindo a seguir as normas da Comunidade Europeia. É certo que, por exemplo, quanto à licença de amamentação, a nossa tem uma duração que pode ser maior, mas noutros direitos nós estávamos aquém do que se passa noutros países europeus. Não se fique com a ideia que em Portugal nós tínhamos direitos à parentalidade numa medida e amplitude muito superior à que se exigiu, ou a que existia noutros países europeus.

Aqui trata-se de regredir, não vou dizer em toda a linha – porque seria um manifesto exagero – , mas uns passos significativos atrás.

São mais de uma centena de propostas as do Governo nesta revisão da lei laboral. Considera que algo que que ficou esquecido?

Eu até tenho medo de dizer o que acho que ficou esquecido, com medo de dar ideias para se tornar ainda mais prejudicial para os trabalhadores.

Eventualmente nos contratos atípicos, ou seja, aqueles contratos fora do contrato de trabalho normal, poder-se-ia ia ter feito algumas revisões ao contrato de trabalho intermitente – em que o trabalhador é pago para trabalhar em alguns períodos do ano e pago substancialmente menos para não trabalhar noutros períodos.

Penso que quanto ao assédio moral, que me é um tema muito caro, se podiam ter introduzido medidas, já que se diz que a ideia é também pautar as relações de trabalho pelo respeito recíproco.

A primeira vez que tive uma entrevista na Renascença, curiosamente, falava, por causa das revisões que vieram a acontecer por altura da troika e eu dizia que as pessoas não estavam a ter muita consciência da diminuição das indemnizações e efetivamente ainda hoje, eu me deparo com pessoas que ficam espantadíssimas com o limite das nossas indemnizações. Neste momento e aqui chegados, eu também penso que nos andamos a distrair, por exemplo, com os direitos de parentalidade, sem olhar para outros direitos que são relevantíssimos.

Existem outros direitos, designadamente esta facilitação dos despedimentos ou também da contratação a termo que irão prejudicar muito mais pessoas do que propriamente a parentalidade.

Considera que o Governo também tem aqui um pouco de estratégia ao levar alguns temas para a agenda, para que outras alterações consigam passar facilmente? Como o banco de horas, por exemplo, que tem sido contestado.

O banco de horas individual já existiu. Não se trata de nenhuma novidade, nem nenhuma inovação científica. O que está proposto é o que já existia e que veio depois a ser revogada em 2019. Penso que sim, avançam com algumas medidas para se deixarem cair, mantendo as medidas essenciais. Parece-me evidente que é uma estratégia negocial.


Source link

Publicidade - continue a ler a seguir

Seja membro da PortalEnf 




[easy-profiles template="roundcolor" align="center" nospace="no" cta="no" cta_vertical="no" cta_number="no" profiles_all_networks="no"]

Portalenf Comunidade de Saúde

A PortalEnf é um Portal de Saúde on-line que tem por objectivo divulgar tutoriais e notícias sobre a Saúde e a Enfermagem de forma a promover o conhecimento entre os seus membros.

Deixe um comentário

Publicidade - continue a ler a seguir
Botão Voltar ao Topo