
Gratidão ou suborno? O dilema das gorjetas no Egito
A crise económica no Egito tem revelado um desafio social: o peso crescente das gorjetas num cenário marcado pela inflação (11,7% no mês de setembro) e queda do poder de compra.
O que antes era um gesto de cortesia tornou-se uma necessidade para muitos trabalhadores e um fardo para quem paga. Em diversos setores, das clínicas aos serviços públicos, o ato de “agradecer” com dinheiro reflete não apenas a desigualdade social, mas também a fragilidade das relações económicas e humanas no país.
Entregar dinheiro para furar uma fila, receber ajuda extra ou como forma de agradecimento é algo tão comum no Egito que algumas empresas consideram tais “gorjetas” um gasto rotineiro. Empregados de mesa, porteiros e estafetas recebem-nas, tal como em outros países. Mas também rececionistas de clínicas médicas privadas, funcionários públicos e até enfermeiros de hospitais — alguns dos quais pedem gorjetas por tarefas como levar água aos pacientes.
A nação mais populosa do mundo árabe está a sofrer uma crise cambial recorde e a pior inflação em cinco anos, tornando a comida tão cara que muitos egípcios já não podem pagar por um frango, alimento básico da sua dieta.
O país atravessou uma série de crises financeiras durante a última década, que o obrigaram a procurar ajuda de credores como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e aliados árabes do Golfo. As autoridades dizem que cerca de 30% da população do Egito está abaixo do limiar da pobreza.
O Banco Mundial, no entanto, estimava em 2019 que “cerca de 60% da população do Egito é pobre ou vulnerável”. No entanto, o FMI estima um crescimento real do PIB de 4,3% em 2025 e 4,5% em 2026, devido à recuperação do turismo e ao impulso no setor da manufatura não petrolífera.
Em 2010, 100 libras egípcias equivaliam a cerca de 18 dólares. Hoje, após várias crises, valem apenas dois dólares. Apesar do hábito enraizado no Egito, as opiniões variam muito sobre o momento certo de dar e se o pagamento por certos favores é um gesto de gratidão — ou simplesmente suborno.
O governo também está a cortar subsídios de pão, gás e eletricidade, essenciais para a população mais pobre. Marina Kaldas, gestora de redes sociais, contou ao jornal “The New York Times” que precisou de renovar a carta de condução com urgência e admitiu ter dado mil libras (33 dólares) a um funcioná rio para receber a autorização mais depressa. Antes, as pessoas podiam dar 10 ou 20 libras e era suficiente. Mas agora, se der só 10 libras, a pessoa não consegue fazer nada com isso”, disse.
Também Amr Ahmed, técnico de informática, estava farto de esperar para ser atendido numa clínica médica lotada. O tom amigável do rececionista fê-lo perceber que poderia ser visto pelo médico rapidamente desde que estivesse disposto a pagar. Ahmed deu-lhe discretamente 50 libras, o equivalente a um dólar. “Às vezes sentimo-nos constrangidos por pagar tão pouco”, afirmou ao “The New York Times”. “Os salários baixos obrigam as pessoas a depender de gorjetas. Precisam de dinheiro extra”, sublinhou.


