
Transições em saúde: a centralidade da enfermagem na VNI e reabilitação da evidencia à prática: cuidar em contextos de complexidade e mudança
Helena Pestana – Enfermeira Gestora, Unidade Local de Saúde São José
Elizabete Amaral – Enfermeira, Unidade Local de Santa Maria
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A ventilação não invasiva (VNI) tornou-se, nas últimas décadas, numa intervenção essencial no tratamento da insuficiência respiratória. Reconhecida internacionalmente como uma estratégia terapêutica segura e eficaz, a VNI reduz a mortalidade, diminui complicações e melhora o controlo da insuficiência respiratória em pessoas com doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) e noutras condições respiratórias. A sua utilização é hoje frequente não apenas em contexto hospitalar, mas também em regime domiciliário. A evidência científica confirma que o uso prolongado da VNI reduz reinternamentos e aumenta a sobrevida após episódios agudos, reforçando a importância de integrar esta tecnologia em percursos de cuidados sustentáveis e centrados na pessoa (Pereira et al., 2020; Casado et al., 2022).
Mas a VNI é muito mais do que números e resultados clínicos. Apesar da eficácia clínica demonstrada, o início da VNI representa para a pessoa muito mais do que uma intervenção técnica: é um processo de transição que implica uma profunda adaptação física, emocional e social. Para a pessoa, que passa a depender de um dispositivo ventilatório significa alterar rotinas diárias, aceitar novas limitações e, em muitos casos, redefinir a forma como se vive a autonomia. É um processo exigente, que ultrapassa a dimensão clínica e se estende às esferas emocional, familiar e social. Como sublinha Afaf Meleis (2010), as transições em saúde transformam identidades e papéis, exigindo cuidados sensíveis, personalizados e sustentados. Integrar a VNI na vida quotidiana exige, assim, um acompanhamento contínuo e personalizado, capaz de apoiar a pessoa e a família na construção de estratégias de adaptação.
É precisamente neste contexto que a enfermagem assume centralidade. Os enfermeiros estão na linha da frente a apoiar a adaptação da pessoa à VNI e a integrá-la no seu dia-a-dia: ensinam o uso do equipamento, ajustam interfaces, monitorizam a eficácia terapêutica e ajudam a ultrapassar dificuldades de adesão. Mais do que explicar o funcionamento de uma máquina, oferecem condições para viver com ela. O treino prático, a capacitação da pessoa e do cuidador, a gestão das dificuldades de tolerância ao dispositivo e a construção de rotinas seguras são passos decisivos para o sucesso. Ao fazê-lo, os enfermeiros não transmitem apenas conhecimento técnico: ajudam a integrar a ventilação no projeto de vida da pessoa, garantindo que a tecnologia se converta num instrumento de autonomia e dignidade.
A reabilitação respiratória acrescenta uma dimensão indispensável. Para além de otimizar a função pulmonar, melhora a capacidade de esforço, reduz sintomas e reforça a autogestão da doença. Em Portugal, estudos recentes demonstram que os programas de reabilitação respiratória, liderados por enfermeiros de reabilitação, estão associados a ganhos significativos em qualidade de vida e autocuidado em pessoas com DPOC submetidas a VNI (Pereira et al., 2020; Casado et al., 2022). Estes resultados confirmam que a combinação entre tecnologia ventilatória e reabilitação respiratória, no quadro de uma prática centrada na pessoa, melhora a vida das pessoas de forma significativa e contribui para a sustentabilidade do sistema de saúde.
O momento da transição entre a alta hospitalar e o regresso a casa continua a ser crítico. É aí que se testam os limites da autonomia e da adaptação. Muitas vezes, a alta acontece antes de o doente e a família se sentirem preparados. No domicílio, surgem inevitavelmente dúvidas: “Estarei a usar bem a máscara?”, “E se o equipamento falhar?”, “Como consigo gerir isto sozinho?”. É aqui que o enfermeiro assume especial relevância preparando para a alta e assegurando a continuidade dos cuidados, quer através de consultas de seguimento, quer através da articulação com equipas de proximidade quer através de estratégias inovadoras como a telemonitorização. O recurso à telemonitorização, tem ganho espaço em Portugal e noutros países, permitindo acompanhar em tempo real parâmetros ventilatórios e aumentar a confiança da pessoa e da família. Estas abordagens quando conjugadas com a telereabilitação reforçam a segurança, aumenta a confiança, diminui o risco de falhas na adesão e melhoram a qualidade de vida.
Num contexto em que a complexidade dos cuidados cresce, integrar a VNI e a reabilitação respiratória em modelos centrados na pessoa é mais do que desejável: é essencial. A enfermagem de reabilitação, ao articular a evidência científica com práticas adaptadas a cada realidade, garante transições mais seguras e bem-sucedidas. Reconhecer esta centralidade não é apenas valorizar uma competência profissional, é investir em qualidade, equidade e sustentabilidade. A tecnologia pode salvar vidas, mas é o cuidar que lhes dá sentido e maior significado para a pessoa sob VNI.
Referências
Casado, C., Sequeira, T., & Mendes, A. (2022). Reabilitação respiratória em pessoas com doença pulmonar crónica: contributo da enfermagem de reabilitação. Revista de Enfermagem Referência, Série VI(2), e22021. https://doi.org/10.12707/RVI22021
Meleis, A. I. (2010). Transitions Theory: Middle-Range and Situation-Specific Theories in Nursing Research and Practice. Springer. https://doi.org/10.1007/978-1-4419-7261-1
Pereira, E., Ferreira, D., & Marques, A. (2020). Impacto da reabilitação respiratória em pessoas com DPOC em Portugal: estudo de coorte. Revista Portuguesa de Pneumologia, 26(6), 293–300. https://doi.org/10.1016/j.pulmoe.2019.12.005
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