
Mesmo quando não há cura, ainda há muito a fazer pelo doente
Fernando Soares é padre vicentino, da Congregação da Missão. Está há um ano como capelão da Unidade Local de Saúde (ULS) de Santa Maria, em Lisboa. Mas este trabalho nos hospitais começou muito antes: foi capelão durante oito anos no Hospital de São João, no Porto.
Em entrevista à Renascença, fala da importância da assistência espiritual e religiosa e da experiência nos dois maiores hospitais do país, onde tem acompanhando sempre doentes em paliativos. Em Santa Maria é um dos elementos da Equipa Intra-Hospitalar de Medicina Paliativa.
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Que papel é que tem um assistente religioso, nomeadamente na realidade destes hospitais tão grandes como o São João e Santa Maria?
Há todo um historial. Temos a felicidade de ter uma lei que enquadra, desde 2009, a nossa presença nos hospitais, a presença da Igreja Católica, com a função de capelão. Quando falamos de unidade de serviço religioso falamos como assistente espiritual, porque a lei atribui à Igreja Católica a missão de coordenar este serviço espiritual e religioso. Quando é religioso é também espiritual, quando é espiritual não é sempre religioso.
Essa assistência espiritual não tem de ser dada necessariamente por um sacerdote, é isso?
Exatamente. E os sacerdotes devem estar preparados para este acompanhamento, esta presença, dando resposta às necessidades espirituais que os doentes vão manifestando, sinalizando. E também nos compete a nós coordenar, fazendo chegar as necessidades espirituais de outras confissões religiosas que estão também enquadradas na própria lei.
A assistência espiritual não é um direito da Igreja, é um direito do doente
Portanto, a Igreja Católica coordena, tem essa missão, e se houver doentes de outras confissões religiosas que tenham necessidade de ser assistidos, faz essa ponte?
Sim, temos de ser a ponte de ligação. Em muitos casos o próprio doente sinaliza, diz que é de determinada igreja, protestante, evangélica ou outra, e fala connosco para facilitarmos a ida e a entrada, porque deve ser sempre coordenada com o capelão coordenador, que tem a missão de fazer chegar a ajuda. Chamam-se ‘assistentes espirituais não vinculados’, mas que vão completar esse direito. Porque a assistência espiritual não é um direito da Igreja, é um direito do doente, portanto, a nossa presença como Igreja é para cumprir, para responder a uma necessidade e a um direito do doente.
Já lhe aconteceu, certamente, dar assistência a quem não é católico?
Muitas vezes. Ao longo deste ano tenho comparado com o tempo em que fui capelão no Hospital São João, e aqui (Santa Maria) temos uma sociedade mais diversa, com outras confissões religiosas, e têm surgido mais solicitações. Os colegas que são capelães há mais tempo já falavam disso, que há mais solicitações.
O hospital é e será sempre um espelho da sociedade, estão ali as pessoas que constituem a nossa realidade social
Há mais diversidade na população do hospital.
Mais diversidade, desde irmãos da fé cristã, mas também muçulmanos e até hindus, que agora vão surgindo, porque eles estão aqui e vão estando também no hospital. No fundo, o hospital é e será sempre um espelho da sociedade, estão ali as pessoas que constituem a nossa realidade social.
E essa ponte é feita com os líderes religiosos das outras confissões não cristãs?
Sim, sim. Outras vezes o próprio doente simplifica, quando é o contexto de uma fé cristã. Ainda recentemente uma irmã de outra confissão cristã disse: “não, padre, eu não preciso que venha cá o pastor da minha igreja. Reze comigo”. Conversámos e acabámos por rezar em conjunto. Pedem a bênção, porque essa presença espiritual é uma necessidade e vem realizada também em nós, quando estamos presentes.
E o que é que pedem mais? Para conversar, para uma confissão?
Não temos contabilizado, mas a maioria das abordagens é orientada para a dimensão, digamos assim, sacramental, quando é no contexto católico. Muitas vezes para o sacramento da Santa Unção. Muitas vezes, as famílias deixam isso para uma parte já muito final das vidas dos doentes…
Quando é uma circunstância de urgência é muito orientada para o sacramento. Mas diria que o acompanhamento espiritual será a maioria dos casos, e esse acompanhamento faz-se também com dimensão sacramental, seja com a confissão, seja com o sacramento da Santa Unção, seja com o sacramento da Eucaristia, que levamos aos doentes, ao domingo especialmente, mas em todos os outros dias da semana, conforme vai sendo definido. Vamos vendo, ponderando com o próprio doente, que vai manifestando a sua resposta e necessidade de fé.
Em Santa Maria integra também a Equipa Intra-hospitalar de Medicina Paliativa. Como é fazer parte desta equipa, e que significado tem esta assistência que ali dá?
Pessoalmente, tem sido muito belo. Em primeiro lugar, a forma muito hospitaleira com que a equipa, que já está instituída e tem uma história, me recebeu. Já a presença do anterior capelão, o padre Fernando Sampaio, era muito estimada e ele foi-me encaminhando também para a equipa e a equipa recebeu-me muito bem. Por isso, o primeiro significado é esse da beleza e da abertura a esta concessão, a esta cultura que esta equipa cultiva, da diversidade, de olhar para a pessoa de forma integral e atenta à dimensão espiritual.
A medicina paliativa pode trazer, e está a trazer à própria medicina em geral o verdadeiro olhar que devemos ter do doente, ver a pessoa toda no seu todo
E de reconhecer que isto tem importância para o doente?
A dimensão espiritual é uma realidade muito importante nesta abordagem dos cuidados paliativos. E esta equipa olha e reconhece a importância desta dimensão na pessoa.
A medicina paliativa é mais exigente em termos de assistência espiritual?
Não digo que seja mais exigente. Eu acho que a medicina paliativa pode trazer, e está a trazer à própria medicina em geral o verdadeiro olhar que devemos ter do doente, ver a pessoa toda no seu todo. Os outros âmbitos da medicina olham muito para a técnica, na perspetiva da cura e focam-se muito no doente ou no órgão que está afetado e não na pessoa que está doente. E a medicina paliativa traz-nos esse outro olhar: é a pessoa que está doente. E aí, diria que não é mais exigente, é muito mais fácil para nós todos estarmos presentes, e com esta cultura de olhar a pessoa toda, perceber a pessoa que está doente, olhar e responder às suas necessidades, sejam físicas, morais e espirituais.
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