
D. António Augusto Azevedo: “Educar é uma tarefa profundamente ligada à esperança”
O Santuário de Fátima acolhe, no próximo domingo, 5 de outubro, o Jubileu da Educação. Integrada nas celebrações do Ano Jubilar e da Semana Nacional da Educação Cristã 2025, a iniciativa é promovida pelo Santuário de Fátima em colaboração com o Secretariado Nacional da Educação Cristã (SNEC) e a Associação Portuguesa de Escolas Católicas (APEC).
A celebração será presidida por D. António Augusto Azevedo, bispo de Vila Real e presidente da Comissão Episcopal da Educação Cristã e Doutrina da Fé.
Em entrevista à Renascença, D. António Augusto Azevedo sublinha que, no contexto do Jubileu da Esperança, este é também um tempo de ação de graças e de renovação da confiança no futuro. Educar é despertar potencialidades e construir uma sociedade mais justa e fraterna.
O presidente da Comissão Episcopal da Educação Cristã e Doutrina da Fé assume preocupação com a crise de professores e pede que se revalorize o papel e a missão do professor.
Sobre a Inteligência Artificial, D. António Augusto entende que, como ferramenta, será útil em muitos aspetos, mas envolve também desafios e riscos. No que diz respeito à educação cristã, é fundamental não perder de vista o essencial – a pessoa humana, que deve estar sempre no centro, com todas as suas qualidades e potencial a desenvolver.
“Educação Cristã, Esperança e Profecia” é o tema da próxima Semana de Educação Cristã, que decorre de 5 a 12 de outubro. Que mensagem pretende a Igreja transmitir?
A Semana Nacional de Educação Cristã é, antes de mais, um convite a todos os que estão envolvidos no mundo da educação, mas também a toda a Igreja e à sociedade. Pretende-se despertar consciências para a importância deste tema e para o envolvimento de todos nesta missão: a educação.
Trata-se, em primeiro lugar, de valorizar o trabalho de tantos que se dedicam à educação cristã: os catequistas, os grupos de formação de jovens, os professores de Educação Moral e Religiosa Católica — nas escolas públicas e privadas —, as instituições educativas ligadas à Igreja e, sobretudo, a família, onde os pais são os primeiros educadores.
No fundo, esta semana recorda que a educação cristã é uma tarefa essencial da Igreja. Serve para dar visibilidade e reconhecimento a uma área que, muitas vezes, não é suficientemente valorizada.
Em segundo lugar, no contexto do Jubileu da Esperança, é também momento de dar graças a Deus pelo caminho feito e de renovar a esperança de todos os que trabalham na educação. Educar é, por natureza, uma tarefa profundamente ligada à esperança: trabalhar com os jovens é construir o futuro, despertar o que de melhor existe em cada pessoa e preparar o amanhã. A mensagem é clara: investir na educação cristã é formar não apenas melhores cristãos, mas também uma sociedade mais justa e fraterna.
A Semana arranca no Dia Mundial dos Professores, que coincide com a celebração, no Santuário de Fátima, do Jubileu da Educação. Presumo que esta iniciativa pretende reunir toda a comunidade educativa e, ao mesmo tempo, sublinhar a dimensão integral da educação cristã?
Sim, de facto é uma iniciativa muito bonita do próprio Santuário, em articulação com o Secretario Nacional da Educação Católica e também a Associação Portuguesa das Escolas Católicas.
Pretende reunir organismos e pessoas responsáveis pela educação: colégios, comunidades, famílias, educadores, alunos e, de modo especial, os professores.
Será um encontro para celebrar a alegria de participar na missão educativa, dar graças a Deus pelo caminho feito e renovar forças para os desafios futuros. Junto de Maria, em Fátima, pedimos também a sua bênção para todos os educadores e famílias.
A tarefa educativa, sendo tão bela, é também exigente. É uma missão que suscita em cada pessoa a necessidade de dar o melhor de si para despertar nos mais jovens o evoluir e o potenciar das suas capacidades.
Participar num jubileu será, assim, mais do que uma bela iniciativa: será um bom momento de encontro. Muitas vezes, no mundo educativo — tanto em cada instituição como no conjunto de todas elas — falta reforçar o sentido de entreajuda e de comunhão. Com frequência, as pessoas estão um pouco afastadas. Neste momento, porém, nota-se a necessidade e também sinais positivos de esperança: maior entreajuda, mais comunhão e uma nova confiança nas instituições educativas da Igreja.
Depois de um tempo marcado por algumas dificuldades e contrariedades, vivemos agora uma fase de revitalização, em que as famílias também manifestam confiança nas instituições educativas da Igreja. E isso merece ser valorizado.
Fala-se muito em crise de professores. Há falta de docentes nas escolas. Como olha para esta situação? Com preocupação? E que soluções poderiam ser encontradas?
Naturalmente que a falta de professores em algumas escolas suscita alguma preocupação. Importa, porém, em primeiro lugar, perguntarmo-nos e, sobretudo, perguntar aos professores – saber escutá-los – para tomarmos uma noção mais efetiva e real daquilo que são as suas dificuldades. Em segundo lugar, empenharmo-nos todos, enquanto sociedade, pois há muito a fazer para revalorizar o papel e a missão do professor que, obviamente, nas últimas décadas, tem passado por uma grande crise.
É preciso voltar a acreditar no valor, na importância e na dignidade da missão do professor. Depois, encontrar soluções práticas: motivar, em primeiro lugar, os professores que estão no ativo; e, em segundo lugar, motivar novas gerações para que se sintam atraídas pela profissão ou missão de ensinar.
Julgo que foi uma área que a sociedade descurou bastante nos últimos tempos. Vários setores e medidas não ajudaram em nada – pelo contrário -, prejudicaram bastante a imagem, o estatuto e o papel dos professores. Em face destas necessidades, e do ponto a que chegámos, é necessário dar passos efetivos em frente, porque só há boa educação com bons professores. E isso significa professores reconhecidos, estimulados e apoiados. Só assim a situação será resolvida.
À volta desta questão há muitas ideias e, porventura, muitas opiniões desfasadas da realidade. Há que escutar os professores e tomar as medidas necessárias para que, no presente e no futuro, a situação seja solucionada.
Aliás, a Igreja, na parte que lhe diz respeito, já tomou algumas medidas para que, nomeadamente na Educação Moral e Religiosa Católica, não faltem professores e, ao mesmo tempo, se preparem novos docentes. Nós já demos o exemplo. Espero que sirva para alguma coisa.
Falou da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC). Nota-se uma maior procura? Essa procura reflete a diversidade cultural que hoje se encontra nas escolas?
A propósito da Educação Moral e Religiosa Católica estamos, de facto, numa fase de renovação. A realidade, no conjunto do país, é um pouco diversa: há zonas onde há uma grande participação dos alunos dos vários ciclos da Educação Moral e Religiosa Católica, com percentagens muito significativas; em contrapartida, há outras zonas onde essa percentagem é bastante mais reduzida. De qualquer forma, há sinais promissores de que a nova geração – entre a qual se encontram muitos adolescentes e jovens que não tiveram grande formação cristã, que não foram batizados e até, pontualmente, de outras tradições religiosas – que procura esta área de formação.
Também aqui estamos numa fase muito promissora. Há sinais que indiciam um novo interesse nesta disciplina e, para corresponder a essa busca, a equipa responsável do secretariado está a preparar novos materiais e uma revisão da proposta desta disciplina, que tem sido muito útil para muita gente. Portanto, o balanço é positivo sobre o trabalho feito e o caminho percorrido, mas também as expectativas são muito promissoras.
A catequese está em mudança, com o novo itinerário de iniciação à vida cristã. Há mais crianças e adolescentes a participar? E como reagem os catequistas a esta renovação?
De facto, estamos numa fase de renovação de todo o itinerário catequético, a partir do documento aprovado na Conferência Episcopal há alguns anos, e estamos agora a implementar esse novo itinerário, que tem uma vertente muito mais de iniciação. Ou seja, a catequese é entendida num prisma novo: ir ao essencial da fé, formar as novas gerações numa perspetiva de experiência de fé e, sobretudo, de encontro alegre com o rosto de Jesus Cristo.
Acentua-se, assim, menos a dimensão formal ou curricular e valoriza-se mais a experiência pessoal da fé a que cada um é chamado. Estamos nessa fase de renovação, evidentemente um grande desafio para paróquias e dioceses. Nos próximos anos teremos de vencer esse desafio, mas julgo que os resultados, a prazo, serão muito positivos.
Claro que uma exigência maior é colocada, sobretudo, aos catequistas: é preciso atualizarem-se e estarem à altura deste desafio. Mas também a esse propósito é importante, nesta Semana da Educação Cristã, valorizar o imenso número de catequistas que temos no país. É, de facto, um grupo enorme de pessoas disponíveis para esta missão decisiva na vida da Igreja.
Destaco o muito de bom que têm feito e, sobretudo, a necessidade de os ajudar e acompanhar, diante do desafio que têm pela frente. Julgo que será uma tarefa importantíssima, que marcará o rosto do futuro da Igreja em Portugal: a formação das novas gerações.
Contamos muito com os catequistas e temos notado, nas ações de formação feitas nas várias dioceses do país, uma grande recetividade e adesão – até um certo entusiasmo – para encetar este caminho novo. E, portanto, só podemos ter esperança e boas expectativas.
Falamos de educação e de jovens… Há vários indicadores de problemas, nomeadamente ao nível da saúde mental: suicídio, dependências (jogos, ecrãs, álcool, droga)… Quer isto dizer que a sociedade está a falhar na educação dos mais novos?
Em primeiro lugar, há que reconhecer que existem algumas situações preocupantes. Muitos destes problemas — de adições várias e também de saúde mental — decorrem ainda do período difícil da pandemia e as consequências estão agora a manifestar-se.
De qualquer forma, julgo que é fundamental que, no âmbito da família, nas escolas, nos espaços educativos e também nas comunidades, exista acompanhamento próximo de cada criança, adolescente e jovem, sobretudo com capacidade de escuta e acolhimento. Se esse acompanhamento for feito, tenderão a diminuir alguns riscos.
A sociedade deve ter esta consciência. Não podemos ter um ambiente de facilitismo em muitas matérias e depois queixar-nos das consequências. Há aqui discursos e posturas um pouco hipócritas. É preciso acompanhar, estar consciente dos riscos e tomar medidas para preveni-los.
A esse propósito, por exemplo, as medidas de restrição do uso de telemóveis em vários âmbitos escolares poderão trazer bons resultados. Espero que a sociedade vá aprendendo e tomando as medidas que se impõem.
Por outro lado, é importante acrescentar algo fundamental: nós, Igreja, temos, em primeiro lugar, grande confiança nos mais jovens e, em segundo lugar, uma grande responsabilidade de estar sempre ao lado deles e ajudá-los, sobretudo nos momentos mais difíceis. É preciso assegurar-lhes que podem sempre contar com a Igreja, assim como a Igreja conta com eles. Julgo que é também importante que esta mensagem chegue aos mais jovens.
Voltando de novo à Semana da Educação Cristã: a Comissão Episcopal destaca na mensagem preparada para a iniciativa questões relacionadas com a Inteligência Artificial (IA). Quais são os riscos que mais o preocupam? Estarão os educadores suficientemente alerta?
Essa é uma temática, aliás, muito sensível ao Papa e que, de certo modo, o próprio mundo educativo começa a refletir.
As novas gerações vão ter ao seu dispor este instrumento que é a Inteligência Artificial. Como ferramenta, será útil em muitos aspetos, mas envolve também desafios e riscos. No que diz respeito à educação cristã, é fundamental não perder de vista o essencial: a pessoa humana, que deve estar sempre no centro, com todas as suas qualidades e potencial a desenvolver.
E, portanto, seria bom que a IA não significasse o comprometer, diminuir ou dispensar o desenvolvimento de capacidades que são fundamentais para que cada pessoa se desenvolva e seja feliz e, ao mesmo tempo, capaz de pôr ao serviço da sociedade tudo que de bom é capaz e só ela é capaz de fazer.
Esta articulação entre uma coisa e outra é fundamental. É uma temática que deve merecer, em primeiro lugar, atenção e, em segundo lugar, reflexão, para se compatibilizarem interesses e aspetos diversos. Esta é uma preocupação do Papa Leão e da Igreja.
Se soubermos aproveitar o que de bom a IA oferece e, ao mesmo tempo, cuidar dos riscos que acarreta, o resultado final será positivo.
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