
Programa Nacional de Vacinação protegeu logo no primeiro ano milhares de crianças
Portugal passou de um cenário dramático de doenças infecciosas a um dos países com menor mortalidade infantil no mundo, graças ao Programa Nacional de Vacinação, que só no primeiro ano permitiu proteger milhares de crianças da paralisia infantil.
A história do Programa Nacional de Vacinação, que celebra 60 anos no sábado, foi recordada em entrevista à Lusa pela antiga diretora-geral da Saúde Graça Freitas, que assumiu a responsabilidade do PNV quando entrou para a Direção-Geral da Saúde, em 1996, como chefe da Divisão de Doenças Transmissíveis.
“As vacinas foram de facto uma descoberta extraordinária para a humanidade”, disse a especialista de Saúde Pública, sublinhando que, depois do fornecimento de água potável, terão sido as vacinas que mais contribuíram para criar “saúde para todos e prevenir muitas doenças”.
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Recordou que, em 1965, um grupo de profissionais de saúde, sobretudo médicos, “percebeu que o estado da saúde em Portugal relacionado com doenças infecciosas [como a poliomielite] era desprimoroso em relação aos outros países da Europa”, numa altura que já havia vacinas para algumas dessas doenças.
A mortalidade infantil era muito elevada e havia doenças graves, sobretudo na infância, e o grupo de profissionais decidiu criar um programa nacional de vacinação.
Entre os pioneiros do PNV, destaca-se Maria Luísa Van Zeller, a primeira mulher diretora-geral da Saúde, “uma política e uma defensora da saúde materno-infantil muito importante”, que contou com o apoio de médicos como Arnaldo Sampaio.
“Foram muito inteligentes, esses pioneiros, porque estudaram profundamente como é que podiam fazer um programa acessível para todos, porque já se davam vacinas, sobretudo nos consultórios, mas como eles diziam, não chegava à população toda da cidade e dos campos”, contou.
O programa foi concebido com uma visão de saúde pública, pretendendo dar imunidade individual e coletiva.
Contudo, os problemas socioeconómicos da época e a escassez de médicos representavam um desafio. Como resposta, foi criado um esquema vacinal prescrito pela DGS, que permitia que as pessoas fossem vacinadas por enfermeiras.
“Foi uma coisa muito à frente e muito evoluída e permitiu o acesso à vacinação gratuita e universal“, enalteceu Graça Freitas.
O programa começou com seis vacinas, entre as quais a da poliomielite para a paralisia infantil e a vacina contra a varíola, que eram “doenças terríveis que matavam muita gente”.
Logo em 1965 fizeram “uma campanha brutal de vacinação” e num ano conseguiram administrar mais de três milhões de doses de vacinas contra a poliomielite a crianças até aos nove anos em Portugal, sendo o início do “grande sucesso” do PNV.
“Foi um programa que nasceu muito bem (…) e permitiu que as pessoas vissem no espaço de um ano desaparecer a poliomielite em Portugal”, realçou.
“Na década de 60 a esperança média de vida era de 60 anos. Hoje ultrapassa os 80”
Para a médica, foi “um exercício extraordinário” de juntar a ciência com a comunicação, com a formação, o acesso à aceitação da vacinação, que culminou com a adesão à vacinação que se manteve até aos dias de hoje, com mais de 98% das crianças vacinadas no primeiro ano de vida.
“Hoje, os pais que vão vacinar os filhos foram já todos vacinados. Há uma continuidade e uma participação social na vacinação que é de relevar”, frisou.
A melhoria refletiu-se em todos os indicadores de saúde. “Na década de 60 a esperança média de vida era de 60 anos. Hoje ultrapassa os 80”, o que se deve também à vacinação, que eliminou doenças, reduziu mortalidade e internamentos e evitou sofrimento e sequelas.
Segundo dados do INE, em 1960, Portugal registava uma taxa de mortalidade infantil de mais 76 óbitos por cada mil nados-vivos, um valor que desceu para cerca de três em 2024.
Graça Freitas contou que quando assumiu o PNV percebeu que havia potencial para crescer e impulsionou a criação de “comissões técnica de vacinação sólidas”, que permitiram introduzir novas vacinas, atualizar esquemas e reforçar a sustentabilidade do programa.
Referiu que cada vacina foi sempre analisada com extremo cuidado, tendo em conta custo-efetividade e impacto futuro, destacando o papel do Infarmed.
Graça Freitas deixou ainda uma homenagem a quem tornou possível o programa: “Devemos uma gratidão imensa aos enfermeiros, que foram quem garantiu o acesso universal à vacinação, e às famílias que, geração após geração, mantêm a confiança neste programa. É um projeto da sociedade para o bem da sociedade”.
Apesar dos avançou, a médica alertou que a vacinação não pode ser dada como adquirida: “As doenças não desapareceram, à exceção da varíola. Os vírus continuam a circular noutros países e podem regressar, sendo por isso fundamental manter elevadas taxas de cobertura e a confiança no programa”.
Ao olhar para o passado, Graça Freitas afirmou que foi “uma honra e um privilégio” fazer parte deste programa, que disse ter sido “o projeto da sua vida”.
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