
Trabalhadores Estrangeiros: O Esteio Insustentável do SNS
A dependência de médicos formados no estrangeiro tornou-se um pilar vital, porém frágil, do Serviço Nacional de Saúde. Enquanto a OCDE confirma esta tendência global, em Portugal a contratação internacional é a tábua de salvação para serviços à beira do colapso, mascarando uma crise profunda de atratividade e retenção de talentos nacionais
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O sistema de saúde nacional tornou-se progressivamente dependente de profissionais formados além-fronteiras para assegurar a prestação de cuidados, uma realidade que espelha uma tendência global mas que em Portugal assume contornos de urgência crítica. O relatório “Health at a Glance 2025” da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) confirma que a percentagem de médicos formados no estrangeiro a trabalhar em países membros não para de crescer, atingindo uma média de 20% em 2023, um salto significativo face aos 16% registados em 2010. Esta estatística reflete um mercado global de trabalho em saúde, mas também a incapacidade de vários países, Portugal incluído, em formar e reter os seus próprios profissionais.
Em território português, esta tendência é mais do que um número; é uma presença quotidiana e essencial para manter as portas dos hospitais e centros de saúde abertas. É frequente encontrar médicos oriundos de Espanha, Itália e de países de Leste, como Roménia ou Ucrânia, a assumirem funções críticas nas urgências, nos cuidados primários e em especialidades hospitalares com carências historicamente acentuadas, como anestesiologia, radiologia, medicina interna e ginecologia/obstetrícia. A sua chegada tem sido uma resposta direta aos vazios criados pela emigração de milhares de médicos e enfermeiros portugueses para outras paragens europeias, onde encontram melhores salários, condições de trabalho mais estáveis e maior reconhecimento profissional.
Um diretor clínico de um hospital do Algarve, região particularmente afetada pela sazonalidade e por assimetrias na distribuição de profissionais, que pediu anonimato, admitiu de forma clara: “Sem estes profissionais estrangeiros, vários serviços, particularmente nas urgências e no bloco operatório, teriam de reduzir drasticamente a sua atividade ou mesmo encerrar. Eles são, atualmente, a nossa primeira linha de defesa contra o colapso.” Esta declaração sublinha o papel crucial que estes trabalhadores desempenham na sustentação de um sistema sob tensão.
No entanto, a integração destes profissionais não é isenta de obstáculos. O processo de reconhecimento de qualificações estrangeiras, apesar de ter sido alvo de algumas simplificações, continua a ser um entrave burocrático significativo que pode demorar vários meses a ser ultrapassado. Este período de espera, durante o qual os médicos altamente qualificados estão impedidos de exercer, representa um desperdício de talento e um atraso na resposta às necessidades prementes dos serviços. Esta morosidade contrasta com a agilidade com que outros países da União Europeia recrutam ativamente os profissionais portugueses.
Perante esta realidade, a Ordem dos Médicos tem vindo a alertar consistentemente para a necessidade premente de criar condições atrativas para reter os profissionais portugueses, argumentando que a dependência externa, ainda que vital no curto prazo, não é uma estratégia sustentável a longo prazo. Os principais motivos apontados para a fuga de cérebros são a precariedade dos vínculos laborais – com um uso excessivo de contratos a termo e horários de trabalho desgastantes – e os salários pouco competitivos no sector público quando comparados com a média europeia.
Enquanto isso, os profissionais estrangeiros mostram-se, frequentemente, mais disponíveis para aceitar estas condições laborais que os seus colegas portugueses recusam. Muitos veem em Portugal uma porta de entrada para a União Europeia ou um destino com qualidade de vida, estando dispostos a uma flexibilidade inicial que os nacionais, confrontados com o custo de vida e expectativas de progressão na carreira, já não aceitam. Este fenómeno, embora preencha uma lacuna vital no presente, cria uma dinâmica de mercado de trabalho preocupante. A disponibilidade de uma mão-de-obra disposta a aceitar condições menos favoráveis pode, paradoxalmente, atuar como um fator de depressão salarial e de desincentivo à melhoria global das condições laborais para todos os profissionais do SNS, perpetuando um ciclo vicioso de insatisfação e emigração.
Em suma, os dados da OCDE espelham uma realidade incontornável: os trabalhadores de saúde estrangeiros são hoje o esteio que impede que partes do SNS desabem. Contudo, a sua contratação deve ser encarada como uma solução paliativa e transitória, e não como uma política de saúde estrutural. O desafio futuro para Portugal passará, inevitavelmente, por inverter o fluxo migratório, investindo decisivamente na valorização da carreira médica nacional, na estabilidade laboral e na criação de um ambiente de trabalho que inspire os seus melhores profissionais a construir o seu futuro no país que os formou. A alternativa é condenar o sistema a uma dependência eterna e arriscada de mão-de-obra externa, num mercado global cada vez mais competitivo.
Fonte: OCDE (2025), Health at a Glance 2025: OECD Indicators, OECD Publishing, Paris. https://doi.org/10.1787/8f9e3f98-en
NR/OCDE/HN
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