
Podemos ir buscar um treinador de futebol para Presidente da República. Por que não?
ONascer do SOL entrevistou Adalberto Campos Fernandes no mesmo dia em que foi divulgado um barómetro do DN/Aximage que coloca António José Seguro na quinta posição, com 9,6%.
Estamos perante um dos piores resultados do candidato que apoia, António José Seguro. Como se explica?
A pior coisa que podemos fazer é tentar explicar racionalmente o que não tem base racional. É um barómetro, que aparece todos os meses, e cuja densidade técnica é a que é. Não faço parte dos que dizem que as sondagens são boas quando são favoráveis e más quando são desfavoráveis. O que recomendo é que as sondagens, todas elas, sejam guardadas numa gaveta e que, no dia 18 de janeiro, à noite, se abra a gaveta e se estabeleça a ligação entre sondagens e barómetros e aquilo que vai ser a expressão do voto popular.
Ainda assim, sondagens e barómetros dão indicações que devem ser tidas em conta?
E são. Assistimos na democracia portuguesa a algo nunca visto: uma fragmentação enorme, em que as fronteiras e limites tradicionais entre a esquerda, a direita e o centro se perdem, e em que os eleitores procuram informação que lhes permita escolher o melhor perfil. Esse exercício de escolha está longe de estar fechado. Estamos a pouco mais de um mês do ato eleitoral e, pelo meio, vamos ter as festas de Natal, com uma pausa política. Acredito que a formação e decisão de voto vão ocorrer na campanha eleitoral. Nestas, como em nenhumas outras eleições, a campanha eleitoral será tão importante.
Recordo que já se dizia o mesmo acerca dos debates. Podemos admitir que têm baralhado o jogo, mas não parece que estejam a consolidar eleitorado. No que tem a ver com António José Seguro…
Vamos ver! Há muitos anos que acompanho a política e as eleições e habituei-me a ter muitas derrotas em sondagens e vitórias nas urnas, e vice-versa. O tempo político e o tempo histórico não são sobreponíveis, as realidades são diferentes. Na última maioria de António Costa, nenhuma sondagem apontava para uma maioria absoluta do PS.
No entanto, não é entre esses dois partidos que se decidem agora as presidenciais, sendo que AJS teria a vantagem de não ser um candidato tão comprometido com o âmago do sistema como Marques Mendes.
Estamos a ter uma conversa num tempo político que é muito diferente de todos os outros. Vamos à factualidade da análise, vamos ser muito concretos: o que é que temos pela frente na eleição presidencial? É um concurso de misses? É um concurso de popularidade? É um concurso para ver quem tem mais jeito para, em meia hora de televisão, ter a melhor performance? Não. Estamos a escolher quem vai servir como Chefe de Estado num dos momentos mais difíceis da vida pública, quer a nível interno, quer internacional. Esta ideia de que, de repente, a experiência política ou aquilo que é a cultura democrática e da vida dos partidos é dispensável, e de que o que precisamos é de uma espécie de aventura de alguém que nunca fez política, que descobre de forma até tardia uma vocação que se lhe desconhecia, ou do aventureirismo extremista que quer destruir o Estado pela ideia simples de que isso lhe rende popularidade e votos, ou da tentativa de fazer da chefia do Estado uma inserção de uma perspetiva liberal da sociedade que não conseguiu impor no plano partidário…
Identificamos Gouveia e Melo, Ventura e Cotrim. E Marques Mendes?
É um homem que, tal como AJS, dá garantias de segurança na experiência política. Tem provas dadas. O que distingue LMM de AJS? É que AJS não ficou dependente da política ao longo de toda a sua carreira. Ele disse, e bem, que saiu quando podia dividir e regressou quando sente que pode unir. Considero Marques Mendes um homem sério, capaz e com experiência política, mas há demasiado tempo ligado à vida pública, ao Estado, aos governos, às cumplicidades de natureza política.
E como é que se convence o eleitorado? Parece-me que a mensagem não está a passar.
Os portugueses que não vivem de debates, que não consomem votações e notas de comentadores, que, aliás, têm critérios completamente aleatórios. Sou professor e dou notas a partir de uma grelha de critérios, o que acontece na avaliação dos comentadores é muito interessante. Eu próprio estou sempre a ver, gosto de ver a dinâmica e a perspetiva de quem interpreta meia hora. Mas o povo, as gentes do Portugal profundo…
Gosta do Almirante?
Não sei! Isso é uma narrativa que foi montada. O povo gosta dos médicos e dos enfermeiros que, na pandemia, ficaram dias e noites sem dormir, em sacrifício, e que foram verdadeiramente os heróis. Quem liderou a luta contra a pandemia foram os profissionais de saúde. Liderar um país não é liderar um submarino ou a Armada. Estamos a falar de liderança política.
Podemos ir buscar um treinador de futebol para Presidente da República, por que não? Ou um chef de cozinha? Podemos ir buscar qualquer coisa. Mas o que é a liderança? Faço parte de uma geração que viveu a transição do 25 de Abril para o PREC e sei a importância que Mário Soares teve na libertação do país da ditadura e na construção da democracia. Faz-me impressão que alguém que chega agora à política, pela direita, pela ideia de um certo autoritarismo, se identifique com o maior líder fundador da democracia portuguesa.
Refere-se à ligação que Gouveia e Melo estabeleceu com Mário Soares e com o General Ramalho Eanes. Mas voltemos a LMM e AJS. Marques Mendes é um homem profundamente enredado numa teia de interesses…
Mas um homem sério.
E AJS é alguém que fez uma espécie de detox político…
Qual é a vantagem competitiva? É isso que me vai perguntar? Por que é que alguém há de votar num ou noutro?
Não. Agora a minha pergunta é outra, por que é que Marques Mendes tem vantagem?
Talvez porque tenha 10 ou 15 anos de televisão, o que dá uma notoriedade que tem muito valor, é indiscutível. Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito sem fazer campanha. A exposição mediática semanal de LMM fez dele uma espécie de visita de casa ao domingo à noite, abríamos a porta e recebíamos LMM, que nos trazia as notícias. Mas vamos falar de outra coisa: por que é que, entre LMM e AJS, acho que Seguro serve hoje muito melhor o país? Ele tem características de integridade, de distanciamento, de desprendimento. Não depende do regime nem do sistema. Vem para ajudar o regime e o sistema, não renega os partidos, foi secretário-geral de um partido. E depois é um homem simples, que vem do povo para a política.
A simplicidade do homem do povo que vem para a política também foi uma característica de Salazar. A simplicidade assusta-me um bocado…
Acha um defeito ser simples?
Não. Temos LMM apoiado pelo partido do Governo, com uma quantidade conspícua de anticorpos. Mas, no caso de AJS, o problema acentua-se devido a um PS fragmentado, a que falta o cimento do poder, com uma liderança em afirmação. Porque é que José Luís Carneiro não apoiou AJS quando foi eleito secretário-geral?
Ele disse, com frontalidade e seriedade, que não o faria antes do combate autárquico e que levaria a questão à primeira Comissão Política Nacional. E assim fez. E, recentemente, fez uma declaração efusiva e entusiástica de apoio. Vamos por partes: quando um partido está no poder, tem o ‘cimento’ que une a militância muito mais do que os simpatizantes. Não há dúvida de que LMM tem consigo a máquina do PSD, o que não é um problema, é natural. Também sabemos que dois líderes, pelo menos, e um deles foi primeiro-ministro, estão com outros candidatos: Rui Rio, com Gouveia e Melo, e Pedro Passos Coelho ainda não se manifestou. Disse, aliás, que não se sentia obrigado a votar em Marques Mendes. Mas os partidos são assim: casas de liberdade onde a lealdade militante se cruza com a liberdade individual. AJS, ao contrário do que tentaram fazer crer, nunca renegou a sua história e o seu passado. Foi criado na juventude partidária, foi líder da Juventude Socialista, secretário-geral, eurodeputado, governante. Decidiu afastar-se num determinado momento, mas é um homem do partido.
Foi afastado porque, a dado momento, colocou a possibilidade, respondendo ao desafio do então Presidente Cavaco Silva, de um acordo tripartido durante o período da troika?
Isso não é rigorosamente verdade.
Seguro assume que houve negociações.
E isso é negativo? Deixe-me falar sobre isso. Para quem viveu esse momento, e para quem testemunhou as dificuldades do país na altura, custa ouvir dizer que um homem, num momento de crise da soberania nacional, quando o país estava nas mãos dos credores, optou por ser patriota…
Por se aliar à direita?
Por ser patriota, não por se aliar à direita. Por ser patriota, mesmo que isso lhe tivesse custado a incompreensão..
Do seu próprio partido?
Eu dir-lhe-ia, porque conheço AJS, que, se a situação se colocasse hoje, ele faria exatamente o mesmo. É por isso que entendo que tem autoridade política para servir o país. Há momentos da história coletiva em que é preciso escolher um lado, e Seguro escolheu ser patriota. Vir cobrar 15 anos depois…
Essa cobrança faz sentido quando precisa dos votos da esquerda. Mas até que ponto é que a pulverização dos votos, e não a polarização, pode afetar AJS?
Temos neste momento um desequilíbrio institucional, e esta ideia de desvalorizar a questão dos ovos e dos cestos é perigosa. Os regimes democráticos precisam de contrapoderes, de equilíbrio. Quando temos a hegemonia de um poder, o poder absoluto corrói ainda mais, se não no sentido material, certamente no sentido ético…
…e Marques Mendes na Presidência corresponderia a esse poder absoluto?
A política é perceção… não estou a pôr em causa a seriedade do candidato. A esquerda, moderada ou mais à esquerda, tem de perceber uma coisa simples: ou encontra uma referência política no quadro institucional que a faça recuperar algum protagonismo e perspetiva ideológica, ou corre o risco de desaparecer do espaço de poder durante décadas.
Acha que AJS é a derradeira possibilidade da esquerda nesta altura?
Não diga derradeira, não sou fatalista, nem dramático. E a política muda muito. Há um mês estaríamos a falar de um governo a surfar uma onda de paz social e popularidade, e agora temos uma greve geral inusitada…
…com a The Economist a proporcionar uma onda gigante para o Governo surfar.
O pastel de nata é doce, mas sabe que, em economia, os efeitos não são instantâneos, são de arrastamento. E muitos dos que criticaram os governos do PS por serem exigentes na política orçamental, e por terem deixado a este governo um enorme excedente, agora fazem de conta que a festa do pastel de nata é instantânea. Não, o pastel de nata entrou no forno há muito tempo. E hoje já todos se esqueceram do papel de Mário Centeno no equilíbrio das contas públicas.
O que AJS tem de reforçar e o que tem de deixar cair para se afirmar como referência num campo ideológico difuso?
Vou dar-lhe uma lista generosa de fatores: AJS tem de ser como é. Não se pode transfigurar. E, quando digo que é um homem simples, quero dizer que não é um produto de marketing, não é criador de uma ideia messiânica para a chefia do Estado. Não está envolvido nas bolhas e micro-bolhas do Estado e do país. Ele é como é, e está bem nas ruas com as pessoas, as pessoas gostam dele. Os debates são muito trabalhados e há pessoas com génio televisivo, capazes de se afirmar de forma mais poderosa. Mas não é isso que determina o resultado eleitoral.
A passagem à segunda volta de AJS passa pelas ruas?
Passa pelo contacto com o povo, e depois pelo exame de consciência de muitos cidadãos, socialistas, sociais-democratas, comunistas, democrata-cristãos, que reflitam verdadeiramente sobre a importância de uma chefia de Estado serena, tranquila, que não esteja comprometida com uma excessiva concentração de poderes, seja política, seja económica.
António Costa não o surpreendeu quando, publicamente, fez algo parecido com o que fez Passos Coelho e deixou em aberto o apoio a um candidato presidencial?
António Costa nunca se pronunciou sobre o assunto. Recentemente disse que, como presidente do Conselho Europeu, só pode participar em campanhas eleitorais europeias. Mas disse também algo com alguma piada, quando lhe perguntaram se iria votar, respondeu: ‘Seguramente’.
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