
Jorge Pinto joga em todos os cenários: admite esquerda a falhar segunda volta e “possibilidade” de ter dois candidatos
Aos 38 anos, Jorge Pinto surge como o mais novo dos candidatos na corrida às eleições presidenciais de janeiro e mantém todos os cenários em aberto. Em entrevista à Renascença, o deputado do Livre admite mesmo a “possibilidade” de a esquerda ter dois candidatos na segunda volta ou não ter nenhum. Caso aconteça esta última hipótese, lava daí as mãos e não assume uma eventual culpa pela pulverização de candidaturas na sua área ideológica.
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Engenheiro ambiental, Jorge Pinto está numa pausa sabática do seu trabalho nas instituições europeias em Bruxelas, é deputado e defende que a Assembleia da República devia retomar o processo de referendo à regionalização. Como candidato a Belém propõe mesmo criar uma assembleia cidadã para dar o pontapé de saída na discussão.
Nesta entrevista, Jorge Pinto assume que a morte medicamente assistida é um tema “sensível”, mas defende a despenalização da prática da eutanásia. Com o atual diploma por regulamentar, o candidato presidencial acusa o Governo de “boicote” ao manter a lei na gaveta.
Autor de Banda Desenhada, Jorge Pinto defende que o país vive ainda na Segunda República e que o Estado Novo não pode ser considerado como tal, recusando assim a tese do líder do Chega, André Ventura, que tem defendido a rutura do atual sistema político para dar início à Quarta República.
Marcelo Rebelo de Sousa, ao longo do mandato como Presidente da República (PR), teve vários episódios hospitalares. Acha que devia ser obrigatório, ou pelo menos ter como princípio, que os candidatos à Presidência da República apresentem relatórios de saúde ou isso é do foro privado?
Parece-me que isso é uma questão do foro privado, não acho que deva haver uma obrigação legal de o PR ter de reportar o seu estado de saúde.
É um debate recorrente, por exemplo, na América.
Sim e noutros países, por exemplo, em França, onde François Mitterrand também durante longos anos conseguiu não mostrar publicamente a sua condição de doença e isso não implicou de modo algum que ele tivesse uma limitação na sua ação enquanto Presidente. Aquilo que me parece claro é que quem seja PR ou quem esteja a desempenhar um outro cargo, tenha de conseguir estar com uma condição de saúde que lhe permita desempenhar esse cargo. Felizmente, Marcelo Rebelo de Sousa, apesar desses episódios que referiu, conseguiu desempenhar esse cargo.
Não é relevante haver mais transparência?
Não, acho que a transparência deve ser dada sempre que for relevante, se não for relevante, como muitas vezes não é, pode tratar-se de voyeurismo, e acho que isso é dispensável na política e, certamente, dispensável na função também de PR.
O que é que um engenheiro ambiental com doutoramento em filosofia social e política, que já viveu em países como a Índia, a Lituânia, a França ou a Itália, tem para dar à Presidência da República?
Precisamente, essa experiência de ter visto o país desde o seu interior, venho de Amarante, e desde fora, de ter passado nesses países todos, durante 15 anos e, em nenhum deles, ter visto algo onde eles fossem os melhores e que eu não achasse que Portugal pudesse ser também. A minha vontade de regressar ao país, e regressei para assumir o cargo de deputado à Assembleia da República, foi precisamente porque, vendo Portugal de fora, acredito que é possível mudá-lo para melhor. A minha candidatura a PR é exatamente nesse seguimento, é de alguém que conhece bem o país, conhece bem as diferentes realidades do país, conhece bem a diáspora, conhece bem o país visto desde fora e que, precisamente por isso, é muito ambicioso para Portugal. Estou muito farto deste mais do mesmo, de andarmos aqui a tentar seguir outros e fazer o nosso caminho acompanhando outros e eu quero que Portugal comece a liderar o caminho dentro da União Europeia e comece a fazê-lo, desde logo, internamente, comece a fazê-lo com políticas como, por exemplo, a regionalização. Desde logo, porque ela é uma obrigação constitucional que continua por cumprir.
Até agora, tivemos um Presidente da República que é muito avesso a essa ideia e um primeiro-ministro que, logo como líder da oposição, se opôs a esse processo.
Isso é um problema, porque, quem ganhar as eleições em 2026 vai fazer um juramento e nesse juramento, tal como está escrito na Constituição, promete defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição. Para mim, fazer cumprir a Constituição é avançar com aquilo que ela tem escrito e ela tem escrito que devemos avançar com as regiões administrativas. Não é um PR que vai obrigar a que o referendo aconteça…
Tem de haver uma proposta do Parlamento.
Tem de haver e o referendo é obrigatório no que diz respeito à regionalização. Aquilo que apresento é uma proposta muito clara de envolvimento da cidadania nesta temática que é boa para eles e é boa para o país. Vou organizar uma assembleia cidadã dedicada exclusivamente à regionalização, para que as pessoas possam debater com todo o tempo, com todo os meios, com apoio até jurídico e técnico por parte do Estado que possa ajudar nessa reflexão, que regiões administrativas é que queremos, quais é que fazem sentido, que competências é que estas regiões devem ter, em que moldes. Depois, quando se chegar à fase do referendo, a discussão já estará feita, porque uma das grandes razões do falhanço do referendo de 98 foi exatamente essa, foi uma discussão que foi feita ao arrepio da cidadania.
Aí é que o PR pode entrar, mobilizar as pessoas, envolver as pessoas.
E já pensou na pergunta a ser feita?
A pergunta ou as perguntas podem ser feitas nos moldes em que foram feitas em 98. Aquilo que nós temos de ser claros é dizer, “afinal, que regiões é que temos?” Eu tenho uma posição, acho que as NUTS 2, portanto, as regiões da nomenclatura da União Europeia, tal como temos agora, é um excelente ponto de partida. Não sei se é ponto de chegada, é isso também que eu quero ouvir os portugueses. Em relação às competências, também aqui há visões muito diferentes. Nós podemos ter um modelo como o belga, em que as regiões têm um poder muito, muito grande. Podemos ter, como em Espanha, regiões que têm entre elas poderes diferentes. Não estou a dizer que é a minha posição, mas estou a dizer que pode estar em cima da mesa. Há regiões em Espanha, por exemplo, que têm uma força policial própria, outras que não têm. Há regiões que têm uma certa autonomia fiscal, outras que não têm. Não acho que, para o nosso modelo, devamos ir por esse caminho, o que quero dizer é que há muitas maneiras de fazer a regionalização.
Diz que gostava de ser a surpresa da noite eleitoral de 18 de janeiro. O que é que isso quer dizer? Ir à segunda volta?
São muitas coisas. Parti de um ponto de partida muito diferente dos outros candidatos, ao nível de notoriedade, ao nível até de anos de experiência política. Há boas surpresas a acontecer na política portuguesa e nós não precisamos de ter ascensões meteóricas apenas daqueles que querem até acabar com a República, que querem trazer para a política um discurso de ódio, um discurso de violência, um discurso de agressão. Aquilo que eu quero com a minha campanha é fazer o oposto e é com esse oposto, com essa política de empatia, com esta maneira construtiva, pausada de estar na política, ser uma boa surpresa.
António Filipe, outro candidato à Presidência da República, apoiado pelo Partido Comunista Português, dizia aqui também neste estúdio, que a segunda volta sem ele não existe. Consegue dizer a mesma coisa?
Não consigo dizer. A segunda volta vai sempre existir, esteja lá eu ou esteja lá outro candidato. Vim para esta eleição com a missão muito clara de afirmar uma visão de uma esquerda progressista, regionalista e cosmopolita que fala diretamente aos portugueses todos. Uma esquerda que não se deixa estar ou não se considera como estando numa gaveta, mas sim numa janela a partir da qual falamos a todos. Quero muito falar com as pessoas que já votaram no Chega ou que pensam votar em André Ventura. Percebo essa desilusão, mas não acho que essa desilusão deva ser usada contra os seus próprios interesses, que quero que essa desilusão sirva para apoiar quem os percebe, quem os ouve e quem acredita que é possível envolvê-los num novo Portugal. Quero ser essa pessoa. Sei falar a linguagem dessas pessoas, porque as conheço, porque vivo com elas.
Se a esquerda falhar a segunda volta, a surpresa desfaz-se, não é? Não existe surpresa nenhuma, nem existe um bom resultado.
Estamos num cenário eleitoral como há muitos anos não víamos em Portugal, com uma percentagem de eleitores indecisos muito grande e, sobretudo, com uma parte do eleitorado que acha que já está convencida em quem é que vai votar, mas que continua a dizer-se disponível para mudar o seu sentido de voto dependendo dos debates. Estes debates estão a ter uma atenção mediática como nunca aconteceu em Portugal, estão todos a ser transmitidos em canais de sinal aberto e todos em horário nobre.
Faça um esforço de pensar num cenário em que a esquerda não está numa segunda volta. Isso é dramático para o posicionamento ideológico de uma parte do eleitorado?
O que nós temos de ser capazes é de, cada um, com a sua visão distintiva, ativar o seu eleitorado e convencer o seu eleitorado. Se a esquerda não está nas sondagens na segunda volta, não é certamente por mim, até porque em várias sondagens que surgiram e onde a esquerda não estava na segunda volta, eu ainda não era sequer candidato.
A culpa seria de António José Seguro?
Não estou aqui para atribuir culpas a ninguém, estou aqui para falar daquilo que é a minha campanha. Vim para falar àqueles eleitores que continuavam órfãos por não se reverem em nenhuma das candidaturas que já estavam anunciadas.
Mas tem uma opinião sobre essa possibilidade.
É uma possibilidade, evidentemente, como é uma possibilidade termos duas candidaturas de esquerda. Nesta fase estamos ainda a demonstrar aos portugueses porque é que o nosso projeto para a Presidência da República é importante. Da minha parte, tenho sido o mais claro possível. Aliás, até tenho sido acusado por excesso de clareza. Não quero ser uma surpresa, que depois pode ser boa ou pode ser má, depois da eleição. Da minha parte, em questões como a revisão constitucional, como a posse a um eventual vencedor das eleições legislativas, em questões como a regionalização, tenho sido o mais claro possível.
O mandato do PR é de cinco anos. Acha que devia ter, por exemplo, sete anos e ser único, como já chegou a defender Marcelo Rebelo de Sousa, numa outra campanha eleitoral presidencial?
Acho que é uma discussão legítima. Da minha parte, e uma vez mais com toda a clareza, acho que este modelo de dois mandatos consecutivos, em que o Presidente pode fazer três mandatos, desde que não consecutivos, é um modelo indicado porque permite, apesar de tudo, uma certa ponderação e permite, em caso de reeleição, como tem acontecido no nosso país, termos durante dez anos uma certa estabilidade na Presidência da República, que depois, pode ou não, transmitir-se em estabilidade ao nível da Assembleia da República e a nível governativo. Concordo com este modelo de duas vezes cinco anos consecutivos, no máximo.
O ano passado, o atual Presidente da República decidiu reenviar para a Assembleia da República um diploma que permitia a escolha de um nome, sem que este tivesse de ser identificado como sexo masculino ou feminino, também vetou o diploma sobre as medidas a adotar pelas escolas para a implementação da lei que estabelece a autodeterminação da identidade e expressão de género, se fosse eleito Presidente da República, teria travado esta lei, ou de todo não?
Não, porque as coisas mudam e, infelizmente, as coisas vão mudando para melhor, e aquilo que nós estamos a falar é de crianças e menores jovens que são vítimas de uma agressão diária e quotidiana, precisamente por não se conseguirem afirmar enquanto aquilo que são na verdade e aquilo que são e sabem que são no seu dia-a-dia. Isto é de uma violência atroz para com estas crianças que dizemos sempre que queremos proteger e que devemos e temos a obrigação de proteger até como obrigação constitucional. Essa proteção passa por garantir que estas crianças, estes jovens podem ser quem são, efetivamente e se podemos regulamentar a lei devemos fazê-lo. Acho que essa proteção não foi assegurada com esse veto, é a minha opinião. Porque acredito mesmo que estas crianças e estes jovens precisam de ser protegidos.
No atual Parlamento não há condições para voltar a este tema, teoricamente. Esta agenda foi um dos erros da esquerda nas últimas legislaturas e a esquerda está a pagar por lançar temas que não respondem aos problemas da maioria das pessoas?
Não concordo com essa leitura, de todo. Vejamos o exemplo do novo presidente da Câmara de Nova Iorque. Não foi por ter trazido essas questões sociais ou culturais para o debate que deixou de trazer a questão do custo de vida. As duas coisas estão interligadas e a esquerda, certamente cometeu erros, uma esquerda que passou de uma hegemonia parlamentar para uma posição minoritária.
Quais é que foram esses erros que tem identificados?
Muitos erros. Se calhar, um afastamento das ruas, não um afastamento das temáticas, mas das ruas. Depois, uma concorrência desleal que é importante começar a desmascarar, que é a concorrência do mundo digital. Estamos num momento da nossa vida coletiva onde temos empresas privadas que têm conhecimento sobre nós próprios, têm dados sobre todos nós, que nunca nenhum Estado sequer sonhou ter.
Isso não mostra uma inaptidão da esquerda em comunicar?
Poderá também acontecer, mas aquilo que tenho alertado é para o conhecimento que empresas como o Facebook, a Meta, o Instagram, o TikTok, têm sobre nós próprios. Nunca nenhum Estado sonhou sequer ter esta informação sobre nós. Nunca nós, enquanto cidadãos, autorizaríamos que um Estado tivesse toda esta informação sobre nós e a usasse contra nós próprios ou para nos influenciar. E acho que tem de haver uma regulamentação muito clara destes algoritmos. Dir-me-á, ‘um PR não legislar, esta regulamentação não pode ser apenas a nível nacional’. Concordo com as duas coisas, mas vou contrapor e vou dizer que o Presidente Jorge Sampaio criou aquilo que ficou conhecido como o Grupo de Arraiolos, que junta Presidentes da República europeus sem poderes executivos. Esse grupo pode e deve, e aliás até o tem feito, discutir essas questões tecnológicas, estas questões de como é que esta transformação tecnológica vai impactar o nosso dia a dia. Quero que essa discussão seja alargada à cidadania e que depois de haver essa discussão com os portugueses, e isso sim é uma possibilidade e é uma obrigação até de um PR, ela se possa traduzir em iniciativas legislativas, tanto a nível nacional como a nível europeu. Caso contrário estamos a criar uma nova geração pelo ódio.
Isso significa limitar acessos a redes sociais?
Regulamentar e, sobretudo, saber o que é que está por detrás dos algoritmos que favorecem esta violência. Tenho recebido muitas mensagens de pais e de mães de pré-adolescentes que me dizem que não sabem o que hão de fazer, porque têm os filhos a chegar a casa a cantar canções racistas, com comentários xenófobos. Dizem-me que eles nunca ouviram isto em casa e isto está a vir de algum lado. Está a vir precisamente dos telemóveis, das redes sociais.
E aí o que é que se podia fazer?
Desde logo, temos de perceber o que é que está por trás destes algoritmos, temos de perceber como é que uma criança, quando liga o seu telemóvel, aquilo que vai ver é imediatamente um conteúdo de violência. Porque é que é esse conteúdo que lhe aparece regularmente nas suas redes sociais? Porque é que eu sempre que abro as minhas redes sociais sou sempre confrontado com conteúdo da extrema-direita e conteúdo violento? Tem de haver alguma explicação no próprio algoritmo, portanto, é essencial que haja essa transparência.
Neste momento, o Governo tem na gaveta a lei de despenalização da morte medicamente assistida, que está por regulamentar. O Parlamento deve ser chamado a expurgar as normas que foram declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional e o que é que Jorge Pinto faria se fosse eleito Presidente da República?
Começo com duas notas prévias em relação ao assunto. A primeira é que defendo a dignidade na morte, da mesma maneira que defendo que todos possamos ser dignos e viver dignamente durante toda a nossa vida. Defendo que, quem queira viver e morrer dignamente, sobretudo, quem queira morrer dignamente, o possa fazer. Acho que a morte medicamente assistida e a eutanásia devem ser uma realidade. A segunda nota prévia é que percebo a sensibilidade do tema e um Presidente da República tem de assegurar que não há qualquer dúvida legislativa, constitucional em relação a este diploma, que é um diploma sensível. Aquilo que aconteceu, e esse “ping-pong” que permita uma expressão entre Assembleia da República, Presidente da República e Tribunal Constitucional, já aconteceu, o Tribunal Constitucional indicou os pontos que deveriam ser corrigidos, eles foram sendo corrigidos. Aquilo que não pode acontecer agora é um boicote por parte do Governo ao não regulamentar uma lei que já existe. Isso é que me parece ser insustentável.
Pior do que isso, para o Livre e para o candidato presidencial Jorge Pinto, seria a revogação da lei, que o Governo também pode fazê-lo?
A minha posição é a de que o Governo deve regulamentar a lei para que ela se torne realidade, tendo já sido esclarecidos os problemas ou as dúvidas que o Tribunal Constitucional levantou. Portanto, acho que não a regulamentar é um desserviço que se faz ao país e aos portugueses.
Imagine o cenário em que a NATO pede a Portugal para intervir na fronteira com a Ucrânia, por exemplo, para ajudar a Polónia no reforço de proteção de fronteira com a Bielorrússia, mesmo sendo uma força de manutenção de paz. Se fosse eleito PR que posição teria?
Não podemos falar com leviandade do envio de tropas portuguesas para qualquer cenário de guerra, é sempre uma questão sensível, complexa e que devemos sempre ter em cima da mesa. Uma coisa é uma missão de paz, outra coisa é uma missão de guerra. Portugal já tem muitos soldados destacados em missões de paz por esse mundo fora e ainda bem que assim é. Tenho muito orgulho quando vejo tropas portuguesas em missões das Nações Unidas para assegurar a paz em diferentes partes do planeta. No que diz respeito à Europa, os próximos 5 anos vão ser determinantes para o nosso futuro até ao nível da Defesa. Quero é que, quando falemos de Defesa não falemos apenas de Defesa militar. Uma coisa é nós falarmos da necessidade de produzir mais munições, mas, talvez mais importante ainda, é assegurarmos a proteção dos cabos transatlânticos que passam por Portugal. Que falemos, por exemplo, da descentralização do nosso sistema energético e desde logo do nosso sistema elétrico. Na Ucrânia, um dos principais alvos são as grandes centrais de produção elétrica porque é fácil destruir um desses postos e depois fica uma parte do país sem abastecimento. Aquilo que quero é que haja planeamento, preparação e prontidão do país para dar resposta a fenómenos extremos, seja ele o apagão, seja ele um cenário de guerra e isto passa, por exemplo, por desenvolver e apoiar a criação de comunidades de energia renovável descentralizadas porque aí sim, em caso de ataque, também aí estamos mais resilientes.
Não quer botas no terreno, é isso?
Vou lá chegar. Esta questão da preparação pela União Europeia de reservas de alimentos, de medicamentos, bens essenciais, será que o Estado português está a dar resposta a isso? Isso também é pensar em defesa. Será que está a dar resposta a esta questão da guerra híbrida? Aquilo que eu acredito, é que a Europa deve estar mais unida quando fala de Defesa. O envio de tropas ou não, isso depende sempre. Temos compromissos históricos, é evidente. Não devemos falar com leviandade do envio de tropas, não devemos esquecer aquilo que deve ser a nossa obrigação principal quando falamos de política internacional, que é a defesa da paz e a promoção da paz.
Uma última pergunta, tem livros editados de Banda Desenhada, como é que contaria a história da Presidência da República nos últimos 10 anos?
Comecei a escrever, não a nossa Segunda República, mas comecei umas notas para contar a história da Primeira República em Banda Desenhada, talvez um dia, quando tiver mais tempo, o consiga desenvolver. A política faz-se desta história que fomos tendo nos últimos 10 anos e são 10 anos em que parece que passaram décadas, politicamente falando. Como é que passámos de uma Geringonça para uma maioria absoluta do PS, para a realidade parlamentar que temos agora, neste curtíssimo intervalo de tempo, num país onde durante décadas dissemos que o nosso regime, os nossos partidos eram extremamente estáveis e fixos? Temos vários novos partidos ou partidos recentes que estão agora na Assembleia da República, o Livre, a Iniciativa Liberal, o JPP, o PAN.
O Chega.
Evidentemente. Esta história é uma história sem fim. Fiz a tese de doutoramento sobre a ideia republicana de liberdade, portanto, a ideia de República interessa-me muito. Se há algo que os republicanos sabem desde a Antiguidade é que as repúblicas nascem, vivem e morrem e aquilo que compete aos republicanos ou àqueles que querem defender a República é evitar a sua morte ou a sua morte precoce. Quero muito que a nossa segunda República, que tem 50 anos, tenha pelo menos outros 50, outros 100, outros 200.
Acha que estamos a caminhar para a Quarta República desejada por André Ventura?
Discordo daqueles que acham que já estamos na terceira República. Para mim, nem a ditadura militar, nem o Estado Novo foram República, acho que estamos na segunda República, depois da primeira República e do longo interregno de 48 anos de Estado Novo e Ditadura Militar, aquilo que me parece, é que a nossa República funciona, a divisão de poderes que temos, o nosso semi-presidencialismo, os poderes consagrados à Assembleia da República, ao PR, ao Governo, aos tribunais, funcionam. Quanto mais olho para outros países mais acho que o nosso sistema é bom. Aquilo que precisamos é de políticos à altura, cidadania vigilante e dar resposta às pessoas. Aí entra o PR, quero usar a magistratura de mobilização. O PR pode e deve influenciar a política aplicada. Quero ser esse PR, que não condiciona partidos políticos e a Assembleia da República, mas que mobiliza a cidadania.
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