
Dor crónica nos Cuidados de Saúde Primários
A Dor crónica é um dos maiores desafios na consulta em Cuidados de Saúde Primários. A frequência elevada desta entidade clínica está bem estabelecida e é esclarecedora do peso desta patologia no dia a dia de um Médico de Família.
Com uma prevalência de 33,6%, a Dor é um dos motivos mais frequentemente abordados em consulta (1). Ainda assim, 37% destes doentes não vê a sua dor controlada, o que se traduz diretamente numa diminuição da sua capacidade funcional e qualidade de vida, com principal impacto no sono, humor, atividade física, profissional, vida familiar e vida social (2).
Como tal, é possível compreender a importância que o utente atribui a este problema. A Dor interfere em todas as esferas da sua vida, limitando as suas atividades diárias, sendo que lhe é frequentemente atribuído um peso superior a todos os outros problemas de saúde que o doente possa ter.
Melhorar a qualidade de vida dos doentes que sofrem de Dor crónica é fundamental. O Médico de Família é o que melhor conhece a história e o contexto dos doentes, desempenhando um papel central no seu seguimento. A abordagem holística é essencial, sendo que o acompanhamento longitudinal que tanto caracteriza a especialidade é fundamental para conseguir implementar esta abordagem.
No entanto, tendo em conta os números apresentados, parece haver obstáculos a esta gestão. Várias explicações têm sido dadas para justificar este facto, que vão para além das relacionadas com a dificuldade que é tratar a Dor em si mesma – a qual muitas vezes é acompanhada pela ausência de alterações físicas, estando modulada pela esfera biopsicossocial do doente.
A avaliação e abordagem holística dos doentes com Dor crónica numa consulta é morosa e a maioria dos doentes tem outras comorbilidades que necessitam igualmente de avaliação, sendo muitas vezes confrontada a agenda do utente e a do médico. Para além disso, muitos profissionais referem a falta de capacitação na área da Dor crónica como uma das principais barreiras ao adequado acompanhamento dos seus doentes. Embora existam Unidades de Dor distribuídas pelas diferentes unidades hospitalares, tendo em conta a grande prevalência de pessoas com Dor crónica, a maioria destes são acompanhados pelos seus Médicos de Família, sendo fundamental a capacitação destes profissionais para esta temática.
Perante estes desafios, existem várias estratégias implementadas que atuam como agentes de mudança na gestão da Dor crónica na população. Em diferentes unidades de saúde, estão implementadas consultas organizadas dirigidas aos doentes com Dor crónica, envolvendo não só os médicos como também enfermeiros e restante equipa de saúde, privilegiando o tempo dedicado à avaliação e gestão individual do doente com Dor (3). Para além disso, existem grupos de trabalho que se dedicam ao estudo da Dor e à promoção da capacitação dos Médicos de Família na área da Dor Crónica, como é o caso do Grupo de Estudos de Dor da APMGF.
Ainda assim, a integração de cuidados é fundamental. A ligação entre cuidados de saúde primários e secundários é essencial na abordagem destes doentes, não só nos casos que beneficiam de terapêuticas mais diferenciadas, mas também nas situações em que a multidisciplinaridade é imprescindível para abranger todos os componentes do doente com Dor. O suporte psicológico, emocional, espiritual e social vão muito além dos cuidados médicos. No entanto, o Médico de Família é aquele que está numa posição privilegiada para acompanhar o doente neste percurso.
Bibliografia:
(1). Antunes F, Pereira RM, Afonso V, Tinoco R. Prevalence and Characteristics of Chronic Pain Among Patients in Portuguese Primary Care Units. Pain Ther. 2021 Aug 28;10:1427–37.
(2). Azevedo LF, Costa-Pereira A, Mendonça L, Dias CC, Castro-Lopes JM. Epidemiology of Chronic Pain: A Population-Based Nationwide Study on Its Prevalence, Characteristics and Associated Disability in Portugal. J Pain. 2012 Aug;13(8):773–83.
(3). Pedrosa B, Martins M, Santos C. Uncontrolled chronic pain: can a pain consultation in primary care be a solution?. Rev Port Med Geral Fam. 2024 Nov; 40(5):521-3.






