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Pacto para a Justiça? “Os pactos são para distrair”, “as coisas têm de ser feitas no dia a dia”

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Enquanto não houver meios, não haverá melhorias na Justiça e não vale a pena pensar em “reformas estruturais” ou “pactos”, diz à Renascença o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM), Azevedo Mendes.

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“Os pactos são como os inquéritos, quando tudo corre mal faz-se um inquérito. Quando algo corre mal, a tendência é para distrair, faz-se um pacto. As coisas têm de ser feitas responsavelmente, no dia a dia, com os meios que existem, e fazer paulatinamente as mudanças que garantam mais qualidade no sistema. Todos sabemos quais são [as mudanças necessárias].”

Numa altura em que são muitas as vozes que apelam a uma reforma na Justiça, Azevedo Mendes afirma que “se quiserem fazer reformas estruturais, façam-nas com pés e cabeça, mas enquanto não houver essas reformas, por favor, dêem-nos os meios para conseguirmos melhorias significativas no dia a dia”.

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“Quando essas melhorias forem conseguidas, chegaremos à conclusão que afinal não precisamos de uma reforma estrutural”, acrescenta

O responsável pelo órgão de gestão dos juízes portugueses afirma que o caso português é elogiado e reconhecido: “Cooperamos com Norte de África, Balcãs, países nórdicos, em acções de formação, reconhecem que o nosso sistema é bom. Dentro do mal, o nosso sistema é muito melhor que outros”, e é com desconforto que diz: “Temos uma capacidade de melhorar o dia a dia que não é reconhecida.”

“Todos conseguimos fazer um draft (rascunho) de como reformar o sistema. Depois, quem vai executar a reforma? Ninguém! Porque se ninguém é capaz de executar o que temos, como íamos depois fazer o resto? O melhor é apostar nas pessoas empenhadas e dar-lhes os meios e o orçamento para isso.”

Pode vir aí uma nova paragem dos tribunais

O vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura diz-se muito preocupado com o descontentamento dos oficiais de justiça e com a ausência de um novo estatuto para estes profissionais.

“Estou muito preocupado com o estatuto dos oficiais de justiça. Há 20 anos que andamos a prometer um estatuto moderno. O actual já não está adaptado à visão moderna das secretarias. Tarda a sair novo estatuto basicamente porque o veto das Finanças é muito poderoso nestas circunstâncias.”

Lembra que a pandemia da covid-19 e dois anos de greve dos oficiais de justiça afectaram muito a Justiça: “Tudo seria mais fácil se houvesse uma atenção orçamental à Justiça.”

A falta de atenção a esta área, considera, surge por falta de “atenção mediática”, que se tem centrado mais na saúde, educação e segurança.

“Só quando há megaprocessos e outros casos novos surgem manifestos. Nos últimos anos, várias lideranças de partidos vieram dizer que é preciso reformar a Justiça.”

Além de verbas para resolver esta questão, considera que o Orçamento do Estado para 2026 deve contemplar a reabilitação dos edifícios.

Azevedo Mendes fala num programa plurianual “fantasia” que chegou a ser traçado para a Justiça:

“Este orçamento precisava contemplar com alguma urgência a questão do edificado. A anterior ministra, Catarina Sarmento e Castro, conseguiu aprovar um plano plurianual de investimento do edificado da Justiça: 220 milhões de euros, que nem seria muito. Se tivessem ido ao PRR, teriam conseguido as verbas com mais facilidade e agilidade.”

Lamenta que a dotação do fundo fossem receitas próprias do Ministério da Justiça, que não existem: “É aquilo a que podemos chamar um programa fantasia.”

E a verdade é que, a par do inexistente investimento, os problemas nas infraestruturas da Justiça persistem: telhados onde chove, edifícios sem ar condicionado que obrigam ao adiamento de julgamentos no Verão e no Inverno, quando há temperaturas extremas.

Tribunal no aeroporto. Afinal, quem paga?

Há um ano que se está à espera de saber quem paga o tribunal no aeroporto de Lisboa, uma estrutura que vai ouvir estrangeiros retidos na fronteira, garantindo o respeito pelos direitos humanos.

O vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura diz que tem sido um jogo do empurra, uma situação que considera incompreensível: “Tínhamos garantias por parte da PSP e da ANA Aeroportos que estaria pronto no final do ano passado. Surpresa das surpresas, verificámos que não. Estive há um mês no aeroporto de novo, a ver o que já tinha visto.”

O problema era, na altura, saber quem pagava a obra: se a ANA, a AIMA ou a PSP. “Completamente incompreensível, ainda por cima não é uma obra muito cara. O Conselho [CSM] até se ofereceu para pagar a obra”, diz Azevedo Mendes.

“A ANA suportará a obra, o equipamento a cargo da Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) e do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ). Espero que dentro de três meses esteja pronto, porque estamos a falar de pessoas particularmente vulneráveis.”

Também se está a articular a agilização do processo entre a Pequena Instância Criminal e Tribunais de Família, quando os processos incluem menores.

O Conselho Superior da Magistratura colocou um juiz em exclusividade para estas questões de imigração:

“A audição, interrogatório e avaliação das situações é feita em Lisboa pela Pequena Instância Criminal e no CSM afectámos um juiz só para esses casos. Devia ser um juiz a funcionar numa estrutura montada na zona internacional do aeroporto. A partir do momento em que saem do aeroporto entram em território nacional e passam a ter tutela diferente, e já não podem ser sujeitos a detenções.”

CSM estuda com CGA aposentação de muitos juízes por questões de saúde

No ano passado saíram 100 juízes. Este ano saíram 70 e vão sair mais, por jubilação ou por acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, para onde devem ir mais de 50, explica Azevedo Mendes.

“O próximo ano vai ser preocupante nos tribunais superiores. Já está a acontecer haver secções com falta de juízes. Temos tentado colmatar a falta de juízes com trabalho suplementar, mas depois todas as pessoas têm um limite, e há muitos casos de burnout.”

Além disso, revela: “Temos juízes nos tribunais superiores, e já na primeira instância, com redução de serviço por razões de doença, e esse número é grande. Fizemos há pouco tempo uma avaliação e, só para substituir as reduções de serviço na primeira instância, eram precisos mais 40 juízes.”

Azevedo Mendes afirma: “Há incapacidades preocupantes e estamos a estudar com a Caixa Geral de Aposentações (CGA) a maneira de agilizar a aposentação por incapacidade, desde que cause grave transtorno para o serviço. E aí, em vez de redução de serviço, encaminhávamos um conjunto grande de juízes para a aposentação.”

Decisões claras, curtas e directas na mira das inspecções aos juízes

Nesta entrevista à Renascença, Azevedo Mendes diz ainda que é preciso mudar a cultura de comunicação da Justiça.

“Criando uma onda cultural simpática, não queremos impor nada de cima para baixo. Quem está a liderar o projecto é o serviço de inspecção do CSM, transmitindo que a avaliação é feita considerando a simplificação da linguagem e a clareza da expressão. É uma alteração de agora. Estamos a trabalhar nesse sentido também com acções de formação em grande parte dos tribunais do país.”

Questionado sobre qual o maior obstáculo à comunicação da Justiça, responde: “Não há resistência mental ou intelectual, há um problema de tempo. Escrever bem exige muito tempo. Eu posso escrever rapidamente um texto excelente de 20 páginas, o problema é depois simplificar e cortar, e isso leva três vezes mais tempo.”

O CSM está a pensar em ajudar nessa tarefa da simplificação com a “construção de programas que, depois do texto escrito, apresentem propostas de simplificação, seria grande ajuda.”

A resistência, sublinha, é “a do tempo para fazer melhor”, diz, argumentand: “Depois de tanto afeiçoamento a uma rotina de escrita complexa, voltar atrás e pensar leva tempo.”

Há uma dificuldade nata da Justiça para comunicar e o problema está identificado: “Temos um problema de rotina na argumentação jurídica que formata as decisões e o modo como os juízes se exprimem. Começa na Faculdade de Direito com referenciações a doutrina e jurisprudência, e continua no Centro de Estudos Judiciários (CEJ).”

O sistema de inspecções incentivava esta forma de expressão: “Antes, olhava-se para a factualidade da argumentação e não para a simplicidade da linguagem, e isso tornava acórdãos e sentenças de muito difícil legibilidade.”

Azevedo Mendes espera ter já no próximo ano uma ferramenta com recurso a inteligência artificial para ajudar os juízes a serem mais curtos e a simplificar.

O Conselho Superior da Magistratura realiza, em Setúbal, nos dias 6 e 7 de Novembro, o XIX Encontro Anual, sob o tema “Juízes: o apelo da linguagem clara na decisão e na transformação digital”.

O presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, falará na sessão de abertura, que conta também com a ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, e com o presidente do Supremo Tribunal de Justiça e do CSM, juiz conselheiro João Cura Mariano.

A conferência de fundo será conduzida pelo ex-presidente do Tribunal Constitucional, João Caupers, com o título “Simplificar a linguagem, aproximar a Justiça do cidadão.”


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