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“Mais de 60% da população adulta já tem classificação de risco para desenvolvimento de diabetes” – Saúde Online

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O Programa Nacional para a Diabetes foi recentemente atualizado. Quais diria que são as principais linhas estratégicas desta nova fase e o que muda face ao ciclo anterior?

De facto, há um novo modelo de organização do Programa Nacional para a Diabetes. Vamos ter equipas de coordenação local do Programa Nacional para a Diabetes, o que vem na sequência do que já existia há uns anos, com as unidades coordenadoras funcionais. Essas unidades foram um passo importante para juntar profissionais dos cuidados de saúde primários e dos cuidados hospitalares. Agora, com o novo modelo das ULS, foi necessário reestruturar esta organização.

Aproveitámos para criar um modelo que não só integra os cuidados de saúde primários e hospitalares, reforçando esta estrutura, como junta também outros profissionais que são igualmente importantes na área da diabetes — como pediatras, nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais e representantes dos utentes e dos municípios.

A diabetes ultrapassa o mundo da saúde: é um problema que também envolve a comunidade, e por isso é importante reforçar essa ligação.

Além disso, propomos o contributo do setor privado e social, que também foi convidado a constituir equipas de coordenação local, articuladas com o Programa Nacional para a Diabetes, porque o objetivo é garantir qualidade nos cuidados em todo o sistema de saúde.

Outra novidade é a existência de tempo alocado a este tipo de atividade, reconhecendo a importância da diabetes e da estrutura de gestão e organização que a suporta. Em resumo, diria que estes são os principais pontos de novidade: vamos voltar a ter equipas, na área de cada ULS, que se vão articular. Na prática, são elas que vão implementar o programa no terreno.

 

Qual é o papel e a importância da equipa multidisciplinar nos cuidados de saúde primários e na comunidade? Quando diz que agora há um tempo destinado a isso, significa que estas pessoas estão dedicadas apenas a este trabalho?

Não totalmente, mas no modelo anterior não havia tempo alocado a estas tarefas. Agora, para os elementos efetivos, está previsto que exista tempo destinado a este tipo de funções.

Como dizia, os cuidados de saúde primários são fundamentais. Com quase um milhão de pessoas identificadas com diabetes — e muitas mais em risco —, a maior parte destas pessoas não está a ser acompanhada no hospital, nem é desejável que esteja. Portanto, o papel dos cuidados de saúde primários, onde é seguida a maior parte da população com diabetes, é absolutamente essencial.

 

Os dados mais recentes do Observatório Nacional da Diabetes mostram que a prevalência atingiu 14,2% da população — o valor mais elevado de sempre. O que está a falhar na prevenção primária, e que novas medidas o programa prevê para inverter esta tendência?

A prevenção primária — ou, se quisermos, a prevenção primordial — começam antes mesmo de nascermos. Medidas como uma alimentação saudável, atividade física regular, não fumar, manter um peso adequado… tudo isso é essencial para prevenir a diabetes. E isto vai muito além dos serviços de saúde: envolve a educação, o ordenamento do território e outras políticas públicas.

No país têm sido implementadas várias medidas, incluindo algumas de outros programas prioritários, como a redução do teor de açúcar em muitos alimentos — uma ação que já mostra resultados e que deverá continuar a ter impacto a médio e longo prazo.

Em termos de cuidados de saúde, é importante prevenir a progressão para a diabetes nas pessoas já identificadas com risco aumentado. Nesse sentido, tem-se feito um trabalho muito relevante: mais de 60% da população adulta já tem classificação de risco para o desenvolvimento de diabetes nos próximos anos.

O programa também prevê várias ações: estamos a preparar programas comunitários, quer de prevenção, quer de controlo e remissão da doença. Destaco o “Mais Saúde, Menos Diabetes”, desenvolvido em colaboração com outros programas prioritários, a divisão de literacia e a academia. Já foi testado num projeto-piloto, com bons resultados, e agora, com as equipas de coordenação local, será implementado nas Unidades Locais de Saúde.

Além disso, está a decorrer um projeto piloto que inclui exercício físico estruturado, em parceria com a Faculdade de Motricidade Humana, para oferecer às pessoas em risco aumentado um programa integrado, com componente educativa e componente prática, para prevenir a evolução para a diabetes. Idealmente, este projeto será depois alargado a todo o país.

Estes programas envolvem também municípios, universidades e outras entidades — reforçando a vertente colaborativa com a sociedade, que é essencial na prevenção.

É importante lembrar que fatores como a escolaridade também influenciam: as pessoas com menor nível de escolaridade têm uma prevalência de diabetes muito mais elevada. Isto está associado a fatores económicos, mas também ao acesso à informação e à capacidade de adotar estilos de vida saudáveis.

 

Esse aumento da prevalência pode também estar relacionado com um diagnóstico mais precoce?

Na verdade, estes 14% de que estamos a falar já são uma estimativa que inclui também as pessoas que não estão diagnosticadas. Nos cuidados de saúde primários, temos identificadas mais de 930 mil pessoas com diabetes (dados do final de 2024). As estimativas da Federação Internacional da Diabetes (IDF) e do Observatório Nacional da Diabetes referem-se à população entre os 20 e os 79 anos, com uma prevalência padronizada estimada em 10,5%.

Quando observamos a prevalência real na população, chegamos aos mais de 14%. Essas estimativas baseiam-se num estudo de 2009-2010, que mostrava que mais de 40% da população não estava diagnosticada. Com base nisso, são calculadas as projeções atuais – os 14%.

 

Pensei que este aumento de números pudesse estar relacionado com o facto de estarmos a diagnosticar mais?

É verdade que estamos a diagnosticar mais casos: só em 2024 foram registados mais de 80 mil novos diagnósticos. O número total de pessoas com diabetes diagnosticada também tem aumentado todos os anos, atingindo já quase 9% das pessoas registadas nos cuidados de saúde primários, ou seja, cerca de 9% da população. Ainda assim, estima-se que existam muitas pessoas por identificar.

 

A obesidade e o sedentarismo são grandes fatores de risco para a diabetes. Como é que estes programas articulam a resposta à diabetes com as políticas de alimentação saudável e de atividade física?

Estão perfeitamente alinhados. Tudo o que o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável e o Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física fizerem — ou o novo Programa Nacional de Gestão de Obesidade — beneficia diretamente a diabetes. Muitos programas e projetos são feitos em conjunto – como os que lhe falei – e todas as medidas têm resultados positivos para esta área.

 

Como é feita a seleção das pessoas que participam nestes programas?

Normalmente, são parcerias com a área da saúde. O programa que referi ainda vai para o terreno, mas já temos o “Diabetes em Movimento”, que existe há vários anos e está atualmente implementado em 60 municípios. É um programa de exercício físico estruturado para pessoas com diabetes tipo 2, desenvolvido em parceria com o Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física.

O recrutamento é feito através dos profissionais de saúde — conta habitualmente com a participação do município, envolve enfermeiros e de fisiologistas do exercício —, e as atividades decorrem em grupos de pessoas com diabetes. No caso do novo programa de prevenção, será dirigido a pessoas com risco elevado de desenvolver a doença.

 

E há boa adesão?

Quem participa gosta bastante, mas não podemos dizer que a maioria das pessoas adere. Os recursos também ainda não permitem abranger toda a população. Mas quem participa fica satisfeito e quer continuar.

Mudar comportamentos é difícil, e por isso a Psicologia tem aqui um papel essencial. É preciso promover uma mudança comportamental ao nível da sociedade e também, criar um ambiente que facilite escolhas saudáveis e torne essas opções automáticas e naturais — o que nem sempre acontece.

 

Um dos eixos do programa é a deteção precoce e o rastreio da diabetes tipo 2. Há metas concretas para aumentar o diagnóstico precoce e reduzir os casos não detetados?

Sim. O cálculo de risco é uma ferramenta essencial, que deve ser aplicada a toda a população adulta a partir dos 18 anos. Esse indicador é avaliado anualmente, e o objetivo é que a cada três anos todas as pessoas tenham um cálculo de risco efetuado. No final do ano passado, já tínhamos cerca de 62% da população coberta, percentagem que tem aumentado nos últimos anos.

Isto é muito importante para o diagnóstico, porque quem apresenta risco alto ou muito alto é encaminhado para exames laboratoriais. Obviamente, para além do diagnóstico através de análises que já é feito habitualmente em pessoas com mais de 35 anos ou outros fatores de risco específicos. Este cálculo de risco permite assim um diagnostico mais precoce de quem tem diabetes e a identificação de pessoas em risco de desenvolver diabetes. Quem tem diabetes tem a oportunidade de iniciar tratamento mais precoce, quem não tem diabetes, mas está em risco, poderá adotar medidas para evitar ou atrasar o seu aparecimento. Ou seja, é a partir do questionário de risco de diabetes que selecionamos as pessoas para entrarem no programa de que falámos há pouco.

Além disso, qualquer pessoa pode aceder ao SNS 24 para calcular o seu risco. Se o resultado indicar risco aumentado, o sistema pergunta se quer comunicar o resultado à sua equipa de saúde, onde poderá fazer o diagnóstico e ter o aconselhamento adequado. Nos cuidados de saúde primários o rastreio da diabetes está a ser feito por rotina e se as pessoas estiverem alertas, podem ajudar a que isto seja feito de forma sistemática e que se cubra toda a população.

 

Mas, a obesidade infantil também é uma grande preocupação, uma vez que tem vindo a aumentar. Como se combate este problema nas crianças, que ainda não têm diabetes, até como forma de prevenção desta patologia?

Essa é uma área crucial. A intervenção deve começar desde o início — incluindo a infância e até a gravidez, ou seja, a vida intrauterina. É fundamental promover estilos de vida saudáveis desde cedo.

A escola e a educação são determinantes. Temos, por exemplo, um concurso anual para realização de vídeos nas escolas, sobre diabetes, que promove o conhecimento, a integração das crianças com diabetes tipo 1 e a prevenção da diabetes tipo 2 — e acaba também por levar informação às famílias.

Para prevenir a obesidade infantil, é essencial regular a alimentação nas escolas e nos espaços envolventes, bem como controlar a publicidade dirigida às crianças e jovens.

É a promoção de estilos de vida saudáveis para prevenir a obesidade e a diabetes. Promover a literacia geral sobre o assunto, a inclusão nos conteúdos escolares, medidas como alimentação regulada nas escolas e nos espaços em redor, evitar a publicidade que promove hábitos menos saudáveis, como o consumo de alimentos açucarados, ter um ambiente que promove a prática de exercício físico e evita o tabagismo, entre outras medidas gerais.

 

Mas, nem todas as pessoas com diabetes têm obesidade?

A diabetes tipo 2 é, na verdade, um grupo muito heterogéneo — nem todas as pessoas têm maus hábitos alimentares, excesso de peso ou são sedentárias. Há mecanismos fisiopatológicos distintos e seja qual for o motivo pelo qual tem diabetes, é essencial combater o estigma associado à doença.

Outro aspeto importante é que muitas pessoas estão em idade ativa e é importante garantir que dispõem de condições para gerir bem a diabetes no trabalho, sem discriminação.

Continua a existir a ideia errada de que “se tens diabetes é porque fizeste alguma coisa mal”, mas há pessoas com peso perfeitamente normal, e fatores de risco menos óbvios, que também têm diabetes.

Acresce que a distinção entre diabetes tipo 1 e tipo 2 nem sempre é fácil. Hoje, começa-se até a identificar a diabetes tipo 1 em fases pré-clínicas, através da deteção de anticorpos, o que exige um esforço acrescido de classificação e acompanhamento por parte dos profissionais de saúde.

 

A monitorização contínua da glicemia e as novas tecnologias estão a mudar a gestão da diabetes. Que planos existem para alargar o acesso a dispositivos digitais e telemonitorização no SNS?

O acesso à monitorização contínua da glicose tem aumentado bastante desde 2018, quando começou a ser comparticipada. No final de 2024, estimava-se que mais de 40 mil pessoas utilizassem estes dispositivos. São sobretudo pessoas com diabetes tipo 1 ou diabetes tipo 2 que fazem múltiplas administrações diárias de insulina.

Há cerca de 33 mil pessoas com diabetes tipo 1 em Portugal, e são elas as principais destinatárias dos dispositivos de monitorização continua da glicose e das bombas de insulina. O acesso aos sistemas de administração automática de insulina, disponibilizados através das farmácias comunitárias desde janeiro, foi um grande avanço. Entre fevereiro e junho houve de facto um crescimento bastante significativo das pessoas que tiveram acesso. No final de junho já eram mais de 5.500 pessoas que passaram a usar bombas de insulina, das quais mais de 3.500 com sistemas automáticos.

Prevemos que o número continue a crescer, porque estes sistemas melhoram significativamente o controlo glicémico, a qualidade de vida e o conforto das pessoas com diabetes tipo 1.

Temos também o acesso a novos medicamentos na área da diabetes tipo 2. Nesta área, a análise das prescrições, revela que tem havido um consumo crescente de fármacos para a diabetes, nomeadamente de fármacos mais recentes. Este consumo tem sido acompanhado de custos crescentes. Globalmente, temos assistido a melhorias progressivas no controlo da diabetes e de outros fatores de risco cardiovascular em pessoas com diabetes, como a pressão arterial e o colesterol.

 

As desigualdades sociais e regionais influenciam o controlo da doença. Que estratégias existem para garantir equidade no acesso aos cuidados e terapêuticas?

O novo modelo, que envolve todas as ULS, com equipas de coordenação local do Programa Nacional para a Diabetes, pode ajudar muito, promovendo comunicação, cooperação e planos conjuntos, mas que são adaptados e implementados localmente. Queremos também criar indicadores comuns de ganhos em saúde, que permitam avaliar o que estamos a alcançar e apoiar as decisões futuras.

Porque de facto, existem assimetrias regionais marcadas, nomeadamente em termos de resultados na diabetes, com um claro gradiente norte-sul, e é fundamental reduzir essas diferenças, alcançando os melhores resultados possíveis.

 

Em termos de custos, a diabetes continua a representar uma fatia importante do orçamento da saúde. Que impacto espera que estas medidas tenham na sustentabilidade do SNS?

Tudo o que permita ganhos em saúde — para as pessoas com diabetes e para a comunidade — será uma mais-valia. Temos 14% da população entre os 20 e os 79 anos com diabetes e muitas mais com pré-diabetes. Se conseguirmos melhorar os resultados destas pessoas, melhoraremos também os da comunidade.

Prevenir é sempre mais sustentável. E já se começam a ver resultados positivos: melhor controlo glicémico, da pressão arterial e do colesterol; redução de internamentos por enfarte do miocárdio e AVC; diminuição da mortalidade e dos anos de vida perdidos por diabetes.

Ainda há muito a melhorar — há pessoas mal controladas, muitas amputações —, mas os rastreios e os cuidados de ambulatório têm melhorado. Temos das taxas mais baixas de internamento por diabetes na Europa, o que demonstra a qualidade dos cuidados prestados fora do hospital. Temos, sim, muitas pessoas internadas por outros motivos e que também têm diabetes.

 

O documento dá ênfase à literacia em saúde e à autogestão da doença. Como se pretende envolver mais os doentes na gestão do seu tratamento e estilo de vida?

Na diabetes, a autogestão é essencial. É uma doença em que a pessoa gere o seu dia-a-dia: o que come, o exercício que faz, a medicação, a monitorização da glicose e da pressão arterial, a adesão aos rastreios, por exemplo.

A educação terapêutica sempre foi uma componente central do acompanhamento da pessoa com diabetes. E os programas comunitários que referi também reforçam essa autonomia, transferindo para as pessoas e para a comunidade uma parte da responsabilidade pela gestão da doença. Envolvermos as pessoas com diabetes, envolver as autarquias também acaba por ser transferir para a comunidade parte desta responsabilidade, que na realidade já têm, de forma consciente ou não. A diabetes acaba por estar em todas as políticas, como se costuma dizer, e é verdade, muitas áreas acabam por ter reflexo nesta patologia.

 

É endocrinologista. O que a trouxe até aqui?

O desejo de ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas com diabetes e, no fundo, de toda a sociedade. Pode parecer um pouco ambicioso, mas cada passo conta. É claro que podemos sonhar e aspirar atingir o melhor para todos, mas a verdade é que ao melhorarmos os resultados em diabetes, também melhoramos os resultados na doença cardiovascular, prevenimos alguns tipos de cancro e uma série de outras patologias. Além disso, reduzimos custos para o sistema de saúde e para as pessoas. Se conseguíssemos evitar a maioria dos casos de diabetes, ganharíamos todos: em saúde, qualidade de vida e sustentabilidade.

Portanto, o que me trouxe aqui foi o desafio de tentar contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas. É tentar contribuir para uma sociedade melhor. E de facto a diabetes é um grande desafio para a sociedade inteira. Portanto, não sou “eu”, somos todos os que estamos envolvidos e se conseguirmos incluir a sociedade inteira vamos conseguir continuar a melhorar os resultados.

 

Por fim, olhando para 2027, que resultados gostaria de alcançar para poder dizer que esta nova fase do Programa Nacional para a Diabetes foi um sucesso?

Melhores resultados ou, pelo menos, melhor qualidade de cuidados, para depois no futuro colhermos os resultados. Porque muitos resultados serão a longo prazo. Se tivermos os cuidados mais harmonizados, nesta vertente de criar valor e ter melhores resultados para a pessoa, será excelente! Ter um programa de prevenção no terreno, programas de remissão, ter a avaliação de resultados a funcionar, as equipas locais alinhadas. Seria excelente.

 

Sílvia Malheiro

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Fonte: Saúde Online

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