
Governo corta contratações no SNS e revê metas assistenciais em baixa
O Governo decidiu impor um travão significativo ao recrutamento no Serviço Nacional de Saúde (SNS) para 2025, fixando um limite de contratações muito inferior ao do ano anterior. Um despacho publicado esta terça-feira em Diário da República estabelece que, no próximo ano, as entidades apenas poderão contratar até 1,9% do número de trabalhadores existentes a 31 de dezembro de 2024, quando em 2024 tinham autorização para reforçar quadros até 5% relativamente ao ano anterior. As novas orientações constam do Quadro Global de Referência (QGR) do SNS, documento que revê em baixa várias metas assistenciais e de recursos humanos para os próximos três anos.
De acordo com o jornal Público, o QGR agora aprovado altera de forma profunda os parâmetros definidos no ano passado, apesar de ser novamente assinado por Miranda Sarmento, ministro das Finanças, e Ana Paula Martins, ministra da Saúde. O instrumento, que deveria orientar atividade assistencial, desempenho económico, planeamento de recursos humanos e investimentos no triénio 2025-2027, chega novamente com atrasos, condicionando a elaboração dos planos de desenvolvimento organizacional (PDO) das unidades de saúde. Segundo a ministra da Saúde, os PDO deverão ser aprovados “em breve”, mas continuam por concluir.
A redução do limite de contratações não é o único sinal de recuo. No quadro de indicadores de recursos humanos, o Governo prevê agora um total de 153.896 trabalhadores no SNS em 2025, menos 10.926 do que constava no QGR anterior. Para 2026, estima-se um reforço de apenas 769 profissionais, muito distante do total previsto no ano passado, que apontava para 173.034 trabalhadores. Ainda assim, o novo quadro revê em alta o orçamento destinado a pessoal, estimando gastos de 7,3 mil milhões de euros em 2025 e 7,6 mil milhões em 2026, valores superiores aos do QGR anterior.
Nas metas assistenciais, o recuo também é expressivo: o novo QGR aponta para 47,2 milhões de consultas médicas no SNS em 2025, menos 2,3 milhões face às metas definidas para 2024, e prevê 47,7 milhões em 2026, menos 3,1 milhões. Nas cirurgias, as expectativas descem de mais de 833 mil para 778 mil em 2025, e de cerca de 841 mil para 801 mil em 2026. A meta para a taxa de cobertura de médico de família é igualmente revista em baixa, passando de 91% e 98% previstos no ano passado para um objetivo único de 85,4% até 2027 — o que significa manter cerca de 1,5 milhões de utentes sem médico de família.
Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, considera que o QGR de 2024 era “excessivamente optimista e até irrealista”, lembrando que certas metas eram “irreais”, como a cobertura de 96% de utentes com médico de família projetada para 2026. Barreto admite que o novo quadro é “mais realista”, mas também “muito pouco ambicioso”, apontando, por exemplo, a estagnação da percentagem de utentes atendidos dentro dos tempos máximos de resposta garantida, que ficará nos 45% até 2027, bem como o fraco crescimento das primeiras consultas referenciadas pelos cuidados primários, previstas para apenas 9,7%.
Paralelamente às metas revistas, o dirigente critica fortemente os atrasos na publicação do quadro e dos PDO, lembrando que estes deveriam estar aprovados no início do ano para garantir autonomia de gestão. “Sem estes instrumentos, os hospitais não têm margem para contratar enfermeiros ou decidir investimentos”, sublinha, recordando que, segundo dados da Ordem dos Enfermeiros citados pelo Observador, só na região de Lisboa e Vale do Tejo existem 343 camas encerradas por falta de profissionais. Barreto conclui que “a autonomia dos hospitais continua a ser uma miragem” e que, com o Governo a controlar todas as decisões, “não pode haver responsabilização dos administradores hospitalares”.
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