
Daniel Monteiro: “Os três grandes investem mais nas modalidades do que o Orçamento do Estado para o desporto”
Em plena fase de discussão do Orçamento do Estado para 2026, o presidente da Confederação do Desporto de Portugal vem à Renascença dar conta das propostas que apresentou ao Governo para melhorar o documento. Dois exemplos: integrar despesas desportivas nas deduções de saúde em sede de IRS e reduzir a taxa do IVA nos bilhetes. Daniel Monteiro lembra ainda que uma revisão do imposto de jogo online daria mais 13 milhões de euros ao desporto e lamenta que nenhuma verba do PRR tenha sido alocada ao setor.
Neste entrevista a Bola Branca, Daniel Monteiro lembra que os ditos três grandes gastam mais em modalidades que todo o Orçamento do Estado e pede ao novo Presidente da República que tenha critérios objetivos nas condecorações de atletas e federações.
Por falar em resultados, quem os consegue são “verdadeiros heróis”, tendo em conta as condições que têm para trabalhar.
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Estamos em plena discussão do Orçamento do Estado para 2026. A parcela prevista para o desporto sobe para 58.7 milhões de euros, um aumento de 8.1 milhões. Primeiro comentário?
Naturalmente que é sempre melhor o Orçamento do Estado do desporto subir do que manter-se ou até descer, como já aconteceu. Portanto, é um sinal positivo. Agora, nós temos de olhar à forma como canalizamos e à forma como distribuímos esse aumento. E é aqui que residem algumas divergências perante aquilo que foi apresentado pelo Governo.
No nosso entender, e olhando aquilo que é a realidade histórica, os projetos olímpico e paralímpico têm vindo a sofrer aumentos de dotação de ciclo para ciclo. Se olharmos à realidade, por exemplo, comparando entre 2004 e 2024, o financiamento, os apoios ao projeto olímpico e paralímpico, mais do que duplicaram. Tivemos um aumento de 100%, mesmo contando com o impacto da inflação. Acontece que o financiamento à atividade regular do desporto, o dia a dia, dos clubes, das associações desportivas, a organização dos quadros competitivos, etc. Esse financiamento, entre 2004 e 2024, se contabilizarmos o efeito da inflação, significa que houve perda de poder de compra.
O desporto português tem hoje menos financiamento, menos dinheiro real, se assim se pode dizer, tem menos dinheiro hoje do que tinha em 2004. E é aqui que reside o grande problema de fundo ao nível do financiamento ao desporto nacional. Significa que as federações desportivas, ao longo dos anos, foram perdendo poder de compra, não existindo por parte do Estado a devida análise ou a devida reflexão sobre esta situação, e existindo depois uma devida correspondência com o reforço de financiamento. Isso não tem existido ao longo dos anos. E é aqui que nós entendemos e que no nosso entender era fundamental que o Estado investisse na atividade geral de regular o dia a dia das instituições desportivas.
A ministra Margarida Balseiro Lopes lembra que há um “investimento extraordinário”, com mais 65 milhões de euros, que estará a ser aplicado desde dezembro de 2024 e que irá até 2028. Estas duas parcelas são suficientes?
Vamos lá ver, o projeto dos 65 milhões de euros, esse apoio extraordinário ao desporto nacional, é muito importante. Aliás, convém referir que foram as federações desportivas e a Confederação do Desporto a pedir ao governo que aplicasse uma espécie de “choque desportivo” precisamente antes do anúncio dessas medidas que depois acabaram por ser apresentadas pelo próprio primeiro-ministro em dezembro do ano passado. Ponto prévio, as federações desportivas pediram ao governo um choque desportivo em novembro de 2024 e o governo respondeu a esse choque desportivo em dezembro de 2024.
Acontece que esse investimento que está a ser feito quer nos centros de alto rendimento, quer na formação e qualificação dos agentes desportivos, quer também ao nível do enquadramento técnico das organizações desportivas, são investimentos estruturais que o desporto nacional não tinha vindo a sofrer ao longo dos últimos anos. E, portanto, esse investimento é muito importante.
Certo.
Mas onde é que tem faltado? Onde tem faltado é precisamente no financiamento e no investimento, no dia a dia, do desporto português. A atividade regular, é assim que se chama, a atividade regular das federações desportivas. Porque as federações desportivas, em 20 anos, perderam muito poder de compra. E se contabilizarmos o impacto da inflação no dia a dia das federações desportivas, seja no custo das viagens para a deslocação de atletas à representação das seleções nacionais ao estrangeiro, seja por via da reserva, por exemplo, dos hotéis e dos custos de deslocação, seja do pagamento que tem que ser feito a treinadores, a árbitros e às próprias estruturas dentro das federações desportivas, seja ao nível do incentivo aos clubes para se deslocarem, para participarem nas competições nacionais e regionais tuteladas pelas federações desportivas.
Hm, hm.
Em todo esse âmbito, o investimento público ao desporto diminuiu, se contabilizarmos o impacto da inflação. E é aqui que nós temos querido sinalizar aos partidos políticos e ao governo. Aliás, deixe-me dizer-lhe que nós apresentámos em abril uma proposta de revisão da distribuição do Imposto Especial sobre o Jogo Online. A senhora ministra mal tomou posse – que inclusive mereceu elogios da parte da Confederação do Desporto de Portugal, em particular da minha pessoa, felicitando-a e dando nota do espírito e visão reformista que lhe reconhecíamos –, a primeira ação pública, com as federações desportivas foi após um convite da Confederação do Desporto de Portugal para que a senhora ministra estivesse presente na Cimeira de Presidentes das Federações Esportivas, que ela acedeu e com muito gosto a recebemos nessa cimeira.
Apresentámos as prioridades políticas do setor para a legislatura. Apresentámos um pacote importante de reformas fundamentais para o desporto nacional, em que se incluía a revisão da distribuição do Imposto Oficial sobre o Jogo Online. Isto em julho de 2025. Com a apresentação do Orçamento do Estado, aquele que é o papel das Federações e das Organizações Desportivas, em particular da Confederação, é reunindo com os partidos, apresentando aquelas que são as prioridades políticas do setor para a legislatura. E foi isso que fizemos. Fizemos primeiro com o Governo, mal a senhora ministra tomou posse, e mais tarde com os partidos políticos em sede de discussão e de apresentação de propostas para o Orçamento do Estado para 2026.
Precisamente, a Confederação do Desporto tem algumas propostas no sentido de melhorar a proposta de Orçamento do Estado. Selecionei algumas, por exemplo, Integrar as despesas desportivas nas deduções de saúde em sede de IRS. Genericamente, se mais portugueses tivessem atividade desportiva, provavelmente, poupar-se-iam uns milhões em medicação.
Aquilo que nós estamos a propor é uma revisão do conceito de saúde em sede de IRS. Hoje em dia, em sede de IRS, o conceito de saúde é o quê? Realização de exames médicos e realização de consultas, ou apresentação de faturas relativas a medicamentos em farmácias. O conceito de saúde hoje é muito mais amplo. Não é só a questão da cura, é também a questão da prevenção. E no âmbito da prevenção o desporto tem um potencial brutal. E por isso é que propomos que as despesas com a prática desportiva sejam deduzidas em IRS. Para quê? Para dar um incentivo e um estímulo às famílias que o desporto faz bem à saúde. E é essa a proposta que apresentámos aos partidos e que apresentámos também, como disse, ao Governo, no sentido de considerar as despesas com a prática desportiva dedutíveis em sede de IRS, como despesas de saúde e que é uma das propostas que está em cima da mesa para a discussão na especialidade do Orçamento do Estado.
Outra proposta, reduzir taxa de IVA nos bilhetes.
Nesse aspeto nós queremos fazer uma equiparação do desporto à cultura. O Desporto tem sido parente pobre das políticas públicas ao longo dos últimos anos. E a cultura, e bem, tem sabido ocupar um espaço de valorização política. A equiparação do desporto à cultura deve acontecer em matéria fiscal a três níveis. ao nível da equiparação e da revisão da Lei do Mecenato Desportivo, equiparando-a ao Regime do Mecenato Cultural. Em segunda instância, através do IVA dos espetáculos desportivos, com IVA reduzido de 6%, tal como acontece com espetáculos culturais. E aqui deixe-me dizer-lhe uma coisa: é que, até 2013, o IVA dos espetáculos desportivos e culturais era IVA reduzido.
…
Com a troika, quer o desporto, quer a cultura, perderam essa benesse, digamos assim, e depois, para 2019, a cultura recuperou esse estatuto de IVA reduzido. Ora, o desporto não conseguiu recuperar esse estatuto. E aquilo que estamos a propor é que o desporto, com medida, com impacto social, tal como a cultura tem, como setor com impactos sociais brutal, aquilo que estamos a propor é que seja equiparado ao setor da cultura. No terceiro aspeto, tem que ver com a isenção de IRC por parte das entidades dotadas de utilidade pública. No âmbito da cultura, há isenção de IRC para essas entidades dotadas de utilidade pública. As entidades desportivas dotadas de utilidade pública não têm isenção de IRC e propomos por isso também uma equiparação destas organizações desportivas às entidades culturais. Portanto, a equiparação do desporto à cultura faz-se em três níveis, tal como apresentámos aos partidos e ao Governo.
Ainda outra medida, reforçar apoio estatal ao policiamento. Alguns clubes têm muita dificuldade em cumprir…
Há muitas organizações desportivas, em particular várias federações desportivas, que neste momento estão a ter gastos extraordinários, muito elevados, com o policiamento de espetáculos desportivos. Vou-lhe dar um exemplo: Hoje em dia, organizar uma corrida de ciclismo em Portugal, 30 a 40% dos custos da organização remetem para custos de policiamento. Isto são custos incomportáveis para qualquer organização. E aquilo que propomos é que estes incentivos ao policiamento, porque há benefícios e incentivos por parte do Estado, com participações por parte do Estado ao nível do policiamento de espetáculos desportivos, não sejam apenas até aos escalões etários de júnior, mas que incluam também os Campeonatos Nacionais de sénior.
Há aqui também uma outra questão que tem a ver com haver critérios objetivos para a condecoração de atletas e seleções.
Isso não é uma proposta que esteja incluída neste pacote de reforma fiscal. Isso é uma proposta extraordinária, diria, é mais um desabafo e um repto que lançamos ao próximo Presidente da República. Que crie critérios objetivos para condecorar atletas e seleções nacionais. O mérito deve ser premiado com base em critérios. Sob pena de deixarmos para trás atletas ou seleções nacionais que, tendo em conta as suas modalidades não terem o espírito mediático tão grande, tão alargado, acabam por ser esquecidos. E não é isso que queremos. Nós queremos valorizar o mérito, independentemente da sua visibilidade, independentemente do seu impacto mediático. E é esse o repto que lançamos ao próximo Presidente da República, é que os reconhecimentos e as condecorações tenham, por base, critérios objetivos para serem realizados.
Estamos em plena pré-campanha eleitoral para as presidenciais. Não sei se um dos seus objetivos é falar com todos os candidatos presidenciais.
É isso que temos vindo a fazer. A Cimeira de Presidentes das federações desportivas já recebeu dois dos candidatos. Vai receber, já no dia 20, mais dois candidatos e contamos, até o final do ano, com todos os candidatos, apresentarmos as propostas. E não é a Confederação do Desporto de Portugal que o está a fazer. É a Confederação do Desporto de Portugal e as Federações Desportivas. São as Federações Desportivas as entidades de cúpula do desporto nacional e são elas que devem ser a voz direta de contacto com os agentes e com os decisores políticos.
E até agora teve bom acolhimento?
Tivemos muito bom acolhimento. É engraçado porque apresentámos dois reptos aos candidatos presidenciais. O primeiro foi, como já aqui disse, a criação de critérios objetivos para os reconhecimentos e condecorações. O segundo foi que, pelo menos uma vez por ano, o próximo Presidente da República apadrinhe e presida a uma cimeira de Presidentes de federações Desportivas. Para quê? Para ouvir os problemas por parte do setor, ouvir de viva voz os anseios e os problemas do setor. Nós sabemos que o Presidente da República não tem funções executivas, mas tem uma capacidade, também ela muito importante, que é exercer uma estrutura de influência junto dos decisores executivos. E é isso que apelamos ao próximo Presidente da República, é que abrace a causa do desporto como a sua causa e, junto daquilo que seja a sua mais estrutura de influência, possa utilizá-la em favor do desporto.
Disse há uns meses à Renascença que o orçamento do desporto deveria estar em linha com o da cultura, mas ainda estamos longe…
Sabe que o desporto, em 1995 e 1996, tinha um orçamento equiparado ao setor da cultura. Portanto, os orçamentos do Estado, do desporto e da cultura, na década de 90, eram os mesmos. Acontece que a cultura, em 30 anos, conseguiu dar o salto e conseguiu hoje estar a discutir Orçamentos do Estado na ordem dos 600 milhões de euros, 630 milhões de euros, e o Desporto continua a discutir o Orçamento do Estado na ordem dos 50 milhões de euros. E é preciso darmos aqui um sinal político claro.
Estas medidas que estão a ser apresentadas, quer o pacote extraordinário dos 65 milhões, quer este aumento dos 8,1 milhões para 2026, são sinais positivos, mas não resolvem o problema de base. Nós temos que investir no setor do desporto, na atividade geral, no dia a dia do setor do desporto. E como é que nós propomos que isso aconteça? Sem que o Orçamento do Estado seja sobrecarregado com mais despesa? Propomos e propusemos em abril deste ano, a revisão do IEJO, a revisão do Imposto Especial sobre o Jogo Online. E essa proposta traria ao setor do desporto cerca de mais de 13 milhões de euros para a atividade regular, para o dia a dia das instituições desportivas e, consequentemente, dos clubes e das associações de todo o setor.
Certo.
Esta é uma proposta que apresentámos ao Governo. É uma proposta que, após a sua apresentação, o próprio primeiro-ministro reconheceu a importância de rever a distribuição do Imposto Especial sobre o Jogo Online, que hoje está completamente desatualizado, porque à data quando houve a legislação, quando foi regulado o próprio jogo online, nós não sabíamos como é que o mercado ia reagir, como é que ia ser o potencial de crescimento do jogo online. Acontece que o mercado hoje cresceu tanto que a própria legislação carece de revisão para ter mecanismos de correção mais justos e que garantam também às federações esportivas que não têm impactos comerciais tão alargados, terem também aqui um fundo de desenvolvimento desportivo.
Ora, isto daria ao setor mais 13 milhões de euros. E porquê que estes 13 milhões de euros não significariam mais despesa direta ao Estado? Porque o mercado das apostas desportivas está a crescer acima de 7,5%. Ora, se o mercado está a crescer acima de 7,5% e nós propomos que este Fundo de Desenvolvimento Desportivo seja de 7,5% o imposto especial sobre o jogo online relativo às apostas desportivas, significa que o Estado, face ao dinheiro que recebe hoje por via deste imposto, não vai perder um euro que seja, porque o mercado está a crescer acima da percentagem que estamos a propor para a construção deste fundo.
Hmm, hmm.
Isto teria um impacto brutal nas federações desportivas, teria um impacto brutal em todo o setor do desporto, para que as federações possam investir desde a base até ao topo da pirâmide. Nós não podemos olhar para o investimento no desporto só apenas no projeto olímpico e paralímpico, só no alto rendimento desportivo, só no topo da pirâmide. Temos que criar condições para que mais jovens acedam à prática desportiva. Para que mais clubes sejam organizados e profissionais, com corpo técnico qualificado e bem formado, para dar condições de formação e qualificação, todos os agentes e a todos os atletas que por estes clubes passem, temos de ter competições e quadros competitivos mais alargados, quer de âmbito local, quer de âmbito regional, quer de âmbito nacional.
Temos de ter mais quadros competitivos, temos de ter mais organizações dentro das próprias federações desportivas e depois os melhores atletas, sim, vão representando as seleções nacionais, nas diferentes faixas etárias, com condições. participando em Campeonatos da Europa, participando em Campeonatos do Mundo. E hoje, por exemplo, temos atletas e temos seleções que não estão a participar em Campeonatos da Europa e em Campeonatos do Mundo porque as estações desportivas não têm condições financeiras para levar os melhores atletas a participar nessas competições. E isso é algo que nos ia preocupar a todos.
Sobre apostas, muitos dos clubes, nomeadamente no futebol, têm patrocínios dessas casas. Isto não lhe causa nenhum tipo de incómodo?
Naturalmente tem que existir controle, tem que existir medidas de prevenção, tem que existir medidas de combate às situações ilícitas que o jogo provoca, e isso tem até, de certa forma, existido. Tem havido um cuidado, não só em Portugal, mas também até a nível da União Europeia, medidas de combate ao vício do jogo, e cada vez até nos mais jovens, digamos assim. Agora, é preciso ser regulamentado, é preciso ser regulado. Obviamente que esses patrocínios também são muito importantes para os clubes, porque a verdade é que se esses patrocínios não existirem, os clubes um dia a seguir fecham a parte.
E nós precisamos dos clubes para desenvolver o desporto, porque sem clubes não há desporto em Portugal. E, portanto, se me diz, isso ‘é preocupante’, é. Acho que deve existir medidas de divulgação e promoção destes mecanismos de combate precisamente à viciação de resultados e ao vício do jogo, mas precisamos destas empresas, precisamos destes patrocínios presentes no desporto, porque são estes patrocínios que infelizmente estão a manter o desporto vivo e a sustentar o desporto em Portugal. Não só essas empresas, também essas empresas, mas todas as outras que, de certa forma, fazem um trabalho notável no apoio ao desporto português.
Deixe-me voltar atrás, o desporto está precisamente num ministério juntamente com a cultura. Não mereceriam ser autónomos?
Nós queremos que isso seja um pormenor. E queremos que seja um pormenor como? Equiparando o desporto à cultura em todas as suas dimensões. Se a tutela é a mesma, se a senhora ministra é a mesma, tem que dar condições de equidade a ambos os sectores. Tem que dar as mesmas condições de desenvolvimento e de afirmação a ambos os sectores. Por isso é que aqui apresentamos a equiparação do desporto à cultura em matéria fiscal em três pontos muito específicos.
É aceitável que o país vá rever o regime do mecenato cultural majorando os apoios e majorando as empresas que efetuem apoios e efetuem donativos às entidades culturais e não vamos rever o regime do mecenato desportivo? Isso é aceitável? quando estamos a falar de setores que estão sob alçada do mesmo ministério? Porque é que o mesmo ministério vai rever o regime de mecenato cultural e não vai rever o regime de mecenato desportivo? A cultura é mais que o desporto? O desporto não forma cidadãos? O desporto não forma crianças? O desporto não educa essas crianças e esses jovens? O desporto não é uma ferramenta de combate ao isolamento social? Não é uma ferramenta de combate ao sedentarismo? Não é uma forma de promoção de estilos de vida saudáveis? Então o desporto, com estas vantagens todas, que acaba por oferecer à sociedade portuguesa, tem de ser considerado como uma prioridade social. E por isso é que apresentamos propostas de equiparação do desporto à cultura. Porque o Desporto, infelizmente, não tem vindo a ser considerado uma prioridade social.
Outra vertente de financiamento poderia ser ir buscar verbas ao PRR, que está a ser reformulado. Ainda é opção?
O PRR, infelizmente, não considerou o desporto federado. Foi um erro. Na altura, as organizações desportivas insurgiram-se perante esse, eu vou chamar-lhe, perante essa falta de respeito, perante esse desrespeito para com o desporto. A verdade é que sempre que existiram alterações ao PRR o desporto não foi considerado. As organizações desportivas tentaram que o PRR fosse considerado para efeitos de financiamento ao desporto federado, para efeitos de financiamento estrutural ao desporto federado, infelizmente não foi considerado. Se existir espaço para a revisão do PRR ainda até ao final da sua execução, que será até ao final do próximo ano, obviamente gostaríamos muito de contar que o PRR apoia o desporto.
Apesar da limitação de verbas, os resultados desportivos continuam a aparecer. Recentemente, por exemplo, no ciclismo de pista ou nos trampolins.
Estes agentes desportivos são verdadeiros heróis. E eu julgo que o país, muitas vezes, não tem noção dos sacrifícios que estas pessoas fazem para poderem oferecer resultados desta dimensão ao país e aos portugueses. Eu julgo que se os portugueses tivessem noção dos sacrifícios que estas pessoas passam para serem os melhores da Europa e do mundo, é que por vezes ouve-se campeão da Europa, campeão do mundo. As pessoas esquecem-se que um campeão da Europa e campeão do mundo é o melhor da Europa e o melhor do mundo naquilo que a pessoa faz. Quantos de nós, na nossa atividade profissional, somos os melhores da Europa ou melhores do mundo? É que aquelas pessoas que conseguem e conquistam medalhas e títulos para o desporto nacional, são os melhores da Europa e os melhores do Mundo. E muitas vezes não são os melhores, são os segundos ou terceiros ou quartos ou quintos melhores da Europa e do Mundo. É uma dimensão extraordinária. Mas nós não queremos só estes campeões. Nós temos tido, felizmente, e vivemos uma era notável do desporto português. A nível de resultados, eu arrisco-me a dizer que é talvez uma das melhores, se não a melhor era de sempre. Mas nós não nos queremos satisfazer apenas com estes campeões de hoje. Nós queremos ter mais campeões amanhã.
E termos mais campeões amanhã tem que ser uma consequência de uma política desportiva que promove a diversidade de acesso, que promove a democratização do acesso ao desporto, que promove que os jovens e as crianças que se inserem e que entram no processo de desenvolvimento desportivo não abandonam por falta de condições, nós queremos um sistema cujos clubes têm condições de formar melhores atletas e melhores cidadãos, nós queremos um sistema em que as federações têm organizações e organizam competições com melhor qualidade, com melhores treinadores, têm melhores selecionadores, têm melhores equipas multidisciplinares a acompanhar estes atletas. Tudo isto faz parte e é… Pode dizer, não, isso é um pormenor, não é um pormenor. Hoje em dia o desporto está cada vez mais científico, está muito mais decidido ao detalhe, ao pormenor.
E, portanto, ou o país entende que, para conseguirmos ter resultados desportivos, precisamos de olhar ao pormenor, que acaba por não ser pormenor, mas sim pormaior, vários pormaiores, ou então vamos continuar arredados de conseguirmos ter mais atletas, mais crianças a praticar desporto, mais jovens a praticar desporto. E, consequentemente, não vamos conseguir ter tantos atletas no alto rendimento, porque isso é um efeito bola deneve. Se nós tivermos mais atletas a praticar desporto, temos um sistema com maior intervenção de crianças e jovens, com maior participação de crianças e jovens, significa que depois a probabilidade de aí conseguirmos melhorar a competitividade das nossas equipas, das nossas seleções nacionais, é obviamente maior.
Nas várias entrevistas que temos feito ao longo dos últimos meses, tem havido vários sinais de alerta sobre o futuro, a próxima geração. Há muitos desportistas que abandonam porque chegam à universidade e não conseguem conciliar. No desporto feminino há alguma dificuldade em ver quem é que poderá ser a próxima geração na modalidade X ou Y, no triatlo, por exemplo. Isto devia preocupar todos.
É um problema, e como aqui já disse, nós estamos a investir e bem no Projeto Olímpico e Paralímpico, estamos a dar boas condições hoje em dia aos nossos melhores atletas que estão inseridos nesses programas, e ainda bem que assim é, mas não podemos descurar os atletas que estão nas fases anteriores a esse processo. E é aí que reside isso que está a dizer, que é, como é que nós garantimos a sustentabilidade do nosso desporto para não perdermos atletas ao longo das diferentes fases de desenvolvimento desportivo. Por isso é que nós precisamos investir. E tudo vai desaguar nesta condição, que é ou investimos e damos condições a que todos os agentes façam o seu trabalho. Porque, repare, a quem compete a promoção do desporto é ao Estado.
O Estado delega nas federações desportivas essa organização. E bem, mas tem que lhe dar condições para que possa delegar com qualidade e para que esse trabalho possa ser feito com qualidade e com critérios. sob pena das direções desportivas, em vez de pensarem como é que vão desenvolver as suas modalidades, estão a pensar como é que vão manter a porta aberta. E isto não é estratégico para ninguém. nem para o Estado, nem para as federações, nem para os clubes, nem para nenhum agente desportivo. Porque em vez de estarmos a pensar como é que vamos desenvolver as modalidades, como é que vamos trazer mais atletas, como é que vamos dar-lhes as melhores condições, como é que vamos melhorar a competitividade das nossas seleções nacionais, estamos a pensar como é que vamos manter a porta aberta e se, em vez de levarmos mais um atleta a um campeonato da Europa, a um campeonato do Mundo, vamos levar um fisioterapeuta a um psicólogo. É com estas decisões difíceis que hoje em dia as federações desportivas acabam por ter que se debater. Têm que decidir. Ou levam um fisioterapeuta, ou levam mais um médico, ou levam mais um atleta, ou deixam de o levar. Isto é quase como decidir um pai ter de decidir entre dois filhos.
Deveria ser apenas um critério desportivo e não estar a pensar em questões de tostões.
Com certeza. É isso que estamos a falar. E pedir a um pai ter de decidir entre dois filhos, eu diria que é um pedido que não se faz a ninguém.
Curiosamente, também nos gabinetes, os atletas portugueses têm tido vitórias. Por exemplo Emanuel Silva e Filipa Martins chegaram recentemente a cargos internacionais
Ainda para mais, atletas que tiveram uma carreira brilhante, o Emanuel como medalhado olímpico, a Felipa como finalista em mais do que uma edição dos Jogos Olímpicos, o que é um feito extraordinário e que eleva o nosso desporto para um patamar não só do reconhecimento enquanto atletas, mas do seu reconhecimento enquanto dirigentes. E esse processo de transição do pós-carreira, do atleta para o dirigente, continuar ligado à modalidade, continuar a oferecer-se ao desporto, eu acho que é de enaltecer e, portanto, já tive a oportunidade de os parabenizar e, portanto, aqui também publicamente parabenizo-os por estas eleições.
As pessoas estão muito centradas nos grandes centros, mas há problemas ainda mais graves fora de Lisboa, Porto, no interior, em aceder ao desporto.
Eu costumo dizer uma coisa, que é o desporto, neste momento, está-se a tornar um bem de luxo, em que as famílias podem pagar, pagam, e parte do seu agregado frequenta a prática desportiva, nomeadamente os seus filhos, na maior parte dos casos, mas há muitas famílias que não conseguem pagar.
Hoje em dia, aceder à prática desportiva, estamos a falar de custos nunca menos de 50 a 70 euros por mês e já não estou a considerar deslocações, de disponibilidade que os pais têm que ter para os levar aos treinos e às competições desportivas, já não estou a falar de material desportivo, estamos a falar apenas de custos diretos, com a frequência, pagamento ao clube, para que essa jovem possa praticar desporto. Portanto, isso é caro. E depois temos um problema também, que é um problema transversal de todo o país, temos um problema demográfico e temos o facto de ter um país dividido ao meio e com uma diferença muito grande entre aquilo que é o litoral e aquilo que é o interior. E, portanto, todas essas desigualdades sociais se agravam quando olhamos para a realidade do desporto, porque no interior, em muitos casos, não temos sequer crianças e jovens e portanto, se não temos crianças e jovens, não conseguimos ter dimensão para conseguir ter atividade desportiva. Esse é um problema. Aqui não há um problema específico do desporto, é um problema transversal do país, que obviamente carece ser corrigido.
Certo.
Muitas federações têm feito um esforço de dar condições a que esses clubes acabem por competir e participar em competições desportivas organizadas pelas federações, por vezes até não naquele distrito, mas em distritos ali ao lado, para ganhar massa e dimensão ao nível do número de atletas e ao nível do número de clubes. E portanto, as federações também estão a investir nesses clubes para poderem deslocar e para poderem dar condições a essas crianças e jovens para poderem praticar desporto. E aqui isso significa o quê? Quando nós pomos uma criança e um jovem e damos a possibilidade, permitimos e oferecemos a oportunidade a uma criança e uma jovem do interior de praticar desporto, nós estamos a dar-lhe um privilégio, estamos a oferecer uma condição de acesso e de integração social.
Isto é uma oportunidade que é traduzida, que acontece, que é realizada e que é concretizada através do desporto. O desporto está a oferecer a uma criança e um jovem que muitas vezes se sente perdido, que se sente desperdiçado, que se sente esquecido no interior, nós estamos a dar-lhe a condição e a oportunidade de poder estar em competição, poder partilhar experiência com crianças e jovens de outras partes do país. Isto é uma forma de integração social e de reduzir desigualdades e assimetrias sociais. É um papel fundamental que o desporto oferece e que não deve ser desperdiçado por parte dos decisores políticos.
Sem esquecer os muitos clubes que permitem que os jovens pratiquem desporto, para se chegar ao topo em Portugal, estamos muito dependentes dos chamados três grandes.
Os três grandes fazem um papel brutal na realidade desportiva nacional. O compromisso, a participação e o ecletismo que os três clubes ditos grandes oferecem ao desporto nacional é a todos os níveis de salutar e de elogiar.
Quero aqui dizer o seguinte, os três clubes ditos grandes em Portugal investem mais nas modalidades do que o Orçamento do Estado para o desporto. Isto devia fazer refletir todos. Os três clubes ditos grandes estão a desempenhar o seu papel social, cívico, desportivo, ao passo que o Estado está a relegar essa prioridade para um segundo plano de prioridades, com os benefícios que o desporto oferece, como já aqui falamos.
Rui Costa renovou mandato no Benfica e uma das suas propostas, englobado no projeto Benfica District, é construir um multidesportivo de 10 mil lugares. Isto faz sentido?
Faz todo sentido. Se nós olharmos à realidade das infraestruturas desportivas em Portugal, nós temos um déficit muito grande de instalações desportivas. A todos os níveis, desde as mais pequenas até as maiores. Infelizmente foram sucedendo construídas escolas, nem sempre com pavilhões de milhares de desportivos a acompanhar e a serem integrados nessas escolas. As autarquias aqui e acolá foram oferecendo e foram promovendo e construindo essas instalações desportivas, pois aqui houve também alguns erros, não só a nível nacional, mas até a nível comunitário, em que o apoio à reabilitação e construção de novas infraestruturas desportivas acabou por não ser integrado com outros planos e programas, nomeadamente ao nível do Parque Nacional.
Isso fez com que, com o passar dos anos, as nossas instalações desportivas fossem deteriorando e acabassem por hoje estar em condições, muitas delas que não são aceitáveis para a prática desportiva. Isso é visível não só nas infraestruturas de base, ou seja, de pequena dimensão, que não servem para receber grandes eventos desportivos, mas é válido em todos os patamares. Também é válido nas infraestruturas desportivas de topo, para receber grandes eventos desportivos em Portugal.
O presidente da Federação de Basquetebol disse à Renascença que não consegue organizar um Europeu ou Mundial, porque não há instalações.
Vou-lhe dar um exemplo. Nós vamos receber o Campeonato da Europa de Andebol em 2028. Só o Pavilhão Atlântico, agora rebatizado como Meo Arena, só essa infraestrutura – que não é uma infraestrutura desportiva – é um espaço multiusos, só essa infraestrutura desportiva é que cumpre os requisitos para receber encontros do Campeonato da Europa de Andebol. Portanto, mesmo que quiséssemos ir para outro sítio qualquer, não seria possível receber encontros deste Campeonato da Europa sem ser nesta infraestrutura desportiva.
Para além dos custos de reserva e para além do aluguer que isso representa para a federação. Porque esta infraestrutura desportiva é uma infraestrutura desportiva gerida por um privado e, portanto, tem custos e tem custos de aluguer bastante significativos que, para a realidade da organização do Campeonato da Europa, são custos muito significativos dentro do espectro da organização.
Ainda no âmbito das instalações, estamos a construir um pavilhão para desportos de inverno, no Seixal, que aparentemente não permite que a nossa campeã, Jéssica Rodrigues, pratique a sua modalidade, porque não tem uma pista.
Antes de mais, importa desconstruir muito aquela narrativa. Nós não somos um país com baixas temperaturas e, portanto, não devemos ter um pavilhão de gelo. Ora, uma coisa é desportos praticados na neve, em que ou a neve é gerada por condições naturais ou por condições artificiais. Outra coisa é um pavilhão de gelo. Portanto, o pavilhão de gelo nada tem a ver com as condições que se passam lá fora e, portanto, com as condições climatéricas.
E a Federação de Desportos de Inverno, e bem, procurou encontrar uma solução de construir um pavilhão de gelo e eu estou a crer que até vai ter uma adesão popular muito significativa para que muitos portugueses possam experimentar patinar no gelo e até outras modalidades que são realizadas no gelo. Naturalmente que, se a infraestrutura não tem as medidas necessárias para a prática de determinadas modalidades, será uma condição que a Federação de Desportos de Inverno vai avaliar e vai considerar no processo de construção com a Câmara Municipal de Seixal.
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