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Bispo do Funchal: “Há na ilha esta sensibilidade a Deus”

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Muitos presépios pela altura do Natal, festas das capas e freguesias pequeninas onde a Igreja quer estar também presente. Imigrantes e emigrantes, estudantes deslocados e a música que levou os madeirenses NAPA a vencer o Festival do Canção. São tudo elementos que levam D. Nuno Brás a elogiar a fé da Diocese que dirige.

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Nesta entrevista à Renascença, que pode ler e ouvir na íntegra, o Bispo do Funchal, que mantém “saudades de Lisboa”, reconhece que era positivo ter mais padres disponíveis, livres das amarras das paróquias, para garantir o acompanhamento de dinâmicas como o fenómeno turístico. Ainda assim, diz que não se pode queixar.

As declarações de D. Nuno Brás foram realizadas à margem do Encontro Ibérico das Comissões Diocesanas de Comunicação Social, que decorreu esta semana na Madeira.

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Já aqui está há uns anos na ilha. Quais são as principais potencialidades que vê na Madeira?

A Madeira é uma terra que vive essencialmente do Turismo. 80% da Economia da ilha está centrada no Turismo, direta ou indiretamente. A Madeira não tem planícies para poder ter agricultura industrial. Não tem recursos minerais. Aquilo que tem para oferecer é o turismo. O que significa que tem as potencialidades do Turismo e que tem as fragilidades do Turismo. Quando foi a pandemia, por exemplo, eu fiquei em pânico, porque uma ilha que vive 80% do Turismo, se deixa de haver Turismo, de que é que as pessoas vivem? Como é que as pessoas comem? Temos 40 mil camas em hotelaria e temos 30 mil camas em alojamento local. O que significa que a 100% a ilha terá mais 70 mil habitantes do que aquilo que são os 250 mil madeirenses que aqui vivem. E, por isso mesmo, obviamente, que o Turismo é muito importante. Mesmo que não seja a 100%, mas mesmo que seja a 80%, de qualquer forma, são uns bons milhares. Esqueci-me dos turistas dos cruzeiros, 2 ou 3 cruzeiros por dia significa 5 mil pessoas mais. Obviamente que marca muito a vida da ilha.

Apesar desses recursos que o Turismo vai trazendo, nota a existência de uma Madeira a duas velocidades, ou seja, uma Madeira mais citadina, com muito trabalho, e uma Madeira mais interior, mais desertificada e mais abandonada?

Abandonada não diria, mas sim. Mesmo em termos de património religioso, o grande património religioso concentra-se nas paróquias do sul. Assim como a população se concentra essencialmente no sul. Foi uma aposta errada do Tristão Vaz Teixeira. Eram os dois capitães da ilha, o Tristão Vaz Teixeira, que era, digamos, com maior nobreza, escolheu a parte leste e norte. O Gonçalves Zarco ficou com aquilo que ficou, que é aquilo que hoje é o Funchal, e toda a parte oeste, ficou com a parte melhor, sem saber eventualmente. Agora, eu não diria que é uma ilha em duas velocidades. É interessante que, mesmo em termos do Turismo, uma boa parte é feita nas levadas, por exemplo. São turistas alemães, escandinavos, que vêm para fazer as levadas, por causa da paisagem, e alguns deles depois perdem-se porque vão para sítios onde não deviam ir, e alguns deles até morrem porque querem tirar aquela fotografia da vida. Vão para picos e para lugares onde não deviam estar, apesar de todas as sinaléticas. O norte, apesar de tudo, tem também bastantes infraestruturas turísticas, e, portanto, não é propriamente um norte desamparado, mas é um norte despovoado, isso sim. São paróquias muito pequeninas, freguesias muito pequeninas, conselhos mesmo. A rede viária da ilha faz com que no máximo de uma hora toda a gente consiga estar no Funchal. Há umas condições muito engraçadas e muito interessantes para viver, o que é reconhecido por muitos estrangeiros, europeus e americanos, que aqui passam o Inverno. Compram casa para o lado oeste, passam ali o Inverno, porque têm aqui Segurança, Saúde, têm boas estradas, é uma ilha europeia, estão como se estivessem na terra deles, com menos frio.

Os bons acessos a essas partes mais recônditas da ilha facilitam também o trabalho da Igreja nessas paróquias?

Facilita, embora depois o facto de serem zonas com menos gente complique. Os acessos são bons. Obviamente que tem o problema da dispersão e tem o problema do despovoamento. Um dos grandes problemas da ilha é o problema demográfico. A ilha chegou a ter mais habitantes, a ter 300 e tal mil. Neste momento tem vindo a decair, precisamente por causa disso. Aqui há 50 anos era fácil encontrar famílias com 12 filhos, agora há famílias com 2 ou 1 no máximo.

Nota-se nas missas?

Nota-se nas missas, nota-se depois também na Pastoral Juvenil. Acresce um outro problema, que é o facto de, graças a Deus, termos um bom Ensino Secundário, e à volta de 85% – são os dados oficiais – dos alunos que terminam o Secundário seguem para a Universidade. São dados muito interessantes, mesmo em termos europeus. Mas tem um problema, que é a Universidade da Madeira não é capaz de dar vazão a toda essa quantidade de alunos e a esmagadora maioria procura universidades no continente. Procurando universidades no continente, depois vão ficando por lá. Seja porque encontra uma carreira mais apetecível lá, seja porque constitui família por lá. Mesmo apesar dos NAPA e da canção dos NAPA, que apesar de tudo é muito verdadeira em termos do sentimento do estudante madeirense que vai para Lisboa e que se sente deslocado na grande cidade, mas depois vai ficando por lá. Esse é o facto. Poucos são aqueles que regressam.

E que outros problemas, para além dessa situação demográfica, que outros problemas é que identifica na ilha e como é que a Igreja pode atuar para os resolver?

A Igreja não tem propriamente a vocação de resolver os problemas sociais da ilha. A Igreja tem por vocação anunciar o Evangelho de Jesus Cristo e é isso que faz em primeiro lugar. A primeira missão da igreja é ser aquela sentinela vigilante de Deus. Apontar para Deus, não se esqueçam de Deus – Deus está presente, Jesus Cristo salva-nos. Agora, claro que existe o problema das drogas, claramente também.

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Infelizmente, sobretudo o célebre “bloom”, aquelas drogas sintéticas que é muito difícil de qualificar em termos legislativos e muito difícil também o combate. Sim, é uma realidade. Claro que a habitação, a habitação é um problema muito grande. O Governo tem dito que está a tomar medidas, esperemos que sim, pelo menos vemos construção aí por todo o lado, vamos ver se isso significa um descer do preço da habitação – é um problema grave. O custo da habitação, não apenas no Funchal, mas um pouco por toda a ilha. Claro que isto significa que as pessoas, mesmo os funchalenses, têm que arranjar casa noutros lugares e significa depois também o problema de tráfego, aquilo que antes não existia. Eu recordo, há 7 anos, quando vim para aqui, não havia filas de trânsito. Hoje, todos os dias há filas de trânsito. Claramente houve aqui uma mudança de gente que vem trabalhar para o Funchal e que regressa depois a casa. Depois, é claro que há pobres. A Madeira tem um emprego, não digo a 100%, mas por lá perto. O problema é aqueles que trabalham e que não conseguem ganhar o suficiente para a família e para a educação dos filhos.

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Têm recebido, na Madeira, pedidos de ajuda por parte dessas famílias?

Há sempre pedidos. Aqui, sobretudo no Funchal, a Cáritas é a grande instituição que tem dado ajuda a esses vários casos. Temos também várias outras instituições, os centros sociais paroquiais que existem e que dão apoio, por exemplo, muito grande à terceira idade um pouco por toda a ilha. Existem também, e creio que é muito importante dizer em termos de ação social, os Irmãos de São João de Deus e as Irmãs Hospitaleiras no acolhimento a deficientes mentais, sobretudo, mas depois também nos problemas de álcool, de droga.

Falámos há bocadinho do trânsito, muitos TVDS que aqui trabalham são descendentes de venezuelanos. A ligação à Venezuela está também muito presente, é uma grande marca da Madeira. Como é que essa comunidade tem aqui vivido, se tem integrado ao longo dos últimos anos?

No geral, não há nenhuma família madeirense que não tenha gente emigrada, não tenha ou não tenha tido pessoas emigradas. Os imigrantes são uma presença muito grande, têm um peso muito grande no quotidiano da ilha – a ligação às comunidades migrantes, em Jersey, em Inglaterra, na África do Sul, na Austrália, Canadá, mas de uma forma muito particular, de facto, a Venezuela. Houve um “boom” muito grande de migração para a Venezuela, o que significa que muitos madeirenses construíram lá a sua vida. Alguns regressaram, outros mantêm-se por lá ainda, outros vieram quando houve aquele problema financeiro e económico da Venezuela, mas depois optaram por regressar à Venezuela, o que é interessante. Outros venezuelanos vieram também, digamos, a reboque de todo este movimento. É muito fácil nós encontrarmos nas ruas do Funchal gente a falar não é castelhano, é venezuelano. São madeirenses que têm aquele acento venezuelano, mas são madeirenses aceites por todos. Sobretudo são muito empreendedores, não conseguem estar parados. Claro que há um ou outro caso social, sobretudo daqueles venezuelanos que vieram, que não têm aqui ninguém. Ultimamente, temos também a presença de nepaleses, paquistaneses, também brasileiros, que vêm por causa dos serviços nos hotéis. Não havendo madeirenses para esses serviços, chegam os imigrantes. Mas é interessante, é um fenómeno de há um ano, dois anos. Penso que serão facilmente integrados, tanto mais que os madeirenses são gente habituada a contactar desde sempre com estrangeiros. Penso que a coisa vai ser fácil.

A nível mais eclesial, como é que classificaria a fé atual dos madeirenses? Como é que têm estado as igrejas?

É um fenómeno interessante. Aquilo que me dizem é que as pessoas, atualmente, procuram mais referências à fé. E isso parece-me muito bonito e muito importante. Creio que é um dado também cultural. Quando o Bispo vai a uma paróquia, habitualmente a igreja está cheia. Não estão a abarrotar, mas estão cheias. A fé do madeirense é uma fé muito real. Uma fé eventualmente não muito esclarecida no sentido de: se lhe for fazer uma pergunta sobre o que é isto da Santíssima Trindade, são capazes de responder como respondia o Carvoeiro; é uma célebre história de um grande teólogo inglês que se perdeu numa floresta e encontrou um carvoeiro; meteu conversa e perguntou ao carvoeiro, «então, mas em que é que você acredita»; e o carvoeiro respondeu, «eu acredito naquilo que a Igreja acredita»; mas então em que é que a Igreja acredita? – «acredita naquilo que eu acredito». É uma fé de quem percebe a presença de Deus, de quem necessita da presença de Deus, que é uma marca muito interessante dos habitantes das ilhas, é uma fé eventualmente não muito esclarecida. Aí há que fazer um trabalho grande, seja com as camadas mais adultas, seja com as camadas mais jovens também, mas Deus é uma referência e isso é muito bonito.

Para todas as gerações, ou tem-se perdido a fé com o passar dos anos, com os mais novos a chegar?

Eu creio que podemos dizer que é para todas as gerações. Mesmo que as gerações mais jovens nem todas depois tenham prática dominical. Embora haja também alguns dados de esperança nesse aspeto. É óbvio que se trata de uma tradição, que é, por exemplo, a tradição das capas. A festa das capas, como aqui não havia Universidade – a Universidade existe há relativamente pouco tempo -, a grande festa dos finalistas era a imposição das capas, até porque depois os que iam para o continente levavam as suas capas e faziam depois a vida académica no continente. Com a autorização do rei, desde há cento e tal anos que existe esta tradição, mas mantém-se. É muito interessante que todos os alunos queiram que o Bispo ou um Padre esteja na festa das capas. Podiam dizer, isto não me importa nada e adeus – não é verdade.

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Continua a haver essa ligação.

Muitos destes alunos que passam pelas bênção das capas, depois encontro-os também nas paróquias, alguns como catequistas, outros como cantores, outros como escuteiros. Significa que a referência não é simplesmente a bênção das capas. Há na ilha esta sensibilidade a Deus. Já agora, na altura do Natal: a quantidade de presépios que existem na rua. Recordo a minha tristeza ao olhar Lisboa e outras cidades da Diocese sem uma referência ao presépio. Aqui não. Aqui o presépio está e está naturalmente. Faz parte do Natal Madeirense.

A nível de sacerdotes, está a ilha bem servida ou era preciso mais para o trabalho que há a fazer?

O bispo tem sempre que dizer que a ilha está bem servida com bons sacerdotes. Mas é verdade. Neste momento tenho os sacerdotes suficientes para as paróquias. Gostaria muito de ter mais sacerdotes por 3 motivos. Primeiro, para acompanhamento dos migrantes. Há muitas comunidades na Venezuela, na África do Sul, em Inglaterra, em Jersey, por exemplo, que me pedem assistência de sacerdotes e eu não posso enviar-lhes sacerdotes. É uma dor do Bispo do Funchal não poder. Segundo, porque são necessários sacerdotes que não estejam vinculados ao serviço paroquial, que não estejam presos ao serviço paroquial, mas possam estar libertos para tarefas evangelizadoras, para outros dinamismos. Será, por exemplo, a pastoral do turismo, claramente deficitária na vida da pastoral diocesana. Todos os dias, nós temos pessoas que vêm ao Museu da Arte Sacra, que vão ver a Catedral, que vão visitar tantas igrejas por toda a ilha e precisávamos de ter estratégias, precisávamos de os acompanhar, precisávamos de lhes fazer pelo menos o primeiro anúncio. E isso não está a acontecer. Precisava de sacerdotes para isso. E precisava também de sacerdotes que pudessem ajudar os serviços da Conferência Episcopal Portuguesa. Neste momento tenho os sacerdotes suficientes para as paróquias que tenho. E um clero relativamente jovem, não me posso estar a queixar sem razão.

Não resisto a perguntar-lhe se tem saudades do continente.

Tenho muitas saudades. Muitas saudades de Lisboa, da cidade em si. Gosto muito da cidade de Lisboa, mas sobretudo das pessoas, claro. Gosto muito, deixei lá muitos amigos. Seja, enfim, porque desde os 17 anos que vivo em Lisboa. Saudades também de muitas pessoas nas várias paróquias da Diocese, desde a Nazaré até Sacavém e Mafra, que estavam sob a minha responsabilidade. Muita gente que eu conheci, muitos amigos que lá deixei, que de vez em quando passam por aqui, mas só de vez em quando.


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