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André Gomes (SMZS) “Médicos satisfeitos não precisam de ser prestadores de serviços”

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HealthNews (HN) – Quais são as prioridades absolutas da nova direção do SMZS para os primeiros meses de mandato, no sentido de inverter a perda de poder de compra dos médicos e a degradação das condições de trabalho no SNS?

André Gomes /SMZS (AG) –  O SMZS, em conjunto com o SMN e SMZS, através da FNAM, irá pugnar para o regresso ao processo negocial, uma vez que o Ministério da Saúde excluiu a FNAM do processo. Encontra-se a decorrer, através da Direcção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho (DGERT), o processo de conciliação para que possamos voltar à mesa negocial e apresentar a nossa proposta de Acordo Coletivo de Trabalho (ACT-ACCEM).

As nossas propostas, nomeadamente a reposição de direitos retirados no período de intervenção da Troika em Portugal (35h por semana, 25 dias de férias), bem como a atualização da tabela salarial, o retorno do regime de dedicação exclusiva opcional e majorada e ainda a (re)inclusão do internato na carreira médica permitirão voltar a trazer os médicos para o SNS.

HN – Como é que o SMZS planeia concretizar o objetivo de recuperar o poder de compra perdido na última década, nomeadamente através da reposição do horário semanal de 35 horas e da atualização das tabelas remuneratórias, num contexto de negociações que têm sido descritas como infrutíferas?

(AG) –   As reuniões negociais não têm, infelizmente, tido resultado prático. E não têm tido só para os médicos, mas para outras profissões da saúde (veja-se o caso dos enfermeiros, técnicos e outros profissionais da saúde) e outros sectores. É uma realidade de grande dificuldade imposta pela intransigência deste Governo PSD-CDS, que tem seguido uma estratégia clara: a assinatura de alguns acordos pontuais, alinhados com a visão do Governo, com sindicatos nos referidos sectores.

O SMZS e a FNAM querem negociar. E querem negociar mesmo, apesar dos entraves colocados pelo Ministério da Saúde, nomeadamente com a marcação de reuniões com ordens de trabalho genéricas e sem partilha dos documentos a analisar nessas reuniões. São dificuldades que nos colocam, mas que iremos continuar a enfrentar. Porque queremos negociar mesmo, ainda que nos desmarquem reuniões no próprio dia ou na véspera.

E, por isso, temos em andamento com a DGERT o processo de mediação/conciliação.

Quando as negociações se tornam infrutíferas, temos de contar com a força dos médicos para demonstrar a nossa insatisfação, através das mais diversas formas de expressão (comunicação social, plenários, concentrações, greve).

Sabemos o que enfrentamos. Sabemos as forças que temos. Mas sabemos, sobretudo, para onde queremos ir!

HN – O programa fala no combate à precariedade e na oposição à “uberização” da Medicina. Que medidas concretas e imediatas propõe para travar a proliferação de vínculos laborais precários, tanto no setor público como no privado?

(AG) –   Só existe uma forma de combater a precariedade: apostar na estabilidade e qualidade dos vínculos laborais.

Em primeiro lugar, é preciso reforçar as condições dos vínculos laborais estáveis. Os médicos optam pelos vínculos laborais instáveis, porque, no momento, eles permitem compensar monetariamente (muitas vezes sem o mesmo grau de exigência e carga de trabalho) aquilo que o seu vínculo base não consegue. O aumento dos salários e a redução do período normal de trabalho semanal sem perda de vínculo são absolutas necessidades neste combate à precariedade. Médicos satisfeitos com o seu salário não necessitam de se transformar em “prestadores de serviços”.

Em segundo lugar, ainda que a curto prazo seja difícil, temos de olhar para o tipo de vínculos. No sector público, a universalização das Unidades Locais de Saúde (ULS) trouxe a universalização dos contratos individuais de trabalho (CIT). Ainda que médicos sindicalizados sejam abrangidos pelas proteções conferidas pelos ACT no que aos CIT diz respeito, o modelo que defendemos, pela sua estabilidade, regulação e benefícios, é o contrato em funções públicas. Este foi o modelo de sucesso que permitiu que o SNS português fosse um exemplo a nível mundial.

HN – Um dos pontos fortes do programa é a defesa intransigente de um SNS público e universal. No entanto, como é que o sindicato concilia esta visão com a necessidade urgente de fixar médicos no Serviço Nacional de Saúde, face à concorrência do setor privado e à atratividade de outros mercados internacionais?

(AG) –   Muitos são os desafios que se colocam ao SNS e a outros serviços públicos. Ainda que de forma não tão evidente e “agressiva”, essa competição do sector privado e do mercado internacional já se fazia sentir. O que existia e foi sendo desmantelado foram os mecanismos que serviam de “escudo” a essa pressão externa. O exemplo mais gritante é o desaparecimento do regime de dedicação exclusiva, opcional e majorada. Este regime vinculava os médicos ao serviço público, na mesma medida em que os beneficiava monetariamente por isso. Infelizmente, ele foi extinto num Governo PS, do Primeiro-Ministro José Sócrates e Ministra da Saúde Ana Jorge. Estamos convictos de que este regime voltaria a fixar muitos profissionais no SNS. E podemos ir até mais longe: este regime poderia ser progressivo, de acordo com o número de anos de dedicação ao SNS e a evolução na carreira médica, motivando os médicos a quererem continuar no SNS ao longo dos anos.

Outro dos aspetos fundamentais é a revisão do conceito de “vaga carenciada”. Os atuais benefícios são claramente incapazes de motivar a fixação de médicos nas zonas mais carenciadas do país, especialmente tendo em conta o custo da habitação. Mais justo seria falar em “serviço carenciado”, beneficiando todos os profissionais que nela trabalham e não apenas os novos colocados. E é por demais evidente a necessidade de uma rede de suporte, criada da articulação Governo-Poder Local, que vá para além dos benefícios financeiros diretos: habitação, transporte, etc.

Em suma, para a FNAM, o que preocupa não é concorrência externa provocada pelo mercado internacional e o sector privado. O preocupante é que o SNS tem vindo a ser desmantelado por forma a deixar de ser uma competição para os sectores atrás referidos.

HN – No capítulo da organização do SNS, a lista defende a revisão do modelo das mega ULS e uma maior autonomia para os Cuidados de Saúde Primários. De que forma é que o SMZS vai pressionar o Ministério da Saúde para que estas alterações estruturais, que implicam uma reorganização profunda, sejam implementadas?

(AG) –   Os sucessivos Governos têm-nos habituado a reestruturações e mudanças sem apresentação de evidência robusta sobre a melhoria que essas mudanças irão causar no sistema.

Em que se baseou o anterior Governo PS para generalizar o modelo de ULS em todo o país? Considerou as diferenças regionais e de infraestruturas entre as várias unidades? Ou simplesmente replicou um modelo que, num determinado contexto, demonstrou sucesso (qual a evidência?) e agora vivemos confrontados com as incongruências de um modelo que funcionaria bem em ponto pequeno, mas que se torna incapaz de operar em grande escala. Se usarmos uma metáfora de “corte e costura”, um modelo de vestuário pode ficar bem numa pessoa baixa, mas ser desadequado para uma pessoa alta, e vice-versa.

Das mega-ULS hospitalares (Santa Maria ou São José em Lisboa) às mega-ULS regionais (distritos enormes como Beja ou com enorme pressão demográfica como Algarve), não terá o modelo acentuado o centralismo, o hospitalocentrismo? Qual o papel dos Cuidados Primários, cada vez mais escassos, nestes modelos?

Como disse, que evidência pode apresentar este Governo, ou os anteriores, de este é o modelo correto? Porque no sentido contrário, o sentido da aposta nos Cuidados Primários e na Prevenção, existe evidência de que é possível atingir mais ganhos em saúde com menor investimento.

HN – O assédio laboral é identificado como um problema grave. Para além da criação de códigos de conduta, que mecanismos práticos e imediatos de apoio e proteção irá o SMZS disponibilizar aos médicos que se sintam vítimas deste tipo de situações, especialmente os mais vulneráveis como os internos?

(AG) –   O SMZS tem como objetivo neste mandato estreitar os laços com os seus associados. Irão ser criadas comissões sub-regionais, onde os dirigentes e delegados de cada uma destas sub-regiões terão uma plataforma de discussão e comunicação próxima, estreitando, deste modo, a ligação aos locais de trabalho.

Vai ser uma grande aposta desta Direção, para que o SMZS esteja no sítio onde mais faz falta: no terreno, nos locais de trabalho, ao lado dos seus associados. Estas medidas de organização interna contribuirão, assim esperamos, para que os associados do presente e do futuro possam denunciar de forma célere e descentralizada este e outros problemas ao Sindicato.

Ainda no decorrer do anterior mandato, reforçámos o quadro do Departamento Jurídico, pelo que, aliado à maior proximidade que queremos criar com os associados, esperamos estar à altura das exigências dos nossos associados que depositam em nós a sua confiança.

HN – O programa apresenta propostas muito específicas para áreas como a Medicina Geral e Familiar, a Saúde Pública e as Regiões Autónomas. Como é que o sindicato pretende assegurar que estas reivindicações setoriais não ficam para trás face a lutas mais gerais da classe, como a política salarial?

(AG) –   As lutas gerais da carreira médica terão sempre um destaque evidente, quanto mais não seja pela quantidade de médicos abrangidos por elas. Contudo, por imperativo ético e de elementar justiça, não pode o SMZS esquecer temas próprios de cada especialidade, especialmente aquelas com menor número de profissionais (Saúde Pública, Medicina do Trabalho, Medicina Legal), ou de sectores específicos (médicos internos, médicos do Ministério da Defesa, etc.). Neste sentido, o SMZS criará comissões próprias destes sectores, para que os dirigentes, delegados e associados destes sectores possam ter um espaço comum de reflexão, discussão e ação sindical. Apenas se pode dar voz, dando voz.

O mesmo é válido para as sub-regiões. Este mecanismo de descentralização é particularmente importante para as sub-regiões mais distantes ou com menor número de associados. Que não haja motivo para um associado não ter o seu espaço de participação e discussão sindical; este novo modelo que idealizamos pretende dar resposta a esta necessidade.

Eça de Queiroz imortalizou, de forma crítica, que “o país está entre a Arcada e São Bento”. Acompanhamos esta leitura crítica, pois o SMZS procurará estar entre Abrantes e Faro. Entre Açores e Madeira.

Entrevista MMM

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