Atualidade

Aguiar Branco e tensão no Parlamento: “Nunca senti descontrolo”

Publicidade - continue a ler a seguir

O presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar Branco, acredita que “por muitos momentos de tensão” que existam no Parlamento, tem sido sempre possível que a “democracia funcione”.

Em entrevista à Renascença, o presidente da Assembleia da República reconhece que pode “demorar um bocadinho mais”, mas considera que o Parlamento tem funcionado nos últimos meses, e dá o exemplo da aprovação do Orçamento do Estado, lei da nacionalidade e da lei dos estrangeiros.

Nesta entrevista, em que nos recebe na Sala de Visitas do Parlamento, Aguiar Branco sugere que “é natural” que o Chega seja tido em conta na escolha dos novos juízes para o Tribunal Constitucional.

Esta é a primeira parte da entrevista do Presidente da Assembleia da República à Renascença. Pode ler a segundda parte da conversa com José Pedro Aguiar Branco aqui.

Publicidade - continue a ler a seguir

A proposta de Orçamento do Estado está aprovada na generalidade. É sinal de estabilidade política, ou há aqui uma espécie de paz podre porque não interessa a ninguém que haja eleições?

É sinal de estabilidade política. Acho que todos interpretam corretamente o sentido do voto que os portugueses deram – desejam que o governo governe, e que a oposição faça o seu trabalho, que possa haver estabilidade para que se resolvam os problemas dos portugueses. Os portugueses, quando foram votar, votaram para quatro anos.

Os portugueses esperam o sentido de maturidade de todos para que seja possível encontrar os consensos que garantam essa estabilidade para resolver os seus problemas. É um exercício de maturidade política e que tem em causa e tem como base a estabilidade.

O governo aprovou o Orçamento do Estado com a abstenção do PS. Para a Lei da Nacionalidade e dos Estrangeiros procurou um entendimento com o Chega. Isso valoriza, ou desvaloriza o Parlamento?

Estou satisfeito quando se chega a consensos no sítio onde eles devem acontecer, que é na Assembleia da República. A Assembleia da República existe para estabelecer o debate democrático. Existe para haver um confronto de ideias, para que se exponham pensamentos e propostas em relação àquilo que acha ser o melhor para os portugueses. E como não há uma maioria absoluta de nenhum partido, os portugueses também esperam que haja a sabedoria, a maturidade e a responsabilidade de encontrar consensos.

Esses consensos, neste plenário, nesta Assembleia de pluralidade e de geometria variável, obriga a que ora sejam feitos de uma forma, ora sejam feitos de outra. O que é importante é que no final seja possível haver os consensos, para haver soluções para os problemas dos portugueses.

Ainda estamos no processo de especialidade, mas tudo aponta para que o Orçamento venha a ser aprovado, ao selo está a ser um contributo grande para que o governo tenha condições para governar. E quando se chega a um consenso – como na Lei da Nacionalidade, que foi obtida na Assembleia da República com dois terços – é a representação da expressão do voto popular – é a democracia a funcionar. Significa que temos as nossas instituições a funcionar. Estamos a dar um bom exemplo.

O governo tem avisado as oposições contra as mexidas que colocam em causa o excedente orçamental, que é uma das metas deste Orçamento do Estado. Acompanha esse aviso e a necessidade de manter contas certas, ou estamos aqui numa chantagem por parte do governo?

O objetivo das chamadas contas certas e do equilíbrio orçamental é, felizmente, hoje em Portugal, um dado adquirido pelos partidos responsáveis. E têm de ter essa a responsabilidade política na hora de apresentar as propostas e fazer as votações. É esse exercício de maturidade e de responsabilidade que eu estou convicto que vai acontecer. Por isso, não vejo como chantagem, vejo como uma regra que todos têm dito que desejam cumprir.

Acredita que a polarização entre esquerda e direita é saudável, ou o debate político já é só tóxico e extremado, apesar da maturidade de que há pouco falou?

Se fizer uma vista geral sobre todos os parlamentos, nomeadamente na Europa, verificará que estão todos muito fragmentados. Portugal até é uma boa comparação. Nós temos 10 partidos representados. Em Espanha, França, Itália, até na própria Alemanha, países nórdicos, há uma grande fragmentação dos parlamentos. Devemos ver essa pluralidade com naturalidade, porque representa a pluralidade da sociedade, é expressão do voto popular – neste caso do povo português. O confronto de ideias faz parte, é a base da democracia. Devemos combater ideias com ideias, e todos precisamos de ter condições para expressar essas ideias – mais ainda na casa da democracia. E através do contraditório, do debate, e das votações, fazem-se as maiorias que conduzem às políticas que são necessárias para que o governo governe. Não sou de dramatismos, acho que o confronto de ideias é o direito à diferença, são pressupostos da democracia.

É melhor que isso aconteça no Parlamento, é assim que deve acontecer quando há respeito pelas instituições democráticas, que por excelência é o Parlamento, do que resolver as coisas na rua.

Assistimos agora a uma ameaça dos médicos tarefeiros de paralisar uma parte do SNS. Essa estabilidade política pode ser abalada, não dentro do Parlamento, mas na rua?

Todos os Governos tiveram muitos momentos de tensão a esse nível. Lembrarmo-nos bem das questões das forças de segurança, das questões dos bombeiros, professores.

Essa crítica mais tensa ou do desafio com setores mais tensos faz parte da vida dos governos, se compararmos Portugal com Espanha, com França, com Itália, e mesmo com o vemos que isto é a normalidade. Espero que haja a competência suficiente para que se evite ao máximo essas tensões na rua e que não sejam aí que elas sejam resolvidas. Elas têm de ser resolvidas pelo diálogo.

Esta ameaça de paralisar o o Serviço Nacional de Saúde, por parte dos médicos tarefeiros, é uma ameaça legítima do ponto de vista democrático?

Há um quadro legal, e esse quadro legal é um quadro que tem de ser respeitado. A partir do momento em que esse quadro legal é respeitado, estamos a trabalhar num quadro que constitucionalmente e o regime normativo permite.

Evitar que isso aconteça já é ação política em benefícios dos cidadãos. Não quero fazer um juízo político, quero é chamar a atenção que tudo isso tem de se conformar dentro daquilo que é o quadro legal.

No momento em que o debate estava muito áspero em relação ao Orçamento do Estado, vi-mo-lo cansado e a suspirar. Arrepende-se de ter aceitado novamente ser presidente da Assembleia da República?

Não. E acho que tenho demonstrado que a minha paciência – espero eu – é [TD1] infinita. Não é apenas uma questão de personalidade. O papel do presidente da Assembleia da República é muito importante no que diz respeito à preservação da qualidade do regime democrático. Eu tenho de ser o garante de que há igualdade de armas, de que todos podem exprimir as suas ideias, e que essas ideias podem ser contraditadas, impedir que o debate seja condicionado. Por muitos momentos de tensão que aconteçam, a democracia funciona, o plenário funciona. São aprovados diplomas; é aprovado o Orçamento; passou o programa do governo; é aprovada uma lei tão importante como a Lei da Nacionalidade; é a democracia a funcionar.

Não, nao vejo isto como um fardo, vejo como uma missão.

Tem adotado uma estratégia de desvalorização dos apartes…

Não tenho feito uma desvalorização dos apartes. Como sabe, nem sempre ouço, e a mesa não ouve, eventuais apartes que não devem acontecer.

Os apartes, do ponto de vista de manifestar concordância ou discordância em relação a uma determinada intervenção, sempre existiram. Faz parte da prática parlamentar. Depois há o aparte que não é aparte, que é alguma intervenção para condicionar outro deputado, ou que corresponde a uma situação menos respeitosa, como um insulto ou uma situação que seja não conforme ao Código de Ética. Quando eu vejo que acontece, eu intervenho. Chamo a atenção, digo que não pode ser. Há bem pouco tempo um jornal de referência fez a estatística das minhas chamadas de atenção à esquerda e à direita e o resultado é bastante equitativo.

Eu não privilegio, nem à direita nem à esquerda, quando os apartes não devem acontecer, faço a devida chamada de atenção. Às vezes é cansativo? É. Às vezes isso exige ainda mais paciência? Também. Mas acho que não são impeditivos do debate se fazer.

Vai manter essa linha ou, a prazo, pode vir a tomar uma linha mais musculada?

Eu mantenho a linha no sentido em que acho que estou a fazer uma interpretação correta do regimento – permitindo que o debate aconteça, e chamando a atenção relativamente à questão da urbanidade e da forma respeitosa como deve acontecer. Não devemos confundir liberdade de expressão com as regras de urbanidade e de respeito com que o debate deve ser feito. São duas coisas diferentes.

O regime de suspensão temporária de deputados faz sentido?

Eu não tenho nenhum regime sancionatório no nosso regimento. Portanto, é pela via do exercício e do reconhecimento que os deputados dão à minha autoridade na condução dos trabalhos. É nessa base que eu tenho que fazer a gestão do debate. De resto, não há um regime sancionatório.

Mas devia haver?

Se tiver que haver regime sancionatório, isso depende do impulso que os grupos parlamentares dão. Os grupos parlamentares é que têm o poder de iniciativa e de voto para que se desejarem alterar o regimento.

Estamos no tempo de fazer uma mudança?

Há muitos grupos parlamentares que falam sobre o tema, mas nenhum apresentou, nenhum sugeriu, não há propostas na mesa. Eu vivo bem com este regimento, porque tenho muito presente que os deputados que estão na Assembleia da República não foram convidados, nem entraram pela porta do lado. Estão no exercício de um mandato do povo português. A forma como exercem depois esse mandato, a meu ver, deve ter as consequências que, na hora de voto, os portugueses desejam premiar, ou penalizar quem exercer mal o mandato.

Mas na condução dos trabalhos dava-lhe jeito ter mais formas sancionatórias quando já não consegue controlar?

Eu consigo controlar, nunca senti descontrolo. Pode às vezes demorar um bocadinho mais tempo, ou um bocadinho menos tempo, mas a história mostra que todas as eleições plenárias aconteceram – tiveram a sua conclusão, houve as votações, e tomaram-se deliberações. A verdade é que a democracia tem funcionado, o plenário acontece, conclui os seus trabalhos, vota e há condições para que o governo governe e a oposição exerça a oposição. Nunca senti até hoje qualquer tipo de descontrolo que não permita que a democracia funcione.

O Parlamento tem adiado a eleição de alguns órgãos externos. Há urgência em eleger, por exemplo, os juízes para o Tribunal Constitucional?

Era importante que isso acontecesse. Eu tenho lembrado essa matéria em quase todas as conferências de líderes , era um passo importante e de responsabilidade que os grupos parlamentares tomassem como prioridade, de indicar e chegar a consenso nessa matéria.

Depois do Orçamento do Estado?

Até já devia ter acontecido, portanto, na primeira oportunidade. É importante para o regular funcionamento das instituições, os cargos serem preenchidos para que as instituições possam funcionar, tal como a Constituição prevê.

Os dois partidos, os chamados tradicionais e o Chega, deviam entender-se para chegar a um entendimento sobre essa eleição ou há aqui uma tradição entre os dois partidos, PS e PSD, que deve ser respeitada?

Na base, é o voto que conta. A composição e as escolhas dependem do voto, é natural que ela tenha que ter em atenção a geometria de cada Assembleia da República. Como disse, tradicionalmente tinha uma, hoje tem outra. Isso tem de ser tido em linha de conta também na hora de se fazer os consensos.

Está a dizer é que o Chega deve ser tido em conta.

Há escolhas para determinados cargos que devemos ver de forma bastante despartidarizada. E é esse o cuidado que devemos ter. Uma pessoa que vai para uma determinada social função, melhor dito, ao Terminal Constitucional, deve ter como primeira linha de referência a sua competência técnica, a sua avaliação e a capacidade de viver e trabalhar com a Constituição, antes de ser a expressão de partido A, B ou C.

Não quero entrar no campo da avaliação política da ação dos partidos nas suas escolhas. Isso compete aos grupos parlamentares e eu, como Presidente da Assembleia da República, acho que não tenho que me pronunciar, mantendo a minha equidistância.


Créditos:

Vídeo: ARTV

Edição de vídeo: Ricardo Fortunato, Renascença

Fotografia: ARTV


Source link

Publicidade - continue a ler a seguir

Seja membro da PortalEnf 




[easy-profiles template="roundcolor" align="center" nospace="no" cta="no" cta_vertical="no" cta_number="no" profiles_all_networks="no"]

Portalenf Comunidade de Saúde

A PortalEnf é um Portal de Saúde on-line que tem por objectivo divulgar tutoriais e notícias sobre a Saúde e a Enfermagem de forma a promover o conhecimento entre os seus membros.

Deixe um comentário

Publicidade - continue a ler a seguir
Botão Voltar ao Topo