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Portugal está a perder a sua classe média  e ainda não o percebeu

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Sérgio Sousa

Mestre em Saúde Pública

Enfermeiro Especialista de Enfermagem Comunitária e de Saúde Pública na ULSM

Enfermeiro Responsável da Unidade de Saúde Pública da ULSM

Nos últimos dez anos, o salário mínimo nacional em Portugal subiu de 505 € em 2015 para 820 € em 2024, estando previsto atingir os 920 € em 2026 (idealista.pt).
Em contrapartida, o salário médio bruto por trabalhador aumentou para cerca de 1 602 € em 2024, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (dn.pt).
O afastamento entre o mínimo e o médio diminui fenómeno que muitos economistas designam por “compressão salarial”.

Esta compressão tem implicações profundas para a classe média, que se vê cada vez mais pressionada entre rendimentos que não acompanham o custo de vida e responsabilidades fiscais e profissionais elevadas.

O tabu da produtividade e do mérito

Talvez o verdadeiro problema não esteja apenas nos salários, mas na forma como o país evita discutir o mérito. Portugal tornou-se perito em igualar por baixo: nivela carreiras em vez de as diferenciar e confunde justiça social com uniformidade salarial.

Enquanto outros países investem em bónus de desempenho, carreiras técnicas valorizadas e formação contínua, insistimos numa narrativa que teme o mérito como se fosse elitismo.

Mas um país que não recompensa o mérito não atrai talento  e, sem talento, não há produtividade que resista.

Na saúde, o exemplo mais visível

Para profissões como a de médico, enfermeiro ou engenheiro, a situação agrava-se: não basta o salário médio não avançar; acrescem condições de trabalho que chocam com os ideais de dignidade laboral.

A greve dos enfermeiros de 17 de outubro de 2025 foi o sintoma mais visível desta fadiga: os sindicatos afirmam que o novo Acordo Coletivo de Trabalho proposto permite que o horário diário seja alargado em até cinco horas, que a semana possa atingir 60 horas, para além das horas extraordinárias, condições que nenhum país moderno deveria considerar normais e que dificultam a conciliação com a vida familiar.

Portugal forma milhares de profissionais de saúde todos os anos, mas muitos não ficam.
Mantendo o exemplo nos enfermeiros, só em 2023, 1 612 emigraram, segundo a Ordem dos Enfermeiros (Observatório da Emigração, 2024). Partem em busca de melhores salários, sim, mas sobretudo de condições de trabalho compatíveis com a vida familiar e com a dignidade profissional.

A pressão sobre a classe média acumula-se também por três vetores estruturais:

  1. Habitação: preços e rendas sobem mais rápido que os rendimentos;
  2. Produtividade: continua abaixo do potencial, por falta de incentivos e políticas eficazes;
  3. Fiscalidade: consome grande parte do rendimento disponível.

Dados recentes indicam que a remuneração bruta média por trabalhador atingiu 1 741 € no segundo trimestre de 2025 crescimento nominal de 6 %, mas real (ajustado à inflação) apenas 3,7 % (idealista.pt). Mesmo medidas anunciadas no Orçamento do Estado para 2026, como uma ligeira redução do imposto sobre o rendimento (IRS) para quem recebe salários intermédios ou a dispensa de certos impostos para bónus e prémios até 6 % do salário, ainda são insuficientes para melhorar significativamente o poder de compra da classe média. Em outras palavras, apesar de representarem algum alívio, não compensam os custos crescentes com habitação, alimentação e serviços essenciais.

Em tempos em que tanto se discute o que se usa no rosto, talvez fosse tempo de o Parlamento da República Portuguesa priorizar o que realmente preocupa os portugueses: o rendimento com que vivem e a possibilidade de conciliar trabalho com vida familiar. Mais do que aparência, os cidadãos querem substância  um salário justo, uma casa acessível e a preservação do que Portugal ainda tem de melhor: Educação, Saúde, qualidade de vida e tempo para a família.

Proteger a classe média é, no fundo, proteger o país de si próprio e o Parlamento não pode perder tempo com distrações quando está em causa o futuro de milhões de famílias.

 

 

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