
Pesquisa revela possibilidade de nova terapia medicamentosa para doenças hereditárias

Células fibroblásticas fetais contendo mutação no gene do DNA mitocondrial: o tratamento com um inibidor reverteu a condição. Crédito: Marcos Chiaratti/DGE-UFSCar
Um estudo publicado em Ciência revela um mecanismo celular envolvido na herança de mutações genéticas. O estudo também aponta para um tratamento potencial que poderia reduzir o risco de bebês nascerem com doenças mitocondriais graves e incuráveis.
Segundo as conclusões do grupo, a transmissão dessas alterações envolve um processo que bloqueia a eliminação das mitocôndrias mutantes e aumenta o seu número nas células. Isso explica como essas variantes “escapam” da seleção e podem causar doenças no futuro.
As mitocôndrias são a principal fonte de energia em todas as células e possuem seu próprio DNA. Logo após a fertilização, o embrião passa a ter um sistema de “controle de qualidade” que elimina mitocôndrias “defeituosas”, processo denominado mitofagia. Durante esse processo, a proteína ubiquitina atua como um marcador que direciona as moléculas alteradas à destruição.
A mitofagia mantém a harmonia entre o DNA mitocondrial (mtDNA) e o DNA nuclear, garantindo a compatibilidade entre os dois. No entanto, como o mtDNA sofre mutações a uma taxa aproximadamente 15 vezes superior à do genoma nuclear, isto representa um desafio à sua relação simbiótica.
A enzima USP30 (protease 30 específica da ubiquitina) atua sobre a ubiquitina bloqueando-a e evitando a “rotulagem”, o que reduz a eliminação. Os desequilíbrios no USP30 têm sido associados a diversas doenças, incluindo doenças mitocondriais e neurodegenerativas. Um grande acúmulo de mutações resulta em incompatibilidade, causando disfunção mitocondrial e efeitos negativos à saúde. Este processo está bem documentado na literatura científica.
No entanto, existem mutações mais leves que também causam doenças, mas passam despercebidas e não são eliminadas pelas células. Este mecanismo complexo foi mal compreendido.
Os resultados
Os investigadores demonstraram agora in vivo que as células respondem às mutações do mtDNA desactivando o efeito marcador da ubiquitina em vez de activar novas vias biossintéticas.
Usando ratos, os cientistas descobriram que as mutações não são percebidas nos primeiros dias após a fertilização porque o USP30 está superativado, o que inibe a ubiquitina de marcar o DNA mitocondrial defeituoso e bloquear sua eliminação. Isto resulta num aumento da massa mitocondrial e do genoma, o que permite a transmissão de mutações que podem causar doenças.
No estudo, o grupo demonstrou que impedir a ação do USP30 com o composto inibidor 39 (CMPD39) cria uma “janela de eliminação” para o DNA mitocondrial alterado logo após a fertilização. Durante este período, o embrião elimina naturalmente as mitocôndrias paternas. Ao contrário do ADN nuclear, onde os filhos herdam metade de cada progenitor, o mtDNA é transmitido apenas pela mãe.
No estudo, os cientistas propuseram duas possibilidades: tratar embriões precoces após fertilização in vitro para reduzir o número de células com uma elevada carga mutacional antes da implantação e direcionar o USP30 terapeuticamente para tratar ou prevenir doenças hereditárias raras que afetam cerca de uma em cada oito mil pessoas.
“As doenças mitocondriais podem causar deficiências devastadoras e até impedir que algumas famílias tenham filhos. O Reino Unido aprovou uma nova forma de fertilização in vitro que pode prevenir a sua transmissão, mas fora isso, não temos forma de prevenir estas doenças, e há poucos tratamentos disponíveis”, disse Patrick Chinnery, professor de neurologia na Universidade de Cambridge e autor correspondente do artigo.
“Nossa descoberta aponta para uma possível nova terapia medicamentosa que poderá ajudar a deter essas doenças no futuro, permitindo que as famílias tenham filhos saudáveis”.
Recentemente, uma equipe de pesquisadores da Universidade de Newcastle realizou com sucesso uma técnica inovadora de fertilização in vitro envolvendo a substituição do DNA mitocondrial mutante das mães por mitocôndrias de doadores saudáveis. O tratamento foi denominado terapia de reposição mitocondrial. Nasceram oito bebês – quatro meninos e quatro meninas – que podem estar protegidos de doenças mitocondriais. Os resultados foram publicados em O Jornal de Medicina da Nova Inglaterra.
“Sabemos que essa técnica de substituição mitocondrial é controversa e só foi aprovada, por enquanto, na Inglaterra e na Austrália. Com nossas pesquisas mostramos que existem outras possibilidades, principalmente farmacológicas, para tratar o embrião e prevenir a transmissão desses tipos de doenças”, acrescenta Marcos Roberto Chiaratti, professor do Departamento de Genética e Evolução da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e único autor brasileiro do artigo publicado em Ciência.
O que eles são?
As doenças mitocondriais são distúrbios metabólicos hereditários que afetam a função mitocondrial, resultando potencialmente em danos a órgãos vitais, como o cérebro e o coração. Os mais comuns incluem neuropatia óptica hereditária de Leber (LHON), síndrome de Leigh e MELAS (encefalopatia mitocondrial, acidose láctica e episódios semelhantes a acidente vascular cerebral).
Dependendo de quais células são afetadas, os sintomas podem variar desde problemas de crescimento e atrasos no desenvolvimento cognitivo até fraqueza muscular, dor, perda de visão e/ou audição e convulsões.
Embora não existam tratamentos específicos para essas doenças, às vezes são usados medicamentos para controlar os sintomas. O diagnóstico costuma ser complexo e requer uma análise detalhada dos dados clínicos do paciente, bem como outros tipos de exames, como biópsias musculares, análises bioquímicas e testes genético-moleculares.
Mais informações:
Michele Frison et al, a mitofagia mediada pela ubiquitina regula a herança de mutações no DNA mitocondrial, Ciência (2025). DOI: 10.1126/science.adr5438
Citação: Pesquisa revela possibilidade de nova terapia medicamentosa para doenças hereditárias (2025, 16 de outubro) recuperada em 16 de outubro de 2025 em https://medicalxpress.com/news/2025-10-reveals-possibility-drug-therapy-hereditary.html
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