
Para além da sobrevivência: o papel da mobilização precoce na pessoa sob ventilação mecânica invasiva em cuidados intensivos.
Inês Bento
Enfermeira Especialista em Enfermagem de Reabilitação, Professora Adjunta na Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa – Lisboa e Doutoranda em Enfermagem na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa e Universidade de Lisboa. Centro de Investigação, Inovação e Desenvolvimento em Enfermagem de Lisboa (CIDNUR).
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A história mundial revela que situações de guerra e catástrofe permitiram o desenvolvimento da ciência, impulsionando estratégias de tratamento que salvam vidas. Foi neste contexto que surgiu o conceito de doença crítica, com contornos particulares e complexos, caracterizando-se pela falência de pelos menos um órgão vital.
Em 1928 surgiu o primeiro equipamento capaz de apoiar ou substituir a função respiratória: o ventilador mecânico. O seu desenvolvimento foi potenciado pelas epidemias de poliomielite e evolui continuamente até aos dias de hoje, encontrando-se ao serviço de equipas de saúde que prestam cuidados ao doente crítico.
Recentemente, com a COVID-19, os media aproximaram estes conceitos do público em geral. Na sua expressão mais grave, esta doença, pode conduzir à insuficiência respiratória, levando à necessidade de ventilação mecânica invasiva e ao consequente internamento em cuidados intensivos.
Todavia, a doença crítica não se limita a epidemias e catástrofes. A longevidade e o envelhecimento populacional e os tratamentos complexos de doenças graves também aumentam o risco de falência orgânica. Em 2017 o ministério da Saúde Português estimou que, até 2027, a necessidade de camas de cuidados intensivos aumentaria 160%.
Um olhar atento sobre este fenómeno faz emergir a necessidade de conhecer a trajetória clínica da doença crítica. A fraqueza muscular adquirida nos cuidados intensivos é um problema prevalente nos sobreviventes da doença crítica, decorrente da imobilidade durante o internamento, de situações frequentes de inflamação sistémica, stress oxidativo e da utilização de medicamentos sedativos e bloqueadores neuromusculares.
A ventilação mecânica invasiva contribui para a perda de massa muscular, podendo atingir os 4% por dia de ventilação. Esta redução muscular contribui para alterações funcionais futuras, comprometendo funções básicas como caminhar ou realizar atividades de vida diárias, aumenta a duração do internamento e dificulta a transferência entre níveis de cuidados. Estes fatores promovem a redução da qualidade de vida dos sobreviventes da doença crítica, a necessidade de existirem cuidadores após a alta hospitalar e eleva os custos em saúde.
A missão dos cuidados intensivos vai além de salvar vidas – visa acrescentar valor aos dias vividos pelos doentes e suas famílias, garantindo cuidados que capacitem a sobrevivência.
As equipas de saúde dos cuidados intensivos são responsáveis por gerir a fraqueza muscular adquirida neste contexto de prestação de cuidados, desenvolvendo ações que previnam ou minimizem esta condição. A mobilização precoce – conjunto de intervenções terapêuticas desenvolvidas e aplicadas para antagonizar a imobilidade, incluem exercícios passivos e ativos, dependendo da capacidade de participação do doente, bem como técnicas de posicionamento no leito.
As intervenções de mobilização precoce devem iniciar-se nas primeiras 48 a 72h de internamento em cuidados intensivos, atendendo à estabilidade clínica do doente, de forma progressiva e sistematizada com recurso a técnicas manuais e dispositivos médicos. A orientação das técnicas e recursos a utilizar deverá acontecer atendendo aos resultados clínicos, avaliados por instrumentos de avaliação já existentes, ou desenvolvidos pela equipa.
Particularmente no doente crítico sob ventilação mecânica invasiva, os programas de mobilização precoce com melhores resultados na gestão da fraqueza muscular contemplam técnicas de mobilização manual e recorrem à estimulação elétrica neuromuscular, à cicloergometria (bicicleta estática que se adapta ao leito), e recorrem a dispositivos robóticos, como elevador móvel ou mesa de inclinação progressiva – tilt table.
Quanto aos posicionamentos a evidência enfatiza a eficácia da elevação da cabeceira e do ortostatismo precoce para a promoção de níveis mais elevados de mobilidade durante o internamento.
Estes aspetos devem incentivar as equipas de saúde a implementar programas de mobilização precoce nos cuidados intensivos, desenvolvendo estratégias profissionais que permitam uma aplicação efetiva das intervenções.
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