
O risco de malária na Amazônia é maior em regiões com degradação florestal intermediária

Uma armadilha luminosa para mosquitos na orla da floresta. A pesquisa coletou vetores de Anopheles e amostras de sangue de moradores de Cruzeiro do Sul, no estado brasileiro do Acre. Crédito: Fredy Galvis/Amazônia+10
Em meio às discussões preparatórias para a COP30, que também envolvem temas relacionados à saúde, um estudo contribui para a compreensão da relação entre o desmatamento e a propagação da malária na Amazônia Legal. Essa região abrange todos os nove estados brasileiros onde se encontra o bioma Amazônia e foi criada pelo governo federal para fins de desenvolvimento regional.
O estudo mostra que a cobertura florestal intermediária com 50% de desmatamento aumenta os casos humanos da doença e as taxas de infecção por mosquitos Anopheles, particularmente o subgênero Nyssorhynchus.
O estudo enfatiza a necessidade de intervenções direcionadas que integrem o controlo de vetores com a conservação florestal devido à associação persistente entre desflorestação e doenças. A malária é transmitida através da picada de uma fêmea infectada do mosquito Anopheles, portadora de uma ou mais espécies do protozoário Plasmodium. O mosquito Anopheles também é conhecido como mosquito-prego ou mosquito-do-pântano.
Os pesquisadores realizaram coletas de campo em 40 locais de Cruzeiro do Sul, município do estado do Acre localizado na fronteira do desmatamento. Juntamente com outras cidades do Vale do Rio Juruá, o município é considerado um foco persistente de incidência de malária; as intervenções ao longo da última década não foram capazes de interromper os ciclos endémicos.
As áreas selecionadas representam um gradiente de cobertura florestal e níveis de desmatamento. As descobertas foram publicadas na revista Acta Trópica.
“Em nossa pesquisa, descobrimos que o maior risco de transmissão da malária ocorre quando há uma proporção de 50% de floresta nativa perto de moradias, assentamentos ou centros populacionais. O risco também é alto quando a vegetação é fragmentada, permitindo maior contato entre os vetores da floresta e os humanos.
“Por outro lado, diminui se o desmatamento for completo, porque o ambiente se torna inóspito ao vetor, ou quando a floresta é restaurada a níveis acima de 70%, mostrando a importância da conservação e restauração”, disse Gabriel Laporta, autor correspondente do artigo e biólogo.
Para avaliar como a estrutura da paisagem influencia a transmissão, foram utilizados dados sobre a abundância de mosquitos vectores e taxas de infecção, bem como sobre casos de malária em humanos.
“Achamos extremamente importante coletar não apenas os vetores, mas também amostras de sangue dos residentes. Testamos a infectividade tanto no grupo de vetores quanto nos grupos de hospedeiros. Esse padrão de risco de transmissão no meio do gradiente de cobertura florestal apareceu em ambos os conjuntos”, explicou Laporta.
Laporta, professor do Centro Universitário da Faculdade de Medicina da FMABC, pesquisa a malária há mais de 10 anos.
No projeto, os cientistas pretendem compreender melhor os ciclos persistentes da malária, da doença de Chagas e da transmissão da leishmaniose cutânea no contexto do desmatamento. Para tanto, estão trabalhando com modelagem integrada de geoprocessamento e tecnologias de sensoriamento remoto combinadas com informações sobre a incidência de parasitas humanos e os níveis de Plasmodium vivax, P. falciparum, Trypanosoma spp., e Leishmania spp. infecção em mosquitos. No total, o projeto envolverá cinco anos de monitoramento, com conclusão prevista para 2027.
Ciência passo a passo
Em 2021, um grupo de cientistas, incluindo Laporta, publicou um artigo no Relatórios Científicos com resultados de um estudo espaço-temporal longitudinal baseado em dados coletados em assentamentos rurais amazônicos. O estudo mostrou um risco maior de malária associado ao desmatamento.
Foram detectados dois picos de ocorrência de vetores: o primeiro, envolvendo Plasmodium vivax, Nyssorhynchus darlingi e vetores locais, ocorreu entre 10 e 12 anos após o início dos assentamentos. O segundo pico ocorreu entre 36 e 38 anos depois; no entanto, os vetores locais estavam ausentes e os outros dois tipos eram predominantes.
Outro estudo mostrou que as mudanças na paisagem amazônica reduziram a diversidade geral de mosquitos, permitindo que o Nyssorhynchus darlingi se tornasse dominante.

O risco de transmissão diminui se o desmatamento for completo porque o ambiente se torna inóspito ao vetor. Também diminui quando a floresta é restaurada para níveis acima de 70%. Crédito: Gabriel Laporta et al./Acta Tropica
Batalha constante
O desmatamento é uma das principais causas da propagação da malária em países endêmicos como o Brasil. Outras causas incluem alterações nos tipos de mosquitos predominantes, perda de biodiversidade e grandes projectos de infra-estruturas que modificam paisagens naturais, tais como centrais hidroeléctricas, actividades mineiras e urbanização.
As alterações climáticas agravaram a situação ao criarem condições mais favoráveis à proliferação de mosquitos através do aumento das temperaturas, combinado com chuvas e secas intensas. As medidas que podem ser tomadas para resolver estes casos incluem sistemas de vigilância sanitária, atenção às populações mais vulneráveis e respostas rápidas a catástrofes naturais.
Reconhecendo que a crise climática impacta diretamente a saúde da população e a necessidade de integração dessas duas agendas, a presidência da COP30, que acontecerá em novembro em Belém, capital do estado do Pará, incluiu a saúde em seus dias temáticos.
“As questões ambientais e de saúde pública parecem distantes, mas estão intimamente ligadas. Uma forma de intervir em áreas como as que estudámos seria promover iniciativas sustentáveis que proporcionem rendimentos aos residentes. As florestas conservadas têm produtos valiosos, mas tendem a ser menos rentáveis do que a abertura de terras para pastagens ou uso agrícola. O pagamento por serviços ecossistémicos, através do mercado de carbono, por exemplo, pode ser uma alternativa.
“Uma conferência como a COP30, que reúne responsáveis governamentais e decisores, pode ser uma oportunidade para discutir como substituiremos o modus operandi actual”, comenta Laporta.
A malária é considerada um problema de saúde pública global e é endêmica nos nove estados da Amazônia Legal. Segundo o Ministério da Saúde, a região foi responsável por 138 mil dos 142 mil casos registrados no país em 2024.
Por meio do Plano Nacional de Eliminação da Malária, o Brasil se comprometeu a atingir menos de 14 mil casos até 2030 e atingir a meta final até 2035.
Os investigadores do estudo alertam que a eliminação da malária requer tratamentos eficazes e estratégias abrangentes de controlo dos vectores. Eles sugerem tornar o ambiente menos favorável aos vetores Anopheles, mantendo a biodiversidade em áreas florestais conservadas como uma solução potencial.
“A combinação destes factores ecológicos com protocolos de tratamento melhorados pode alavancar os esforços de eliminação da malária”, escrevem no artigo.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que ocorreram 263 milhões de casos da doença e 597 mil mortes associadas em todo o mundo em 2023. Cerca de 95% destas mortes ocorreram em países africanos, onde o acesso aos serviços de prevenção, detecção e tratamento ainda é limitado.
A prevenção individual pode ser conseguida através da utilização de redes mosquiteiras e telas para proteção contra mosquitos, bem como de repelentes. As medidas coletivas incluem obras de saneamento, preenchimento de criadouros de vetores e melhoria das condições de vida de populações vulneráveis.
A doença causa febre, calafrios, tremores, sudorese e dores de cabeça. Em casos graves, pode causar convulsões, sangramento e alteração da consciência. No Brasil, os pacientes geralmente recebem tratamento ambulatorial do SUS (Sistema Único de Saúde), a rede nacional de saúde pública.
Mais informações:
Gabriel Z. Laporta et al, Cobertura florestal intermediária e risco de malária em uma fronteira de desmatamento na Amazônia, Acta Trópica (2025). DOI: 10.1016/j.actatropica.2025.107757
Citação: O risco de malária na Amazônia é maior em regiões com degradação florestal intermediária (2025, 24 de outubro) recuperado em 24 de outubro de 2025 em https://medicalxpress.com/news/2025-10-malaria-amazon-higher-regions-intermediate.html
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