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O que falta para que a enfermagem seja reconhecida como uma profissão de desgaste rápido?

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Luís Filipe Barreira, Bastonário da Ordem dos Enfermeiros

Em meados de 2024, foi lançada uma petição pública que pedia o reconhecimento da enfermagem como uma profissão de alto risco e de desgaste rápido. A petição, que foi votada na Assembleia da República, em janeiro deste ano, acabou por ser chumbada, com base no argumento de que estaria a ser criado um grupo de trabalho responsável por avaliar estas questões. Quanto a este grupo de trabalho, até à data, pouco ou nada se sabe – apenas que apresentariam algumas conclusões sobre esta matéria até março deste ano. Passados mais de seis meses, essas conclusões nunca foram publicamente conhecidas…

A Ordem dos Enfermeiros não pode ignorar a pressão e o desgaste mental, físico e psicológico a que os enfermeiros estão sujeitos diariamente. Muitos enfermeiros chegam a trabalhar mais de 60 horas por semana, com turnos prolongados, trabalho noturno e um contacto permanente com situações extremas e adversas, designadamente o sofrimento humano e a morte. Acrescem ainda outros fatores, como a exposição a riscos biológicos, químicos e físicos, nomeadamente a radiação.

Segundo os dados de um inquérito da Organização Mundial da Saúde, divulgados por ocasião do Dia Mundial da Saúde Mental (10 de outubro), Portugal é o terceiro país europeu com taxas mais elevadas de depressão e ansiedade entre enfermeiros. À luz deste estudo, que foi o maior até agora realizado sobre a saúde mental de enfermeiros e médicos, a prevalência da depressão em profissionais de saúde em Portugal ronda os 44% – um valor ultrapassado apenas pela Letónia e pela Polónia (ambos os países com 50%).

Não podemos ignorar estes dados, até porque sabemos que os níveis de exaustão e fadiga dos enfermeiros, em última instância, podem comprometer a prestação de cuidados de qualidade. O trabalho dos enfermeiros tem uma natureza muito própria. Lidamos com vidas humanas e trabalhamos no limbo da vida e da morte. São estas especificidades da enfermagem que deveriam ser devidamente contextualizadas e enquadradas na moldura laboral.

Tendo em conta que este é o retrato quotidiano de muitos enfermeiros portugueses, a OE defende um debate urgente sobre o reconhecimento da enfermagem como profissão de desgaste rápido. Esta medida acarreta, invariavelmente, a revisão da idade da reforma e a criação de um subsídio de risco, à semelhança do que acontece com as forças de segurança.

A reivindicação dos enfermeiros relativa à antecipação da idade da reforma é legitimada por todos os aspetos anteriormente elencados. Ninguém pode prestar cuidados de saúde de qualidade a terceiros, sem antes garantir que as suas condições laborais não colocam em risco a própria saúde e segurança.

A enfermagem deve, por tudo isto, ser reconhecida formalmente como profissão de risco e desgaste rápido, através da criação de um estatuto legal próprio. Este reconhecimento, que justifica a antecipação da idade da reforma, não pode ser vedado apenas por uma questão de lógica financeira e sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde. A sociedade tem de garantir que os enfermeiros exercem as suas funções num contexto de valorização e garantia de todos os direitos laborais.

Aliás, todos sabemos que a garantia de melhores condições de trabalhos aos enfermeiros será uma forma de atrair novos profissionais e equilibrar o saldo entre as saídas e as novas entradas. Não nos podemos esquecer que arrastar a idade da reforma dos enfermeiros, até ao limite das suas forças, só gera encargos elevados, com baixas médicas prolongadas e menores índices de produtividade. Todos estes prós e contras devem ser ponderados durante as tomadas de decisão.

Foram critérios como a pressão e o stress, desgaste físico e emocional e as condições de trabalho que estiveram na génese da concessão (legítima) do estatuto de profissão de desgaste rápido a mineiros, pescadores, desportistas profissionais e bailarinos clássicos/contemporâneos, entre outras. Os enfermeiros reúnem todos estes critérios, mas a sua profissão ainda não possui o estatuto de desgaste rápido. Sem este reconhecimento, não haverá revisão da idade da reforma. E, assim, continuaremos a empurrar indefinidamente este problema com a barriga. Às custas do esforço acrescido dos enfermeiros que dedicam as suas vidas a cuidar do próximo.

Perante todos estes entraves, há uma pergunta que os enfermeiros fazem reiteradamente: o que nos falta fazer mais para conquistarmos o direito de nos aposentarmos mais cedo?

 

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