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Miguel Farinha: “E se fosse possível pensar Portugal a dez anos?”

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Entrevistar presidentes de consultoras tem sempre frases em inglês que nos habituámos a ouvir, ao ponto de se tornarem música de elevador. O presidente da EY não é assim. Tem pensamento próprio e um posto de observação privilegiado. Não só o escritório tem vista para o Tejo, como fala todos os dias com velhas raposas empresariais e jovens turcos à procura de uma nesga de oportunidade.

O investimento direto estrangeiro em Portugal aumentou 21%. Portugal sobe na escala europeia e isto numa Europa em contração. Consegue desagregar esse investimento direto estrangeiro para perceber se o que surge é fundamentalmente imobiliário…
As grandes áreas em que Portugal se tem destacado são software e serviços, IT, isto é, desenvolvimento de software, de engenharia informática, aplicações de software e ainda prestação de serviços, também de consultoria para fora do país. São negócios como estes que têm estado a crescer. Vendem serviços para fora, não apenas para a Europa, mas para o mundo inteiro. É isso que diz o último o Attractiveness SurveyPortugal da EY.

A impressão que tenho é que grande parte desse negócio é dominado por empresas como a EY e até a WPP, que vende serviços de marketing e publicidade. Não são propriamente empresas locais.
Tem de tudo. É verdade que nós e outros temos ganho esse espaço internacional. Começou por ser quase apenas nos países de língua portuguesa, mas hoje é muito mais do que isso. Vendemos para todo o lado. Por norma, estamos a falar de trabalho com valor acrescentado, é bom notar isso. Não são call centers. Veja o que se passa com a inteligência artificial, há cada vez mais empresas em Portugal a trabalhar nesta área, há vários centros de investigação no nosso país. Hoje estamos habituados, mas é um fenómeno que tem poucos anos. Nós temos uma equipa em Portugal concentrada em desenvolver aplicações de inteligência artificial para os escritórios da EY pelo mundo fora.

O país deu um salto importante na qualificação das pessoas, mas ainda continuamos baratos…
É verdade, sim, mas penso que há uma outra grande explicação: a disponibilidade de recursos com competências diversificadas e certas em Portugal para o fazer. Não é coisa pouca. Revela um ponto importante da evolução de Portugal. Temos feito um trabalho excelente nas universidades. Atrevo-me a dizer no negócio das universidades, que formam cada vez mais pessoas talentosas e não apenas portugueses. Esta exportação da academia puxou-nos para a frente, fez-nos andar muito depressa. Há aulas em inglês, isso era impensável há dez anos. Se olharmos para o tal estudo da EY, os investidores pedem-nos que continuemos a desenvolver estas competências. Estou a pensar em software, em vários tipos de engenharia… tudo o que é tecnologia. E a saúde também, já me ia esquecendo. Ao nível dos médicos e também investigação.

Está a falar da saída de médicos e enfermeiros para o estrangeiro?
Não, nada disso. Dou um exemplo, de uma empresa portuguesa que tem feito um caminho extraordinário, a Sword, nesta área. Esta grande empresa tem não só engenheiros de tecnologia, como tem a parte de medicina; desenvolve software que exige o conhecimento de médicos.

A grande recessão de 2011-2014 foi o ponto de viragem. Portugal virou-se para as exportações. Até a Nova SBE nasceu nessa altura. Uma ideia do Pedro Santa Clara que seguiu em frente porque ninguém, na Nova, achou que aquela ideia louca iria funcionar.
É verdade. As exportações valem hoje quase 50% do PIB, foi um salto de quase 20 pontos percentuais. Descobrimos em nós esta capacidade de irmos além. Já estávamos integrados numa semi-conseguida União Europeia, mas não só o mercado único não está concretizado, como nós estávamos, de certa forma, ainda muito virados parta dentro, para o mercado não-transacionável.

Mas agora temos essa capacidade. Esse ciclo está ainda em crescimento ou já estamos a atingir uma certa maturidade… talvez até provocada pela subida dos salários…
Seguramente irá amadurecer, mas o ciclo ainda é recente. Penso, também, que Portugal beneficia um bocadinho do cenário global. Guerras, conflitos, tarifas para todos os gostos. É uma observação gasta, o velho Portugal dos brandos costumes. Não interessa aqui discutir se é isto ou se foi assim, o relevante aqui é que somos um ponto de estabilidade no meio do alvoroço, a que se junta a vantagem geográfica, outro argumento antigo. Portugal está numa posição privilegiada na Europa, longe destes conflitos. A questão é que antes estas vantagens não tinham por trás a elevada qualificação das pessoas e a estratégia. E aqui refiro-me aos privados, mas não menosprezo o trabalho do Estado. E temos um outro ponto em que nos diferenciamos: estamos bem com os americanos, isso tem valor.

Na verdade, estamos bem com os chineses, estabelecemos relações com quase todos. António Costa, antigo primeiro-ministro, até se dava com o Viktor Órban… É uma espécie de neutralidade portuguesa?
Isso tornou-se mais claro nos últimos anos, sim. Mas deixe-me falar de um ponto que me parece relevante. Portugal até desceu dois níveis no investimento, de acordo com o nosso estudo. Ou seja, estávamos no sétimo lugar, estamos no nono. Perdemos algum investimento com origem em investidores que já cá estão. Houve menos desenvolvimento de novos projetos a partir dos investidores que já cá estão. As razões podem ser várias. Porque já estão no ponto onde querem estar, porque descobrem bloqueios burocráticos difíceis de entender. Ou seja, continuamos a ter capacidade de atração, mas temos de tratar dos que cá estão.

O que nos traz ao OE2026. O IRC baixa um ponto percentual, para os 19%. Já não há grande margem orçamental, a não ser que a economia cresça olimpicamente. Confia que a descida deste imposto vai continuar nos próximos anos?
O PSD quer baixar até aos 17% até ao final da legislatura. Tem cumprido, conto que consiga encontrar a margem orçamental necessária para prosseguir. Vai ser preciso cortar despesa, ou melhor, rever despesa, que, aliás, deveria ser um hábito, como em muitas empresas. A IA vai dar uma ajuda certamente. Já pensou no contributo da IA para as funções do Estado? A IA é, neste sentido, reformadora, ou melhor, cria uma dinâmica reformadora.

Já falaremos um pouco disso, continuemos no OE2026.
O corte pequeno no IRS já demonstra a redução da margem orçamental…
Sim, mas convém lembrar que a redução vem de trás, tem feito caminho, embora os impostos sobre o trabalho tenham de baixar. Pagamos muito a partir de salários relativamente baixos, esse é o problema. Temos muita gente que ganha tão mal que não paga IRS, pouca gente a ganhar muito, logo, sobram os do meio para carregar aos ombros grande parte da despesa. Nada de novo, não é? Isto só muda com a mudança da economia, com a nossa capacidade para vender serviços e bens de alto valor acrescentado. Também aqui está tudo dito… e o caminho está a ser feito. Eu gostava que fosse mais rápido do que na última década. Possível? Não sei se é. Temos investidores estrangeiros, temos uma economia mais globalizada, mas começamos também a ter um grau de conflitualidade política acentuada que funciona como travão – travão da mudança, travão da evolução, travão deste impulso recente. Penso que seja cedo demais para nos sentirmos talvez tão realizados.

Os investidores olham para o OE2026?
Claro. Quer dizer, têm pessoas e equipas que fazem isso para gerir os seus interesses no nosso país, mas também importa comparar com o que está a acontecer nos outros, isto é, para comparar e escolher o destino do próximo investimento. Daí eu ter referido há pouco a redução do investimento feito por agentes que já cá estão. Diria que estamos numa fase em que temos de fazer mais. Todos os países, ou pelo menos muitos deles, vão caminhar para um IRC de 17%. Isto significa que os 17% são o básico, não a meta diferenciadora. Fazer isso com contas públicas equilibradas e com a redução constante da dívida pública, sem que isso signifique piores serviços públicos, é o objetivo.

A quadratura do círculo?
Não, de todo. Penso que é natural que as pessoas se queixem e que os empresários se queixem do nível dos impostos, e acho que é justo que ainda o façam. Agora, teremos todos de aceitar algum tipo de compromisso quer na meta final do impostos, quer nos serviços públicos que damos como garantidos. É um debate constante que nunca está fechado… mas eu prefiro concentrar-me na tal perceção dos investidores sobre Portugal. O primeiro tema que referem quase todos é a simplificação fiscal. Por um lado, a previsibilidade. Todos achamos que baixar impostos é chave, mas ainda é mais importante simplificar. Por outro lado, temos de garantir que as regras são estas e não vão ser alteradas de ano para ano. Pode haver pequenas correções todos os anos, mas não grandes correções todos os anos. O Orçamento do Estado é usado para pequenas revisões tributárias. Isso acabou este ano, espero. Aqui está uma reforma procedimental que multiplica as vantagens. Claro, o nosso sistema de escala é complexo, muito complexo. Estando na posição de uma consultora que presta serviço de assessoria, isso dá-me vantagens, obviamente. São necessários os meus consultores para simplificar aquele novelo. Dito isto, não dramatizemos: não é um bloqueio à atração do investimento.

E o OE2026 ajuda a trazer investimento?
Penso que está alinhado com o que os empresários e os gestores precisam. Quando há redução de impostos, isso é bom. Logo, não nos queixemos demasiado. Agora, eu gostaria que ele fosse mais ambicioso. Esta ambição se calhar só é possível num quadro de maior solidez política e parlamentar, que hoje não existe. Ainda assim, há coisas a acontecer, porque tem havido acordos parlamentares para pôr as coisas a funcionar e assim há alguma estabilidade, que é sempre fértil. Por outro lado, já pensou se fosse possível planear Portugal a dez anos? Temos mais ou menos o dobro da população de Singapura, somos um território pequeno. Fazer mudanças profundas em grandes estruturas empresariais ou em grandes países é mais complexo. Esta escala ajuda-nos a conseguir saltos rápidos, se os quisermos dar. Dizem que a a responsabilidade é dos políticos. Será mesmo? Será só? Não será nossa, não será também coletiva? Eu penso que sim. As novas gerações são muito diferentes da nossa. Querem mais, têm muita impaciência, a estabilidade é chata e o que dá pouco dinheiro não as interessa. Quando entram aqui e não gostam, saem logo. Isso é ótimo. O risco não as assusta.

Entram muitas pessoas novas aqui todos os anos?
Por ano, em média, entram cerca de 500, 600 pessoas. E saem outras 500, por vezes menos. Entra muita gente nova, recém-formada, que faz aqui o seu tirocínio. Formamos muita gente que depois vai para as empresas. Daí a importância de os formarmos bem. Na semana passada entraram 250, aliás, não, entraram 210 novos. Vão para consultoria ou auditoria. São exigentes, mais extrovertidos. Penso que vão querer um país melhor e conhecem bem as dificuldades. Estão dispostos a estar aqui ou a serem recolocados noutra parte do país ou do mundo. Têm curiosidade e apetite.

O crescimento do populismo não pode pôr em causa todo este potencial?
O populismo e o caminhar para os extremos, seja à direita ou à esquerda, nunca é bom e nunca será saudável para a economia e a vida das pessoas. Nunca será bom para uma economia de mercado. E eu acho que todos deveríamos querer isso. Aqui na EY acreditamos muito nisso, numa economia de mercado que favoreça a competitividade, que favoreça a transparência, que seja muito mais previsível, que seja democrática e equilibrada. Penso que Portugal, neste momento, tem isso, apesar do clima mais tenso.

Fonte: Lifestyle Sapo

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