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Enfermeiros a tempo inteiro nas escolas: um imperativo ético e de saúde pública

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Mestre em Saúde Pública; Enfermeiro Especialista de Enfermagem Comunitária e de Saúde Pública na ULSM; Enfermeiro Responsável da Unidade de Saúde Pública da ULSM

Hoje, no Dia Mundial da Saúde Mental, as urgências hospitalares voltam a dar o alerta: está a aumentar o número de adolescentes que recorrem aos serviços por autoagressões e tentativas de suicídio. Os especialistas recordam que “tudo começou na pandemia, quando ficaram fechados”, e, quase cinco anos depois, os efeitos continuam visíveis. Este cenário demonstra a necessidade urgente de consultas regulares de pedopsiquiatria e de vigilância precoce em meio escolar, onde surgem os primeiros sinais de sofrimento.

É nas escolas que as crianças e os jovens passam grande parte do seu tempo. É lá que as dificuldades emocionais, os problemas de saúde e os sinais de exclusão se tornam mais evidentes. E, por isso mesmo, é lá que devem estar os enfermeiros de saúde escolar, a tempo inteiro.

Mais do que tratar, prevenir e incluir

O enfermeiro de saúde escolar tem um papel central na promoção de comportamentos saudáveis, na integração de alunos com doenças crónicas e necessidades especiais, e na criação de ambientes escolares seguros e promotores de bem-estar. Trabalhar em saúde escolar é, acima de tudo, trabalhar na prevenção.

Contudo, em Portugal, a presença destes profissionais continua a depender da disponibilidade das equipas dos cuidados de saúde primários. Muitas escolas são acompanhadas apenas de forma esporádica, e outras nem sequer têm apoio regular. A prevenção, nestes casos, torna-se uma promessa sem prática.

Como afirmou recentemente o enfermeiro Leonel Oliveira, presidente da recém-criada Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Escolar, “trabalhar na saúde escolar é trabalhar a prevenção e a promoção”. É investir no futuro, poupando sofrimento e recursos.

Uma questão de coerência e justiça

A Lei n.º 102/2009 obriga todas as empresas a garantir serviços de saúde ocupacional, com médicos e enfermeiros em proporção ao número de trabalhadores. Mas nas escolas, onde estão milhares de crianças e adolescentes, essa exigência não existe.

A Lei n.º 54/2025, que criou uma rede de serviços de psicologia, foi um passo importante na resposta à saúde mental. No entanto, a promoção da saúde em meio escolar requer equipas multidisciplinares. Psicólogos são indispensáveis, mas não podem atuar sozinhos. Enfermeiros, nutricionistas, assistentes sociais, médicos de saúde pública e terapeutas devem estar articulados num modelo integrado e permanente.

O que o mundo já percebeu

Em França, existem mais de 7.700 enfermeiros escolares com funções de prevenção, vigilância epidemiológica e gestão de situações de emergência. No Reino Unido, o modelo do School Nurse https://healthnews.pt/2025/10/11/enfermeiros-a-tempo-inteiro-nas-escolas-um-imperativo-etico-e-de-saude-publica/#utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=enfermeiros-a-tempo-inteiro-nas-escolas-um-imperativo-etico-e-de-saude-publica é consolidado e transversal a todo o sistema educativo. Nestes países, os enfermeiros fazem parte da escola — conhecem os alunos, acompanham as famílias e participam nos planos educativos.

Em Portugal, essa realidade ainda está por construir. A Fenprof https://healthnews.pt/2025/10/11/enfermeiros-a-tempo-inteiro-nas-escolas-um-imperativo-etico-e-de-saude-publica/#utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=enfermeiros-a-tempo-inteiro-nas-escolas-um-imperativo-etico-e-de-saude-publica estima que muitas escolas continuam sem profissionais de saúde ou de educação em número suficiente e de forma regular. A federação reforça que só com condições dignas de trabalho e com equipas valorizadas será possível garantir a qualidade da educação a que todas as crianças e jovens têm direito.

Sem profissionais de saúde nas escolas, recai frequentemente sobre docentes e assistentes operacionais a gestão de situações para as quais não têm formação específica nem responsabilidade legal. Esta lacuna estrutural fragiliza a resposta a emergências clínicas e compromete a segurança, a inclusão e a própria dignidade do sistema educativo.

O valor da presença de enfermeiros nas escolas

Um estudo desenvolvido no San José Unified School District, nos Estados Unidos  “School nurses’ role in asthma management, school absenteeism, and cost savings: a demonstration project” ((PubMed, 2014)) demonstrou que as escolas que passaram a contar com enfermeiros a tempo inteiro registaram redução do absentismo por doença e menos visitas ao serviço de urgência por crises de asma

Estudos demonstram que a presença de enfermeiros escolares a tempo inteiro pode melhorar a resposta a emergências, aumentando as taxas de sobrevivência em casos de paragem cardiorrespiratória e reduzindo os custos associados ao atendimento de saúde. Esta afirmação é respaldada por uma análise de custo-benefício do programa Essential School Health Services em Massachusetts, que revelou que, para cada dólar investido em serviços de enfermagem escolar, a sociedade economizou aproximadamente $2,20. PubMed, 2014

Um modelo possível para Portugal?

Portugal pode e deve criar um modelo híbrido, em que os enfermeiros de saúde escolar mantenham a ligação às Unidades Locais de Saúde, ao Programa Nacional de Saúde Escolar e aos delegados de saúde locais, garantindo o acesso aos sistemas de informação do SNS e às redes de referenciação, mas atuem a tempo inteiro nas escolas, próximos das comunidades educativas.

Esta integração entre saúde e educação permitiria uma resposta mais célere, humanizada e equitativa, promovendo o bem-estar físico e mental dos alunos e das suas famílias. Mais do que um ideal técnico, trata-se de uma questão ética e social: se as empresas têm direito a profissionais de saúde permanentes, porque não as escolas, onde formamos cidadãos e protegemos o futuro?

Porque não começar com projetos-piloto, apoiados em investigação rigorosa que monitorize vantagens e possíveis limitações deste modelo? Eu, enquanto pai e profissional de saúde, concordo plenamente. E você, caro leitor, estaria disposto a apoiar esta mudança?

 

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