
Enfermagem de Reabilitação: Onde o Cuidado se Transforma em Futuro
Filipa Araújo
Coordenadora do Núcleo de Enfermagem de Reabilitação da Unidade Local de Saúde Santa Maria
Professora convidada da escola superior de saúde da cruz vermelha portuguesa Lisboa
Há profissões que nascem da urgência de cuidar, e há outras que florescem do desejo profundo de devolver à vida aquilo que ela, por momentos, retirou. A Enfermagem de Reabilitação é uma dessas formas de cuidar… silenciosa, persistente, profundamente humana.
Apesar de muito recentemente a Ordem dos Enfermeiros ter revisto o regime das áreas de especialidade, a Enfermagem de Reabilitação é uma das mais antigas e consolidadas. Desde a sua génese, após a Segunda Guerra Mundial, compreendeu-se que tratar uma lesão não bastava. Era preciso restaurar a funcionalidade, a autonomia e, sobretudo, a esperança. Foi esse o ponto de viragem, perceber que o verdadeiro sucesso em saúde não está apenas na cura, mas na capacidade de cada pessoa voltar a viver.
Em Portugal, esta especialidade tem uma história sólida e um corpo profissional notável: mais de cinco mil enfermeiros especialistas em reabilitação espalhados pelo continente e ilhas. Estão presentes nos hospitais, nas comunidades, nas unidades de cuidados continuados, nas equipas de cuidados domiciliários, e mesmo com carreiras exigentes, com percursos formativos longos e inteiramente suportados pelos próprios, continuam a reinventar-se todos os dias, porque sabem o valor de cada pequena vitória. Uma perna que volta a sustentar o corpo, um braço que se ergue para pentear o cabelo, um sorriso que regressa depois de semanas em silêncio, são retratos fies do impacto que esta enfermagem têm na vida das pessoas.
Quando a intervenção é precoce, quando há equipas de reabilitação estruturadas, os resultados são visíveis e mensuráveis: menos dias de ventilação invasiva, menos traqueostomias, mais autonomia e menos dependência. São ganhos que ultrapassam os números e se traduzem-se em vidas retomadas, em famílias reunidas, em histórias reescritas. No Serviço de Medicina Intensiva da ULS de Santa Maria, no serviço de Neurocríticos, por exemplo, em apenas seis meses de atuação sistematizada de uma equipa de reabilitação, reduziu-se em mais de um dia e meio o tempo médio de ventilação mecânica invasiva, e diminuíram-se significativamente as traqueostomias realizadas. Para a pessoa cuidada, este é o verdadeiro valor do cuidado: tempo recuperado, dignidade preservada e humanidade restituída.
O mesmo acontece em várias outras unidades, como por exemplo nas unidades de reabilitação respiratória, onde o treino monitorizado, os ensinos e o acompanhamento atento, permitem que pessoas com doenças respiratórias complexas recuperem o fôlego físico e emocional. Pessoas que melhoram a ansiedade, a perceção de si próprias e a capacidade de realizar atividades diárias com qualidade e esperança de um amanhã mais autónomo. Na pediatria, onde os exercícios reabilitam pequenos pulmões ávidos de oxigénio, para devolver ao corpo a energia própria da idade, controlando sintomas, reduzindo toma de medicação, e ausências mais prolongadas das noites de inverno passadas no bando do serviço de urgência. Na comunidade, com diversos programas de proximidade, que promovem o envelhecimento ativo, a melhoria da capacidade funcional respiratória e a adaptação do meio à sua condição. A enfermagem de reabilitação é mais do que executar técnicas, é uma enfermagem que olha a vida num constante acreditar no potencial humano em todas as fases da sua existência.
Hoje, comemora-se o Dia Nacional do Enfermeiro de Reabilitação, é tempo de agradecer.
Agradecer a todos os que, com ciência, sensibilidade e resiliência, ajudam diariamente tantas pessoas e famílias a reencontrar-se com a sua independência, com o seu “novo” corpo e com o seu “novo” ritmo de vida. A todos os que continuam a cuidar com a mesma paixão e convicção de sempre, acreditando que reabilitar é devolver possibilidades, e com elas devolver futuro, este dia é-vos dedicado.
Porque o que fazemos não é magia, mas sim relação e compromisso, que se materializa em cuidados com um propósito, a sua autonomia. O que acontece depois… muitas vezes, parece mesmo um milagre.
Obrigado e parabéns a todos os Enfermeiros de Reabilitação, por fazerem da reabilitação o mais bonito gesto de esperança em movimento.