
Drones salvam vidas na frente de combate: medicina de guerra ucraniana reinventa-se sob fogo russo
O som de um alerta metálico ecoa pelos corredores subterrâneos de um hospital de campanha perto de Pokrovsk, no leste da Ucrânia. Em segundos, uma equipa de cirurgiões, anestesistas e enfermeiros prepara-se para receber mais um ferido vindo da frente. Nenhum sabe o estado do paciente que está prestes a entrar — apenas que se trata de um dos “casos vermelhos”, os mais críticos entre os combatentes ucranianos.
De acordo com o ‘El Español’, este posto de estabilização, operado pela 14ª Brigada Chervona Kalyna da Guarda Nacional, é o último ponto seguro antes da linha de contacto. Aqui chegam soldados com amputações, ferimentos de bala, queimaduras graves e artérias rasgadas. Muitos resistem durante dias até serem evacuados, pois as equipas médicas se tornaram alvos diretos das forças russas.
“A Rússia tem atacado sistematicamente as nossas ambulâncias e equipas médicas”, explica Bogdan, um dos cirurgiões. “Agora, somos um dos principais alvos. Quando um soldado é ferido, os russos posicionam drones e esperam até nos aproximarmos para atacar.”
A tática, que viola as convenções internacionais de guerra, obriga muitos feridos a permanecerem dias nas trincheiras, em sofrimento e risco de morte. Alguns chegam com infeções graves e até insetos nas feridas. “Estamos a enviar antibióticos e analgésicos por drones, mas não chega”, lamenta o médico.
A medicina adaptada ao campo de batalha
Para responder à escassez de meios e aos atrasos nas evacuações, os médicos ucranianos criaram o chamado tratamento prolongado no terreno. O protocolo inclui o envio de antibióticos, analgésicos e até bolsas de sangue para transfusões no local, tudo acompanhado à distância por videochamada.
Segundo a publicação espanhola, a ideia de transportar sangue por drone partiu do médico militar Ryzhenko “Sprite”, distinguido como o melhor médico de combate da Europa. “Começámos há oito meses. Se houver ligação via Starlink, conseguimos orientar todo o processo à distância”, explica o comandante Andrii. O sangue é preparado no posto, aquecido e entregue aos pilotos de drones Vampire, capazes de transportar até 15 quilos.
Estes drones — originalmente usados para missões de ataque — tornaram-se um elo vital da logística ucraniana. Além de sangue e medicamentos, transportam alimentos, água e munições para as posições mais expostas. “São o nosso serviço de entregas na linha da frente”, ironiza Bogdan.
Graças a estas operações, muitos feridos sobrevivem à chamada “hora cinzenta”, o breve período antes do amanhecer ou do anoitecer em que as evacuações são possíveis sem deteção pelos drones russos. O resto do tempo é passado em caves escuras e abafadas, onde as equipas médicas vivem sob ameaça constante de bombardeamento.
Alguns destes profissionais não veem as suas famílias há mais de um ano. “Essa é a parte mais difícil”, admite Tatiana, anestesiologista-chefe. “Aprendemos a improvisar, a adaptar-nos a cada doente sem saber o que nos espera. Mas cuidamos de cada vida como se fosse única.”
Apesar do cansaço e do perigo, os médicos garantem que nenhum paciente morre durante a fase de estabilização. “Todos sobrevivem aqui”, diz Bogdan. Depois, quando a noite volta a cair, esperam pelo próximo ferido — ou salvam vidas à distância, guiando transfusões em direto, enquanto os drones atravessam o céu cinzento de Donbass.






