
Departamento de Genética Humana em risco por falta de renovação
A maioria dos investigadores do Departamento de Genética Humana do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge tem mais de 50 anos, colocando em risco a continuidade da investigação sobre doenças genéticas e cancros hereditários, alertou a responsável do departamento.
Criado há 50 anos pela investigadora Guida Boavida, o Departamento de Genética Humana (DGH) do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) arrisca perder conhecimento nos próximos anos com a reforma de investigadores.
O alerta é feito à agência Lusa pela coordenadora do DGH, Glória Isidro, contando que 65% dos colaboradores do departamento têm mais de 50 anos, enquanto apenas 11% têm menos de 40 anos.
“Temos um claro sinal de baixa renovação e isto tem impacto. A curto prazo beneficiamos da grande experiência acumulada, mas a médio e longo prazo corremos o risco de perda de conhecimento com reformas próximas e possíveis dificuldades em adaptar-se a novas tecnologias e processos”, salientou.
O problema é particularmente crítico na Citogenética Clássica, área fundadora do departamento, onde seis dos oito técnicos têm mais de 64 anos. .
“Está em risco de deixar de existir no Instituto”, alertou, apontando as restrições de recrutamento da Função Pública como entrave à substituição dos especialistas.
Para a coordenadora, há áreas como a da genética humana, em que é preciso “mudar a mentalidade” do recrutamento: “O problema é que o Estado não permite concursos externos e temos exemplos concretos em todas as áreas. Na nossa área é gritante”. .
“Temos alguns especialistas formados pelas ordens e não podemos ir buscá-los porque é sempre [necessário] concurso interno com vínculo à Função Pública. Um jovem não vai ter vínculo à função pública”, frisou.
Glória Isidro, que ingressou em 1993 no INSA para trabalhar no Laboratório de Oncobiologia, recordou a história do DGH, criado num período de grande transformação científica após o 25 de Abril de 1974.
“Foi neste novo contexto que Guida Boavida começou a contribuir de forma decisiva para o desenvolvimento da genética humana em Portugal”, salientou.
O presidente do INSA, Fernando Almeida, destacou também o caráter pioneiro do laboratório, numa área que “tinha tanto de desafiante, como de delicado e de ambicioso”.
“Na altura, foi quase uma pedrada no charco na investigação e na modernidade de começar a falar-se no genoma, na genética. Hoje, 50 anos depois, é muito fácil, mas na altura era muito mais complicado fazer testes genéticos”, considerou.
Para Glória Isidro, o DGH foi decisivo para a introdução do diagnóstico genético em Portugal e na abertura de novas frentes de investigação científica aplicada à saúde pública. .
“A sua criação representou um avanço decisivo para a modernização dos cuidados médicos e para a integração da genética nas práticas clínicas nacionais”, realçou.
Desde então, o departamento tem inovado em metodologias e tecnologias no diagnóstico, como a técnica de “microarray” no diagnóstico pós e pré-natal em doenças cromossómicas, o teste não invasivo pré-natal e a sequenciação de nova geração.
Glória Isidro destacou a importância da disponibilização gratuita do teste pré-natal não invasivo para as grávidas no Serviço Nacional de Saúde, que está validado para a população portuguesa e em “grande desenvolvimento” no SNS.
Explicou que, embora não substitua a amniocentese, o exame agiliza o rastreio, facilita a investigação de suspeitas detetadas por ecografia e é especialmente útil em regiões com menor disponibilidade de especialistas. .
Distribuída por 10 grupos de trabalho, a investigação do DGH abrange várias vertentes da genética humana, incluindo a genómica e a medicina personalizada, os mecanismos e terapias em doenças raras, as patologias do desenvolvimento sexual, o cancro hereditário e a interação entre genes e ambiente.
A unidade, responsável pelo teste do pezinho, disponibiliza também testes laboratoriais para diversas patologias genéticas e para mais de 500 doenças raras, atuando em todas as fases da vida.
Anualmente, processa, em média, cerca de 110.000 amostras, incluindo as do rastreio neonatal, e a faturação anual tem vindo a crescer, rondando os 3,5 milhões de euros.
A responsável apontou ainda a investigação transnacional, a colaboração entre centros clínicos e académicos, e o reforço da investigação da genética populacional e das doenças raras como prioridades estratégicas.
Entre os principais desafios, destacou o acesso equitativo aos avanços da genética, a integração da inteligência artificial na interpretação de dados genéticos e a consolidação da medicina personalizada e de precisão, para que o perfil genético individual guie a prevenção e o tratamento das doenças. .
Os 50 anos do Departamento de Genética Humana são assinalados hoje com uma conferência no INSA.
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