
Cuidar de quem cuida: por uma nova política de valorização dos enfermeiros no SNS
Gisela Almeida
Enfermeira SIV, INEM – DRC.
Mestre e Especialista em Enfermagem de Reabilitação / PG em Gestão de Unidades de Saúde.
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) enfrenta um dos seus maiores desafios desde a sua criação: garantir a sustentabilidade de um serviço público que continua a ser o maior garante da equidade no acesso à saúde. No centro desta missão estão os profissionais que dão vida ao SNS, em particular os Enfermeiros, cuja dedicação e resiliência têm sustentado o serviço mesmo em momentos de enorme adversidade.
Contudo, apesar do reconhecimento social e político conquistado, a realidade profissional dos Enfermeiros continua marcada por desigualdades estruturais e por uma gestão de recursos humanos que permanece distante dos princípios da valorização e da motivação.
Considero que as negociações em curso entre o Ministério da Saúde e os Sindicatos que representam os Enfermeiros voltam a revelar um problema de fundo: a ausência de uma estratégia verdadeiramente inovadora na gestão das pessoas que sustentam o SNS.
Durante anos, as políticas de saúde centraram-se em reformas estruturais, tecnológicas e financeiras. No entanto, a qualidade e a sustentabilidade do SNS não dependem apenas de equipamentos modernos ou de novos modelos organizativos, dependem sobretudo da capacidade de atrair, reter e valorizar profissionais qualificados e comprometidos. Um sistema que não reconhece a experiência, o mérito e o tempo de serviço dos seus enfermeiros está, inevitavelmente, a fragilizar-se.
Considero urgente a adopção de uma política de Gestão de Recursos Humanos no SNS baseada em três pilares: valorização da experiência profissional, equidade entre vínculos e promoção do bem-estar organizacional. A evidência científica é clara, profissionais satisfeitos e emocionalmente equilibrados prestam cuidados mais seguros, humanizados e eficazes. A felicidade no trabalho não é uma questão secundária, é uma condição essencial para a qualidade assistencial e para a própria sustentabilidade do sistema.
Valorizar os enfermeiros implica ir além do discurso vazio de ação e transformar essa valorização em medidas concretas: reconhecer o tempo de exercício profissional independentemente do contrato, criar percursos de progressão claros e transparentes, e promover ambientes de trabalho saudáveis, onde a autonomia e o respeito sejam práticas quotidianas.
Falo, aqui, não apenas como observadora, mas como protagonista desta realidade. Sou enfermeira há dezoito anos no SNS. Vivi as mudanças, as crises, as reformas e, mais recentemente, a mudança profissional entre duas Instituições do SNS, a qual envolveu a transição da carreira de Enfermagem para a carreira especial de Enfermagem. No entanto, essa transição trouxe-me uma desilusão profunda: o meu tempo de serviço, dezoito anos de exercício contínuo no SNS, de dedicação e entrega, não é contabilizado para efeitos de valorização profissional e de carreira. Os decisores políticos e os responsáveis pela Gestão de Recursos Humanos do SNS, consideram esta política gestão justa e equitativa? Ou seja, uma enfermeira com dezoito anos de profissão no SNS ao transitar da carreira de Enfermagem para a carreira especial de Enfermagem fica equiparada na carreira a uma recém- licenciada! Pergunto: é deste modo que vamos motivar e reter talento no SNS?
Sei que este não é um caso isolado, revelando uma estranha forma de se fazer política e de se estar nas Instituições Públicas. Esta desvalorização não é apenas pessoal, é o símbolo de uma cultura de gestão que ainda não compreendeu que cuidar de quem cuida é a base de qualquer serviço de saúde sólido e humano.
Enquanto o Ministério da Saúde e os responsáveis pela Gestão de Recursos Humanos do SNS não reconhecerem plenamente o valor da experiência, do compromisso e da felicidade dos seus profissionais, continuará a perder aquilo que tem de mais precioso: o seu capital humano.
É tempo de transformar as palavras em políticas, e as políticas em práticas que devolvam aos enfermeiros e por consequência, aos cidadãos: um SNS mais justo, equitativo, humanizado e sustentável.
Outros artigos com interesse: