
Ana Mendes e Carlos Lopes: O sucesso do modelo multidisciplinar no tratamento da asma grave
Em entrevista exclusiva ao HealthNews, a imunoalergologista Ana Mendes e o pneumologista Carlos Lopes, coordenadores da primeira Unidade Multidisciplinar de Asma Grave (UMAG) da ULS Santa Maria, explicam como este modelo pioneiro em Portugal melhorou drasticamente o controlo da doença e a qualidade de vida dos doentes. Os especialistas detalham os desafios superados, o impacto […]
Em entrevista exclusiva ao HealthNews, a imunoalergologista Ana Mendes e o pneumologista Carlos Lopes, coordenadores da primeira Unidade Multidisciplinar de Asma Grave (UMAG) da ULS Santa Maria, explicam como este modelo pioneiro em Portugal melhorou drasticamente o controlo da doença e a qualidade de vida dos doentes. Os especialistas detalham os desafios superados, o impacto na redução de hospitalizações e a visão para expandir este padrão de cuidados a nível nacional.
HealthNews (HN) – Quais foram os principais desafios enfrentados na criação da primeira Unidade Multidisciplinar de Asma Grave (UMAG) da ULS Santa Maria e de que forma foram superados?
Dr. Carlos Lopes e Dr.ª Ana Mendes (CL/AM) . Os principais desafios passaram por uma mudança de mentalidade, em que se desenvolveu uma sinergia cooperativa entre 2 serviços autónomos; edificação da unidade funcional no mesmo espaço físico, tornando a UMAG uma realidade e escassez de recursos humanos, que apesar da economia de escala obtida com a criação da UMAG, os recursos humanos continuam abaixo do necessário para dar resposta às necessidades desta população de doentes com elevada morbilidade.
HN – Como avalia o impacto da UMAG na qualidade de vida dos doentes com asma grave desde o início da sua atividade, nomeadamente ao nível do controlo da doença e da redução de hospitalizações?
CL/AM – Desde a criação da UMAG, temos assistido a uma melhoria muito significativa no controlo da doença e na qualidade de vida dos nossos doentes. O modelo multidisciplinar permite uma abordagem mais integrada e personalizada, o que se traduz numa redução clara das exacerbações e das hospitalizações. O acompanhamento próximo, quer presencial quer à distância, tem sido essencial para garantir adesão às terapêuticas e otimizar o controlo da asma grave.
HN – De que modo a colaboração entre Pneumologia e Imunoalergologia contribuiu para o sucesso do modelo multidisciplinar implementado na UMAG?
CL/AM – A colaboração entre Pneumologia e Imunoalergologia é o pilar central da UMAG. A complementaridade entre as duas especialidades permite avaliar o doente de forma abrangente — desde a identificação de fenótipos e endotipos até à escolha mais adequada da terapêutica biológica. Este trabalho conjunto tem promovido decisões clínicas mais rápidas, sustentadas e com melhores resultados em termos de eficácia e segurança.
Este modelo de cuidados multidisciplinares na Asma Grave já tem provas dadas a nível internacional, constituindo o paradigma atual de efetividade na organização dos cuidados a estes doentes. Sendo a Asma Grave uma doença complexa, ter no mesmo espaço e, em simultâneo, médicos com diferentes áreas de conhecimento, torna a avaliação do doente, verdadeiramente, multidimensional e um plano terapêutico multimodal. Com evidentes benefícios, sem atrasos e, aumentando a segurança no que respeita à abordagem de reações adversas. Estamos muito orgulhosos por sermos pioneiros em Portugal e termos conseguido tornar realidade um modelo que andamos a advogar pelo menos nos últimos 5 anos.
HN – Considerando que cerca de 5% dos asmáticos em Portugal têm asma grave, quais são as principais necessidades ainda por colmatar no acompanhamento destes doentes a nível nacional?
CL/AM – Apesar dos avanços, ainda existem desafios importantes, nomeadamente a referenciação atempada dos doentes e a uniformização de critérios de avaliação e seguimento. É essencial garantir que as unidades especializadas tenham os recursos humanos e logísticos necessários para responder de forma eficaz. Outro ponto fundamental é o reforço da articulação com os cuidados de saúde primários, através de vias facilitadas de comunicação, incluindo a telemedicina, que já estamos a implementar.
HN – Que papel desempenha a inovação, nomeadamente através de projetos como a Bolsa PRECISION, na evolução dos cuidados prestados aos doentes com asma grave?
CL/AM – A Bolsa PRECISION teve um impacto muito positivo na nossa prática. Permitiu-nos ultrapassar vários obstáculos burocráticos e administrativos que muitas vezes atrasavam a implementação de novas abordagens. Além disso, fez-nos pensar de forma mais global e precisa, ajudando-nos a estruturar melhor o planeamento e a execução do trabalho em equipa. A inovação não é apenas tecnológica — é também organizacional e conceptual, e este projeto foi um excelente catalisador dessa mudança.
A Bolsa PRECISION foi fundamental porque permitiu otimizar processos depois de intensa discussão que congregou a parte clínica e a administração da ULS. Quebrou barreiras intransponíveis, sobretudo burocráticas e de mentalidade ao trazer a sede desta discussão, para interlocutores que estão perto dos doentes e que todos os dias são confrontados com a carência do sistema para responder às exigências desta doença complexa. Por fim, acelerou a instalação física da ULS com a sua recente inauguração.
HN – A UMAG da ULS Santa Maria já realizou mais de 1200 consultas e segue centenas de doentes com terapêutica biológica. Que critérios são utilizados para a seleção destes tratamentos e como é feito o seu acompanhamento?
CL/AM – Temos protocolos clínicos muito bem definidos para a prescrição de fármacos biológicos, que seguem as recomendações internacionais e foram elaborados em conjunto com a Comissão de Farmácia e Terapêutica (CFT) da ULS. Depois de uma avaliação multidisciplinar e de um tempo de seguimento variável, em que são avaliados biomarcadores de atividade da doença, comorbilidades, eventuais complicações da Asma Grave e resposta à terapêutica, o médico assistente especializado em Asma Grave, leva o doente a discussão em Reunião Multidisciplinar de Decisão Terapêutica. Caso o caso clínico cumpra os critérios do protocolo, segue para aprovação em sede de CFT, e só então o doente inicia o tratamento biológico em Hospital de Dia da UMAG. Todos estes passos colegiais, dão a garantia da indicação absoluta para o tratamento biológico, da escolha correta do fármaco e do equilíbrio orçamental, potenciando o número de doentes a ser tratado de forma eficaz com a mesma despesa para o erário público.
HN – Quais são as perspetivas futuras para a expansão do modelo das Unidades Multidisciplinares de Asma Grave em Portugal e que recomendações deixa a outras instituições que pretendam seguir este exemplo?
CL/AM – É com grande satisfação que vemos vários projetos de Unidades de Asma Grave a serem desenvolvidos pelo País, cada um com as suas especificidades, ajustadas à realidade local. É fundamental trabalhar em rede e, conseguirmos envolver as associações de doentes. São os principais intervenientes no terreno e, quem vai beneficiar diretamente da expansão e melhoria deste modelo. Por outro lado, todos juntos, teremos mais argumentos para convencer os decisores políticos das virtudes da implementação de uma rede de cuidados para os doentes com Asma Grave, que garanta a acessibilidade, a equidade, padrões de qualidade e controlo da despesa e com o reconhecimento das Unidades Multidisciplinares de Asma Grave como referência e base estruturante da rede.
Acreditamos que o modelo das UMAG deve ser expandido a outras unidades hospitalares, com adaptações à realidade local. É fundamental que existam equipas verdadeiramente integradas, com comunicação eficaz e protocolos claros de referenciação e decisão terapêutica. O sucesso depende do envolvimento de todas as áreas — desde a Imunoalergologia e Pneumologia até à Farmácia e Enfermagem especializada. A experiência mostra-nos que quando o foco é o doente e o trabalho é partilhado, os resultados aparecem naturalmente.
HN/MMM
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