
Ana Luísa Martins: “Consulta multidisciplinar pode reduzir tempo até diagnóstico” do linfoma
Por ocasião do Dia Mundial de Sensibilização para o Linfoma, a Dra. Ana Luísa Martins, hematologista clínica da Consulta Multidisciplinar de Linfomas Cutâneos do Hospital de Santo António dos Capuchos – ULS Lisboa Central, alerta para os desafios no diagnóstico do Linfoma Cutâneo de Células T, que pode levar até 4 anos a ser identificado. Destaca a importância de uma abordagem multidisciplinar e o seu profundo impacto clínico, emocional e social, sublinhando a urgência em sensibilizar a população e os profissionais de saúde para esta patologia oncológica.
HealthNews (HN) – O Linfoma Cutâneo de Células T, apesar de ser raro, representa a maioria dos linfomas que têm origem na pele. Quais são os principais desafios no diagnóstico desta doença, tanto para os doentes como para os clínicos?
Ana Luísa Martins (ALM) – Em todo o mundo, o diagnóstico dos Linfomas Cutâneos de Células T demora, em média, 3 a 4 anos. Isto deve-se em parte à demora em aceder a consulta de dermatologia, quer porque o doente desvaloriza os sintomas, quer pela dificuldade em aceder à especialidade no SNS e na medicina privada. Por outro lado, a apresentação clínica pode mimetizar outras doenças e as alterações na biópsia cutânea podem ser inespecíficas, obrigando por vezes à realização de várias biópsias e à avaliação da evolução ao longo do tempo para se concluir um diagnóstico. A existência de consultas multidisciplinares dedicadas aos linfomas cutâneos, que incluem hematologistas e dermatologistas, e a sua divulgação pode contribuir para reduzir o tempo até diagnóstico, para além de melhorar o tratamento dos doentes.
HN – Na sua prática clínica no Hospital de Santo António dos Capuchos, que aspetos do LCCT considera serem os mais complexos de gerir: o impacto clínico, o emocional ou o social?
ALM – Todos. O impacto clínico é maior nos doentes em estadios mais avançados, pela maior carga tumoral que origina mais sintomas e pela gestão dos tratamentos sistémicos, que incluem medicamentos imunossupressores ou quimioterapia. Pela imunossupressão e pela quebra na barreira que é a pele, estes doentes têm maior risco de terem infeções cutâneas ou sistémicas, o que obriga a uma gestão clínica particular. Nos doentes com estadios precoces, apesar da menor gravidade da doença e do bom prognóstico, o facto de terem um diagnóstico oncológico pode ser muito impactante a nível emocional. O prurido, principal sintoma da Micose Fungóide, pode ser muito incomodativo e ter repercussões emocionais consideráveis. Em todos os doentes, mas principalmente nos que têm eritrodermia ou tumores grandes, o impacto social é marcado e complexo de gerir, uma vez que afetam diretamente a imagem do doente e a forma como se relaciona com os outros. No Hospital dos Capuchos, para além de todo o apoio médico e de enfermagem, contamos com a Consulta de Psicologia e com o apoio das Assistentes Sociais para ajudarem a gerir o impacto psicossocial da doença.
HN – A Micose Fungóide é o subtipo mais comum. Pode explicar, de forma simples, em que consiste e por que razão, apesar do nome, não está relacionada com nenhuma infeção fúngica?
ALM – A Micose Fungóide é o tipo mais frequente de linfoma cutâneo, sendo um cancro dos linfócitos (células do sistema imunitário) que residem na pele. Manifesta-se por manchas vermelhas, placas ou tumores, ou nos estadios mais avançados, por eritrodermia (pele vermelha em mais de 80% da superfície corporal). Pode progredir com envolvimento dos gânglios linfáticos, sangue e outros órgãos. O nome Micose Fungóide é enganador porque sugere «infecção fúngica em forma de cogumelo» e teve origem na descrição inicial da doença com alguns tumores que lembravam cogumelos. Efectivamente, este nome gera confusão em alguns doentes quando são diagnosticados.
HN – O subtipo Síndrome de Sézary é mais raro mas também mais agressivo. Que esperança pode hoje ser dada aos doentes diagnosticados com esta variante da doença?
ALM – O Síndrome de Sézary foi reclassificado na última classificação de tumores hematopoiéticos da Organização Mundial de Saúde como uma Leucemia sistémica de células T, deixando de estar incluído nos linfomas primários cutâneos. Isto reflete a sua origem celular distinta e realça a sua gravidade e pior prognóstico. É uma doença rara que se caracteriza por eritrodermia, aumento do tamanho dos gânglios linfáticos generalizado e aumento dos linfócitos da doença no sangue. Frequentemente, os doentes têm prurido intenso e perda ponderal acentuada. O transplante de medula óssea é o único tratamento que oferece possibilidade de cura, mas está associado a toxicidade relevante, por isso a maioria dos doentes não é elegível. O tratamento inclui fotoferese extracorporal, quimioterapia ou anticorpos monoclonais. A sua combinação e sequência no âmbito de consultas especializadas, pode permitir aos doentes sobreviverem mais anos com maior qualidade de vida.
HN – Sendo uma doença com uma expressão visível na pele, que impacto psicológico e na qualidade de vida, observa habitualmente nos seus doentes?
ALM – O impacto psicológico é grande, uma vez que afeta a imagem da pessoa, com consequências nos seus relacionamentos mais próximos e no dia-a-dia. Alguns tipos de doença afetam particularmente as zonas com pelos, provocando queda do cabelo e sobrancelhas, o que tem um grande impacto na imagem e psicológico. A maioria dos doentes em estadios avançados da doença tem muita descamação, podendo ficar restos de pele acumuladas onde se sentam ou despem. Isto pode dar origem a discriminação por parte de pessoas menos próximas e afeta os relacionamentos íntimos. Pode também ter repercussões a nível laboral, em funções que exijam contacto direto com o público. Para além disso, é uma doença que, nos estadios avançados, se associa a uma redução significativa da qualidade de vida, não só devido ao prurido e descamação, mas também pelas deslocações ao hospital para tratamentos e repercussão social e psicológica da doença.
HN – Qual considera ser a mensagem mais importante a transmitir à população e à comunidade médica no âmbito do Dia Mundial de Sensibilização para o Linfoma?
ALM – A mensagem mais importante deste dia é exatamente SENSIBILIZAR. Sensibilizar para doenças oncológicas raras como os linfomas cutâneos ou sistémicos, mas que devem ser mais rapidamente diagnosticadas e encaminhadas para centros de referência onde podem ser tratados de forma multidisciplinar, com impacto na sobrevivência e na qualidade de vida. Sensibilizar os doentes para os sintomas que os devem levar a recorrer a um dermatologista ou ao médico de família e relembrar os profissionais que não trabalham diariamente na área de que estas doenças existem e, apesar de raras, têm que ser reconhecidas prontamente.
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