
Presidente do Conselho Económico e Social diz que é preciso “reponderar” os serviços mínimos
Dias depois de retomarem as reuniões no Conselho Económico e Social (CES), já no âmbito da nova legislatura, o presidente do CES defende a necessidade de “reponderar” os serviços mínimos nas greves, uma das alterações apresentadas pelo Governo que tem gerado mais polémica.
Luís Pais Antunes, que lidera o organismo responsável pela arbitragem quando as partes não chegam a acordo, admite em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e jornal Público, que é cada vez mais difícil fixar serviços mínimos, por isso é necessário repensar a Lei da Greve e esta questão já se arrasta há alguns anos. Parar serviços não é resposta, avisa.
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O advogado aponta ainda o que se tem discutido nesta matéria noutros países e soluções que têm sido exploradas.
Nesta entrevista, à Renascença e ao Público, Luís Pais Antunes defende a atualização do Código do Trabalho. Foi um dos responsáveis pela elaboração da lei, em 2003/2004, mais de duas décadas depois, diz que a legislação laboral está obsoleta, ficou “no século passado” e promove o trabalho informal.
Explica ainda que será muito difícil um acordo com todos os parceiros em sede de concertação, só por “milagre”, mas os entendimentos que têm sido alcançados, com grande abrangência, já são muito positivos.
Admite consensos com a atual disposição do parlamento e até antecipa que a negociação do próximo Orçamento do Estado não será tão difícil como a anterior.
No arranque das reuniões da Comissão Permanente de Concertação Social, o primeiro-ministro defendeu a necessidade de mexer na Lei da Greve e de criar serviços mínimos “em todas as ocasiões”. Também acha que é necessário?
De algum tempo a esta parte, os serviços mínimos são um tema que pede uma reponderação.
Lembrar-se-ão das discussões que existiram na greve dos motoristas de matérias perigosas, em 2019. O Governo era outro, mas já nessa altura se falou na necessidade de revisitar o tema, sobretudo quando estão em causa situações em que a compatibilização de direitos, liberdades e garantias concorrentes suscitam maiores preocupações.
Não me surpreende que a questão volte, até porque mais recentemente tivemos situações em que a inexistência ou a insuficiência dos serviços mínimos suscitaram algum alarme social.
Não é, aliás, um problema especificamente português, nos últimos anos tivemos processos semelhantes no Reino Unido, em França e mesmo em países que têm um contexto diferente, como a Alemanha, houve discussões sobre o âmbito dos serviços mínimos e a forma de os organizar.
A lei, tal como está, não garante já esses serviços mínimos?
Temos um sistema de definição dos serviços mínimos que é talvez até dos mais elaborados. Mas o que se tem verificado é que, em determinadas situações, não dá resposta à satisfação das tais necessidades sociais impreteríveis, em particular no domínio do direito ao transporte, à mobilidade e à circulação e também, de certa forma, no direito à saúde.
“Os serviços mínimos são um tema que pede uma reponderação”
“Os serviços mínimos são um tema que pede uma reponderação”
A requisição civil não pode resolver isso?
Não é a melhor solução. Acho importante que se rediscuta o tema [dos serviços mínimos] e que se procure encontrar soluções.
Uma coisa é certa, e sobre isso penso que ninguém tem dúvidas, o direito à greve é um direito fundamental, faz parte do elenco de direitos, liberdades e garantias consagrados constitucionalmente, mas não é um direito absoluto, tal como os outros direitos, liberdades e garantias também não são direitos absolutos. Quando eles entram em conflito, nenhum pode sobrepor-se ao outro e é preciso compatibilizá-los.
Quando o primeiro-ministro fala em serviços mínimos “em todas as ocasiões” o que acha que pretende dizer?
Não posso fazer a interpretação autêntica das palavras de um primeiro-ministro ou de qualquer membro do Governo.
Portanto, na sua perspetiva há sempre que pôr em confronto os vários direitos fundamentais para se chegar a uma solução?
Isso é uma jurisprudência mais do que estabelecida no nosso Tribunal Constitucional. Há a necessidade de encontrar as melhores soluções para compatibilizar os direitos em conflito. Há países que até estão a discutir a possibilidade de definir janelas para o exercício do direito de greve.
Horários?
Há propostas no sentido de dizer, por exemplo, que não pode haver greves de transportes nas horas de ponta. Só que isso depois cria um problema de segurança, porque toda a gente se vai concentrar a essa hora.
E o próprio direito à greve ficaria tocado.
A fixação de serviços mínimos já é uma restrição ao direito à greve, mas a greve é uma restrição ao direito à saúde, ao direito ao transporte, ao direito à educação. É por isso que estamos a falar de um conflito entre direitos fundamentais.
A fixação dos serviços mínimos é uma forma de não deixar que um se sobreponha ao outro. É um exercício cada vez mais difícil, daí a razão de se procurar uma solução. Porque a solução também não pode dizer ‘não há greve porque está em causa o direito à saúde ou o direito à mobilidade’. E vice-versa, também não se pode dizer não há direito à saúde e à mobilidade ou aos transportes porque há greve.
Agora, se me perguntam se é uma tarefa fácil e óbvia, não é. Se fosse já a teríamos encontrado. Até porque temos de olhar para a situação em concreto: não é a mesma coisa existir uma greve dos comboios quando não há mais greves ou haver uma greve dos comboios, do metro e da Carris.
O princípio que a lei estabelece e que o Tribunal Constitucional já por mais de uma vez confirmou é que a fixação de serviços mínimos tem sempre que obedecer a três critérios: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade. Soluções que não são adequadas ou necessárias ou não proporcionais não são boas soluções.
Esteve envolvido no desenho do Código do Trabalho em 2003. Passadas duas décadas, o que é urgente mudar?
Entre o Código do Trabalho de 2003 e 2025 já houve várias alterações. Sou o primeiro a reconhecer que nesse período o mundo mudou e, portanto, é natural que haja matérias que careçam de revisão.
Mesmo tendo havido uma alteração muito recente, em 2023?
É irrelevante saber se houve alterações recentes, até porque elas não foram propriamente pacíficas, nem muito consensuais. Se tivessem sido pacíficas e consensuais, ninguém as poria em causa nesta altura. É natural que pelo menos parte das críticas que foram feitas na altura voltem a ser feitas.
Não me quero referir a nenhuma situação em concreto, até porque devem ser o Governo e os parceiros sociais a dar o pontapé de saída, mas a nossa matriz do direito de trabalho continua a ser muito do século passado.
O que é que isso significa?
Significa que são regras que foram construídas e postas em prática num contexto socioeconómico bastante diferente do atual.
Então é preciso flexibilizar mais a lei laboral?
Para responder de forma simples, eu diria que sim. Se queremos ter uma legislação laboral mais rígida, por contraposição a flexível, nós, enquanto sociedade, sabemos que temos um preço a pagar que é mais precariedade. Não é só na legislação laboral, conhecemos isso da legislação do arrendamento, quanto mais pretensamente restritiva ou rígida é uma determinada solução, maior é a dificuldade em que ela se conforme com a prática e com a realidade.
A nossa lei ainda tem muito “chão de fábrica” e hoje a organização do mundo do trabalho não é propriamente essa. Há regras que fazem sentido no “chão de fábrica”, mas não fazem grande sentido noutro tipo de atividades.
Por causa das novas formas de trabalho?
Andamos a fazer uma manta de retalhos. Metemos umas coisas para se arranjar uma solução para o teletrabalho e para as plataformas que são realidades diferentes.
Agora, e voltando à questão da rigidez e da flexibilidade, não vou dizer que deve ser assim ou assado – nem é esse o papel do CES e muito menos do seu presidente -, o que acho importante é que o Governo, os parceiros sindicais e os parceiros patronais se sentem à mesa e discutam porque há certamente melhorias a introduzir. Terão de ser incrementais e terá de haver uma maior aproximação e capacidade de diálogo. Se cada um começar a extremar os seus pontos de vista, não vamos certamente sair melhor da situação em que estamos.
O ambiente que se vive neste momento na concertação social é propício a esse diálogo e a esse entendimento ou está muito extremado?
Na esmagadora maioria dos casos não há um acordo entre todos os parceiros à volta da mesa. Não vai haver, como por milagre, uma espécie de solução que faça a unanimidade entre todos. O importante é que um acordo seja, como foram sucessivos acordos ao longo dos últimos 20 ou 25 anos, suficientemente alargado e representativo daquilo que é o sentir da sociedade.
Medidas como a compra de dias de férias fazem sentido? Já tinham sido discutidas entre os parceiros?
Eu não lhe chamaria compra de dias de férias, não é isso que está em causa. Aliás, a expressão é a aquisição de dias de férias. Tanto quanto sei, o que estamos a falar é de mini licenças sem vencimento e são práticas que já são correntes num número significativo de empresas.
Grandes empresas, com bons salários.
Terá de haver vontade dos dois lados, quer do empregador, quer do trabalhador.
Seria bom que o grande problema do nosso mercado de trabalho e do sistema de relações laborais fosse a questão de saber se as férias podem ser um bocadinho mais estendidas. Não acho que isso seja um tema verdadeiramente relevante. Agora, admito que num número importante de empresas em determinados setores que têm uma sazonalidade mais marcada que isso possa ser bom para uns e para outros.
Acho que é melhor termos soluções mais flexíveis, em particular nos casos em que elas obrigam a um acordo entre o empregador e o trabalhador, do que ter soluções rígidas. Não é pelo facto de termos soluções muito compartimentadas e muito fechadas que o mercado de trabalho ou que o sistema de relações laborais funciona melhor e defende mais os interesses e os direitos do trabalhador.
E não defenderia melhor o trabalhador se essa flexibilidade fosse discutida na contratação coletiva?
Acho que pode e deve ser. A contratação coletiva seria certamente mais forte e mais dinâmica se não estivesse submetida a determinado tipo de constrangimento. Agora, eu percebo também quais são as questões que estão por trás de toda a discussão sobre a caducidade. Devia-se gastar mais tempo e mais esforço em procurar soluções equilibradas para a contratação coletiva do que em transformar o tema num terreno de batalha sobre pode denunciar ou não pode denunciar [uma convenção].
O governo fixou o aumento do salário mínimo para cerca de 1.100 euros em 2029 e que o salário médio cresça para os 2.000. É uma meta exequível?
Não vejo nenhuma razão para que não seja exequível. Há um risco que ainda corremos, mas que também já foi maior, que é fazer com que o salário mínimo se aproxime cada vez mais do médio, o que não é bom.
Acho que há condições, mas isso depende de “n” fatores, alguns que nos ultrapassam e que têm a ver com a situação geopolítica internacional. Não há nenhuma razão para dizer que é completamente impensável ou irrealista. Até porque a subida dos salários e o crescimento da economia deve ser um dos nossos grandes desígnios.
Um relatório recente da Comissão Europeia conclui que o alargamento do IRS Jovem não contribuiu para baixar a desigualdade e favoreceu quem ganha mais. Esta medida deve ser repensada?
Não conheço o relatório. A medida entrou em vigor há meia dúzia de meses, é prematuro. O IRS Jovem, com uma componente mais virada para os escalões de cima ou todos os escalões ou só alguns, é uma boa medida.
“A nossa matriz do direito de trabalho continua a ser muito do século passado”
“A nossa matriz do direito de trabalho continua a ser muito do século passado”
Mas é só por isso que os jovens vão decidir ficar em Portugal?
Certamente que não será. O importante é criar condições para que quem sai queira regressar. Isso depende de um conjunto de fatores e o IRS jovem será um deles.
[A saída de jovens] não é um problema especificamente português. Hoje em dia, a palavra de referência para a generalidade das organizações e dos países, é reter talento. Os países vão continuar a fazer tudo o que podem para criar condições para reter o seu talento.Os relatórios do CES têm alertado para a necessidade de consenso em áreas estruturais, saúde, habitação, fiscalidade. A configuração que temos no Parlamento é propícia a esse tipo de consensos e de entendimentos?
Eu diria que é tão propícia como era antes.
Não está extremado?
Está extremado, mas sempre houve posições extremas no Parlamento. Se me perguntam se a configuração do sistema político português hoje é igual à de há 10 anos e se a de há 10 anos é igual à de há 20 anos, não, é diferente.
Sempre houve polarização, não foi isso que impediu certos consensos, mas também não foi isso que facilitou outros consensos. Não vejo que a composição atual do Parlamento seja por si só uma causa de exclusão de consensos.
Apesar da maioria maior que o Governo conseguiu nas últimas eleições, a aprovação do próximo Orçamento do Estado (OE) para 2026 deverá ser igualmente difícil este ano?
Penso que não. No ano passado a aprovação do OE foi muito mais difícil na previsão do que na realidade. O processo negocial até foi rápido, foi relativamente simples e encontrou-se uma solução.
Mas então o executivo terá mais facilidade em aprovar o Orçamento do Estado?
Eu não disse que teria mais facilidade. O que disse é que não teria mais dificuldade e que não vejo nenhum obstáculo intransponível.
Considera preocupante que o Governo vá atrás das preocupações do Chega em determinadas áreas como a imigração? A composição do Parlamento neste momento é muito diferente da do ano passado.
O presidente do CES não faz análise política nem comentário político, portanto não vou responder a essa pergunta.
A mim, enquanto agente do sistema, interessa-me que haja atenção aos problemas que as pessoas sentem. E há um conjunto de problemas que são reais, falamos do problema da deslocação para o trabalho, dos problemas no sistema de saúde, os problemas na habitação, os problemas com a imigração. As pessoas sentem esses problemas.
O sistema político no seu todo tem de prestar atenção a esses problemas, não numa lógica de saber se está a pensar na agenda do A ou da agenda do B. A agenda que conta é a agenda das pessoas.
Quando olhamos para o resultado de umas eleições e vemos que há uma grande deslocação de voto para aqui ou para ali, significa que as pessoas estão a ter mais preocupação com isto ou com aquilo. Mal está o sistema político que não percebe a reação das pessoas e que não lhe procura dar resposta.
A imigração deve ser discutida na concertação social como defendem os patrões?
A tema da imigração, os impactos, as preocupações e as soluções estão a ser discutidas.
Mas as leis da nacionalidade e do reagrupamento familiar não deveriam ir à concertação?
Esse tema só não vai à concertação social se nenhum dos parceiros à volta da mesa não o quiser lá pôr. Se o quiser lá colocar, certamente a questão será discutida.
O tema da imigração e da resposta aos problemas que têm sido criados, em particular no mercado de trabalho, é um tema que deve ser discutido entre os parceiros.
A Comissão Europeia alertou para o aumento do esforço financeiro com as pensões em Portugal até 2050 e que isso poderá retirar receitas a outras despesas, como a saúde ou a habitação. Andamos demasiado tranquilos em relação à sustentabilidade da segurança social?
Não consigo responder se andamos demasiado tranquilos ou intranquilos.
A sustentabilidade da segurança social é um tema que está em cima da mesa há muitos anos. Fomos dando passos para resolver problemas mais imediatos, houve um conjunto de medidas paramétricas, a começar pela introdução do fator de sustentabilidade, que deram um novo fôlego, mas sabemos que a evolução demográfica nos obriga a diversificar as fontes de financiamento do sistema de pensões.
Isso justifica a necessidade de tomar medidas o mais cedo possível, apesar dos saldos positivos neste momento?
Temos uma necessidade e essa necessidade até admito que possa ser urgente, mas não temos problemas de curto prazo para resolver. E, portanto, é bom que a discussão se foque em medidas de futuro.
Há relatórios recentes que estão em fase de análise e discussão, há novos estudos que estão em curso. No CES estamos neste momento a desenvolver um conjunto alargado de estudos sobre aquilo que é um grande tema que também está ligado, direta ou indiretamente que é a questão da longevidade.
Disse que no Conselho Económico e Social há grupos sub-representados. Que grupos são esses?
No elenco dos 76 membros que compõem o plenário, as associações representativas de imigrantes têm um lugar.
É pouco?
É pouco se olharmos para aquilo que é a representatividade no mundo do trabalho atual. Outro exemplo, o sector do ambiente só tem um representante.
Qual é a sua intenção, enquanto presidente do CES, nesta matéria específica?
A minha intenção é que se proceda à revisão da Lei do CES.
Há condições para fazer essa alteração?
Não é um problema de vontade, é mais um problema de oportunidade. Uma boa oportunidade é o processo de reforma do Estado. O Conselho Económico e Social é um órgão criado pela Constituição com duas finalidades, que hoje em dia até são três, consulta, concertação social e, entretanto, acrescentou-se a arbitragem laboral. Mas depois vimos nascer observatórios, conselhos, comissões de acompanhamento e a sua composição é semelhante à do CES.
As recomendações do CES são tidas em conta pelo Parlamento e pelo Governo quando fazem os vossos relatórios?
Não é fácil aferir em concreto. Há recomendações que se eternizam, há outras que são mais facilmente acolhidas. Depende. Acho que, apesar de tudo, há maior disponibilidade em perceber.
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