
Estigma e vergonha associados à obesidade afastaram pessoas
O rastreio à obesidade, com o mote “O Corpo Pode Resistir à Perda de Peso”, decorreu entre 23 de maio e 29 de junho, A iniciativa teve lugar em Vila Nova de Gaia, Braga, Coimbra, Aveiro, Leiria, Castelo Branco, Évora, Faro, Almada e Lisboa, com o objetivo de alertar para os perigos da obesidade e sensibilizar as pessoas afetadas para procurarem ajuda médica.
Num balanço feito à agência Lusa, o presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO), José Silva Nunes, disse que foram realizados cerca de 300 rastreios, maioritariamente mulheres, entre os 40 e os 55 anos, conforme o esperado. O endocrinologista explicou que a obesidade é desvalorizada pela sociedade em geral, mas sobretudo pelos homens, “que não veem tanto como uma doença como acontece com as mulheres”, o que explica a maior adesão feminina. Quanto às idades, disse que é entre os 40 e os 55 anos que a obesidade frequentemente já está associada a várias comorbilidades e em que há uma mudança na forma como a doença é encarada.
Segundo José Silva Nunes, o que “ficou um bocadinho aquém do que seria esperado” foi o número de pessoas rastreadas: “Idealmente, deveria ser superior, mas isto também traduz o enviesamento que se verifica na nossa sociedade à forma como a obesidade é encarada”. “Na sociedade em geral, ou em grande parte da nossa sociedade, a obesidade não é vista como uma doença, é mais como um problema de erros no estilo de vida, sobretudo ligados a uma alimentação inapropriada. E, portanto, as pessoas também sentem algum estigma e alguma discriminação”, lamentou.
Mesmo sendo portadores da doença, as pessoas “têm uma certa vergonha de irem para um programa de rastreio à obesidade, onde podem pensar que são julgadas e culpabilizados pela doença”. O objetivo da iniciativa “é mesmo chamar a atenção de que a obesidade é uma doença neurobiológica geneticamente determinada e não é culpa da pessoa”, afirmou, vincando que “não é a pessoa que escolhe ter esta doença”, nem é uma questão de “falta de força de vontade”.
O calor que se fez sentir nos últimos dias da iniciativa também inibiu as pessoas de fazerem o rastreio e, por isso, os promotores apelam a quem não teve oportunidade de o fazer, a consultar o médico. “Se a pessoa não pedir ajuda, muitas vezes também não é tratada”, alertou Silva Nunes, observando que o médico de família pode ajudar quando está consciente desta problemática, o que nem sempre acontece.
Apesar de Portugal ter sido um país pioneiro em reconhecer a obesidade como doença, em 2004, “infelizmente, ainda há uma percentagem significativa dos profissionais de saúde (…) que não veem a obesidade como uma doença e promovem discriminação face aos portadores e os culpabilizam por ter a doença, associando-a a erros alimentares, a erros de sedentarismo, portanto, baixa atividade física”.
Segundo o especialista, a obesidade e a pré-obesidade afetam cerca de dois terços da população portuguesa, o que disse ser “extremamente alarmante”. “Felizmente, há tratamento, em termos de intervenção no estilo de vida, acoplado a intervenção psicológica, intervenção farmacológica e, para os casos elegíveis, tratamento cirúrgico”, realçou.
Realizado por 14 endocrinologistas e 14 enfermeiros, o rastreio foi promovido pela Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM), pela SPEO, pela Sociedade Portuguesa de Cirurgia da Obesidade e Doenças Metabólicas, pela Associação de Doentes Obesos e Ex-obesos de Portugal (Adexo) e uma empresa de produtos farmacêuticos.
SO/LUSA
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