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“A Igreja não tem dado grandes respostas” aos idosos que vivem isolados

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O coordenador do Serviço Nacional da Pastoral da Saúde, padre Francisco Ruivo, considera que “a Igreja não tem dado grandes respostas” aos idosos que vivem isolados e aponta como um dos grandes desafios da atualidade o “ir ao encontro da gente que vive completamente só e que não tem nada”.

Em entrevista à Renascença e à Agência Ecclesia o sacerdote diz que a pastoral do idoso está muito pouco desenvolvida. “Portugal está no ponto zero”, sentencia.

Francisco Ruivo alerta para o risco existente nas “sociedades desenvolvidas” onde “o isolamento e descarte dos idosos é muito violento”, apontando para dados recentes da Conferência Episcopal da Austrália, onde muitos dos idosos “pedem a eutanásia para não se sentirem um peso para a família”.

O sacerdote da diocese de Santarém sustenta que Portugal não é imune a este fenómeno e teme, por isso, que possamos ser “arrastados e engolidos por essa mentalidade”.

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O padre Francisco Ruivo, nomeado coordenador do Serviço Nacional da Pastoral da Saúde pela Conferência Episcopal Portuguesa em meados deste mês de maio, revela que pretende ter até ao final do verão uma equipa formada e promover a criação de pequenas estruturas de apoio aos idosos em cada diocese.

“Alguns países têm uma pastoral dos idosos muito desenvolvida, outros estão a começar, outros não têm nada (…) Portugal está no ponto zero”

Num país envelhecido, era uma necessidade a Igreja reforçar o acompanhamento e a atenção pastoral à população mais idosa?

Num país envelhecido, e eu diria num mundo envelhecido, há absoluta necessidade de olhar para os idosos com um olhar muito mais fixo. Isto é, a Igreja deve ter permanentemente esta preocupação. Criar um serviço voltado para os idosos é uma exigência que vem da Santa Sé. Foi distribuído um inquérito a todas as Conferências Episcopais do mundo, precisamente sobre a pastoral dos idosos. As respostas chegaram à Santa Sé e foram, entretanto, publicadas já algumas das conclusões. Verificamos que alguns países têm uma pastoral dos idosos muito desenvolvida, outros estão a começar, outros não têm nada. Ou seja, está-se a trabalhar em diversos ritmos, mas esta necessidade é tremenda.

E como é que está Portugal? Em que lugar se está?

Portugal está no ponto zero.

Agora já não…

Eu não quero ter uma leitura pessimista da realidade, não quero ter uma atitude negativa. Eu sei que há experiências pontuais e bonitas e essas experiências pontuais que vão existindo é importante serem divulgadas, precisamente para entusiasmar outras comunidades. Mas, de qualquer modo, em termos estruturais, nós não temos nada, ainda.

E esta nomeação vem na sequência de quê?

Em primeiro lugar, o Serviço de Pastoral dos Idosos está incluído na Pastoral Familiar, como não poderia deixar de ser, mas é um serviço que, no fundo, tem a sua autonomia, tem o seu dinamismo próprio. Tendo participado, enquanto também assistente do Departamento Nacional da Pastoral Familiar, no ano passado, num webinar sobre os idosos, a Pastoral dos Idosos, sentimo-nos interpelados e dissemos que é preciso olhar, de facto, para esta realidade. Estes webinars, estes congressos que estão a acontecer mostram-nos a necessidade absoluta de não ficarmos parados, indiferentes ao que está a acontecer noutros países, mas sermos capazes também de dar alguns passos.

“Há absoluta necessidade de olhar para os idosos com um olhar muito mais fixo”

O primeiro desafio é a criação da tal estrutura. Isso será feito a breve prazo?

Sim, será feito. Estamos no final do ano pastoral e, portanto, estamos a fechar uma série de capítulos, como é normal. A minha vontade é a de, até ao final do verão, ter uma equipa. Já tenho algumas coisas pensadas, diremos até duas pessoas faladas, que mostraram disponibilidade, para depois começarmos a auscultar as dioceses.

Em primeiro lugar, temos de perceber o que temos e o que é existe. E comunicar e partilhar o que existe de bom. Será um contato diocese a diocese, para incentivar a que possa haver uma pequena estrutura em cada uma. Será um trabalho longo, como devem calcular, mas eu creio que será um trabalho contagiante em que uns poderão entusiasmar outros.

“Criar um serviço voltado para os idosos é uma exigência que vem da Santa Sé”

Nesse sentido, olhando para a realidade portuguesa, certamente haverá maior facilidade de contacto com o apoio a idosos que se encontram em instituições, como os lares, por exemplo. Já percebe que um dos desafios vai ser ir ao encontro daqueles que vivem sós?

Isso é algo que me inquieta bastante: ver e perceber a solidão em que muitas pessoas que vivem. Estou aqui na cidade de Santarém, não é uma cidade cosmopolita como Lisboa e Porto, mas é uma cidade que não deixa de ter os mesmos problemas das grandes cidades. O problema da solidão entre as pessoas que vivem sós… Isso incomoda-me bastante. E, portanto, diria que um dos trabalhos, um dos desafios maiores que nos é colocado é ir ao encontro desta gente que vive completamente só, que não tem nada.

E perceber onde é que eles estão, não é?…

Exatamente. Eu tenho dito, nalgumas reuniões, até aqui na diocese, que sinto que a solidão é de uma agressividade grande, até perturbadora. E alguém dizia, “mas há muita gente que está nos lares”. Sim, mas há muita, se calhar muita mais gente que está em casa sozinha. E é a essa realidade que a Igreja não tem dado grandes respostas, a meu ver. Ou se o tem, não é partilhado, não é falado.

Diferente é a situação das aldeias, onde existe o sentido de vizinhança e o sentido de vizinhança é sentido de proximidade. Se alguém não vê o vizinho um dia, vai logo à procura dele. Nas cidades, não…

“É algo que me inquieta bastante: ver e perceber a solidão em que muitas pessoas que vivem”

Outra realidade, por vezes cruel, é a vivida em muitos hospitais do país, onde muitos idosos permanecem internados porque não há quem os acolha ou, sobretudo, família que os receba. Este é outro desafio importante. Já pensou em algum tipo de resposta?

Uma das pessoas, porque é alguém que está muito mais familiarizado com esse meio, que eu penso incluir nesta equipa de trabalho é alguém que trabalha no hospital. É uma radiologista. Ela conhece muito bem esta realidade, ela conhece muito bem esse mundo e poderá ajudar-nos a todos a encontrar respostas. Nós sabemos que há serviço de voluntariado, mas é preciso incentivar muito esse voluntariado. Isto eu sinto-o particularmente. Temos, por isso, de perceber que tipo de resposta e que tipo de soluções poderíamos encontrar para minimizar todo este sofrimento que as pessoas vivem e esta situação de abandono em que as pessoas se encontram.

Estamos a falar de formas possíveis de desenvolver o serviço. Esta é também uma oportunidade para valorizar o contributo dos mais velhos nas comunidades católicas? Nós sabemos que, muitas vezes, a pastoral é pensada para destinatários…

Exatamente. Um dos objetivos da pastoral do idoso, que a maior parte das vezes é uma pastoral assistencialista ao idoso, é torná-lo protagonista. A preocupação espiritual por este grande número de pessoas que, muitas vezes, se veem só numa atitude existencialista e perceber o que eles nos poderão dar, o contributo que eles nos poderão ajudar a todos nós. Aliás, estou convencido de que não podemos pensar uma pastoral da Igreja, verdadeiramente, sem uma pastoral dos idosos. Cada vez mais.

“Sinto que a solidão é de uma agressividade grande, até perturbadora”

Viemos de uma campanha com muitas promessas, muitas vezes dirigidas precisamente a esta faixa etária. Espera que se implementem políticas que valorizem os idosos e, em especial, que assumam o valor que os avós têm para a vida de tantas e tantas famílias?

Eu confesso que desejaria muito que sim. Muito. Creio que seria, sem dúvida, olhar por uma franja de pessoas da nossa sociedade, muitas vezes descartadas, e perceber a importância que elas têm hoje na vida das comunidades e na nossa sociedade. Creio que se as propostas apresentadas nesta última campanha se concretizassem, daríamos passos gigantes no acolhimento e, no fundo, ajudar-se-ia a dignificar esta fase da vida, que, muitas vezes, como sabemos, é considerada um peso.

O problema é quando as promessas, como é costume, não passam de promessas?

Exatamente. Esse é o grande receio, não é? Mas, de qualquer modo, a Igreja tem de ter um papel importante neste campo.

A articulação com os serviços públicos com outras instituições da Igreja, como Misericórdias e instituições de solidariedade, vai ser fundamental para o sucesso do novo serviço?

Não tenho dúvida. O poder valorizar e incentivar as pessoas a um voluntariado, um voluntariado dos mais diversos níveis. Falamos há pouco do serviço dos hospitais e dos doentes que estão lá completamente abandonados. É preciso despertar a comunidade. É preciso, de facto, uma grande conversão das comunidades cristãs para que as pessoas que vivem isoladas em suas casas possam ter um acompanhamento. Como, aliás, já vai acontecendo nos centros de dia e lares. Creio que o espectro é grande. Agora, é preciso darmos passos em cada uma das áreas e levar a comunidade a uma profunda conversão aos idosos.

“Um dos objetivos da pastoral do idoso (…) é torná-lo protagonista”

No final deste mês, vamos viver o Jubileu das famílias, das crianças, dos avós e também dos idosos. Este diálogo entre gerações é um dos grandes legados do pontificado do Papa Francisco?

É sim, senhor. Não é por acaso que ele tem tantos e inúmeros apelos ao diálogo intergeracional e à importância dos idosos. Ele instituiu o Dia Mundial dos Avós, como sabemos. Não é o melhor domingo, porque na nossa cultura já está muita gente de férias, mas tudo isso são sinais e são apelos para sermos capazes de olhar para a família no seu todo e não ter os idosos como um peso muito grande.

Nós sabemos que, no mundo, até desta leitura que eu fiz de algumas conclusões deste questionário que foi lançado às Conferências Episcopais, vamos encontrando nas sociedades desenvolvidas este isolamento, este descarte dos idosos que é muito mais violento até do que nas sociedades em vias de desenvolvimento.

E nesse questionário, houve uma coisa que me impressionou bastante num resultado apresentado pela Conferência Episcopal da Austrália: muitos dos idosos pedem a eutanásia, precisamente para não se sentirem um peso para a família. O questionário apresentava um número elevado de idosos – cujo número agora não me recordo – que estava a entrar numa profunda depressão. Isto é fruto de um desenvolvimento em que o que conta é todo o materialismo. Nas relações humanas, essa relação de proximidade, essa relação com o mais velho, a riqueza que eles podem ter para nós fica completamente descartada.

Receia que, em Portugal, se possa também caminhar para uma estatística idêntica a essa da Austrália?

Se nós não pegarmos, se nós não despertarmos, se nós não alertarmos cairemos como qualquer outro país. Olhamos precisamente para outros países. Estamos a ver aqui a França, a própria Alemanha, mesmo a Suíça, onde este fenómeno começa a ter bastante peso. Nós não ficamos indiferentes, acabamos por ser arrastados e engolidos por essa mentalidade.

“Não podemos pensar uma pastoral da Igreja, verdadeiramente, sem uma pastoral dos idosos”

Falou da questão da cultura do descarte, que me parece sintetizar bem essa frase que era um dos grandes motes do pontificado do Papa Francisco. Já a um de junho vamos ter o Papa Leão XIV a presidir a esta missa do Jubileu das famílias, das crianças, dos avós e dos idosos. Vai ser uma oportunidade ideal para abrir um novo capítulo neste diálogo?

Olhe, eu faço a ideia de lá estar. Do Departamento Nacional não podem ir todos, por motivos, até, de saúde de alguns, mas lá estaremos. Estarão três dos cinco casais. Estarei eu. Estará o D. Nuno Almeida e o secretário da Comissão do Episcopal. Estaremos lá no Jubileu das famílias porque acho que é importante. É quase que representar as famílias portuguesas.

E no programa deste Jubileu das famílias, concretamente no sábado de manhã, haverá uma conferência, precisamente, sobre o valor dos idosos. Será na Basília de Santa Maria de Trastevere. Verificamos que o próprio Jubileu em si, com momentos celebrativos, com momentos de festa, contemplou, sem dúvida, a manhã de sábado, precisamente, para se dedicar aos idosos. Tenho alguma expectativa naquilo que vai ser percorrido nessa conferência e tenho grande expectativa sobre o que o nosso Papa, Leão XIV, vai dizer às famílias.

“Um dos desafios maiores que nos é colocado é ir ao encontro desta gente que vive completamente só, que não tem nada”

O Dia Mundial dos Avós de 2025 tem como tema, “Bem-aventurado, aquele que não perdeu a esperança”. É uma inspiração para o novo serviço pastoral?

Claro que é. Não tenhamos a menor dúvida porque, no fundo, pretendemos promover o contacto com muitos idosos. Recordo-me de que, no tempo da Covid, estava tudo isolado e uma das preocupações que eu tive foi telefonar com regularidade, de dois em dois dias, a uma série de idosos que eu sabia que estavam sozinhos, que não tinham família. E eu telefonava para perguntar como é que estavam. Eu já sabia o que eles me iam dizer, mas a simples possibilidade de eles poderem conversar, perceberem que havia alguém que não se tinha esquecido deles, o poderem comunicar foi bastante saudável.

Foi a partir muito dessa experiência que me despertou muito para esta relação de proximidade com eles porque, muitas vezes, já perderam a esperança, a esperança da mudança. E perguntam-se, muitas vezes: “O que é que eu ando cá a fazer?”. Ora, isto é terrível. Devemos abanar interiormente. E porquê? Porque perderam todo o sonho, perderam todo o sentido da vida, perderam o gosto pela vida. Portanto, é muito importante poder transmitir-lhes esta bem-aventurança de que a esperança é aquela que, no fundo, nos galvaniza para continuar a sonhar, mesmo já não podendo sair de casa. Isto é que é importante.


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